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Como
explicamos corrupção, hipocrisia, decepção
aos nossos filhos – e toda a dissonância que permeia o mundo
adulto? O que devemos dizer aos nossos pequeninos quando eles são
expostos, pela primeira vez, a educadores imorais, pais abusivos, corrupção
religiosa e as inconsistências básicas que testemunham quando
pessoas supostamente boas se comportam de maneira má e quando o
sofrimento vem daqueles que deveriam nos amar?
Várias escolas de pensamento sugerem abordagens diferentes.
A maioria concorda que não há necessidade de tocar no assunto
com as crianças até que elas o façam. Existem, porém,
aqueles que sugerem que devemos abordar isto antes que as crianças
tenham de enfrentar o dilema.
Alguns argumentam que deveríamos simplesmente contar a verdade:
vivemos num mundo cruel e hostil, repleto de pessoas egoístas,
e os seres humanos são de natureza dupla. Segundo essa abordagem,
as crianças são simplesmente ingênuas, e quando chega
a hora de crescer – quando experimentam pela primeira vez uma mentira
– chegou a hora de dar-lhes as “boas-vindas” à
espúria comunidade adulta de mentirosos e hipócritas.
“Mentiras que meu pai me contou” foi um filme popular que
captou a atitude comum de adultos mentindo para seus filhos.
Dentro dessa aboadagem, existem aqueles que chegam ao ponto de dizer que
quanto antes despertarmos as crianças para as duras “realidades”
da vida, melhor. Que elas não vivam iludidas sobre a capacidade
humana de prejudicar umas às outras.
No outro extremo estão aqueles que sugerem que deveríamos
simplesmente ignorar o assunto e evitar responder às perguntas
das crianças e aumentar sua confusão. “De que adianta
falar-lhes sobre a falsidade do mundo,” diz o argumento, “quando
elas aprenderão sobre isso por si mesmas?” Deixe que as crianças
descubram pelas próprias experiências as contradições
da vida, e que se adaptem da melhor maneira possível.
Alguns defendem a posição de que devemos… mentir aos
nossos filhos sobre os mentirosos do mundo. Por mais irônico que
possa parecer, esta filosofia (se é que se pode chamar assim) declara
que quando os filhos nos fazem perguntas sobre religiosos falsos ou professores
corruptos, devemos minimizar o assunto dizendo-lhes que em toda comunidade
existem algumas “maçãs podres”, e que não
devemos estigmatizar a comunidade inteira. Devemos enfraquecer o golpe
aos sistemas de nossos filhos e diminuir seu desapontamento minimizando
o problema.
Como você pode imaginar, estou longe de aceitar qualquer uma dessas
três táticas. A abordagem da Torá – que tentarei
transmitir– rejeita todas essas três perspectivas.
Mentir aos nossos filhos, mesmo querendo protegê-los, não
é uma opção sadia. Obviamente, não temos de
seguir em frente e dizer a eles a verdade nua e crua sobre toda tragédia
na vida; porém omitir informações até que
a pessoa esteja suficientemente madura para assimilá-la é
bem diferente de enganar por completo.
Por outro lado, dizer cegamente aos nossos filhos sobre a crueldade e
a duplicidade das pessoas pode ser assustador, e não necessariamente
as prepara para lidar com este dilema. Existe algum benefício em
destruir a visão idealista das crianças explicando que todos
os seres humanos são egoístas e advertindo-as a ficarem
sempre em guarda? Um forte argumento pode ser que este “realismo”
na verdade é bastante prejudicial ao desenvolvimento humano. Sem
idealismo, sem a capacidade de sonhar e aspirar, sem esperança,
sem encantamento e abandono, que tipo de pessoas seríamos?
Nossas maiores conquistas vêm de nossa pureza infantil, da virtude
e da inocência. Quando aliadas ao amadurecimento e experiência
adultas, a combinação de maturidade e vulnerabilidade, de
sabedoria e fascinação, é uma das forças mais
potentes na vida. Todas as realizações e revoluções
mais poderosas vieram de pessoas que não sucumbiram ao status quo,
que não aceitaram que tudo é corruptível, que acreditaram
nos outros e em si mesmas.
É isso que queremos tirar de nossos filhos, sobrecarregando-os
com o medo e a hesitação que vêm de saber que todos
os nossos heróis são trapaceiros, e que todas as pessoas
que respeitamos terminarão por nos desapontar?
Um amigo meu contou-me orgulhoso recentemente como finalmente disse ao
filho que jamais deveria confiar em alguém. “Sempre esperei
pelo dia de poder partilhar essa verdade com meu filho,” disse ele,
“agora ele jamais será magoado e desapontado devido a falsas
espectativas.” Sabendo como meu amigo fora magoado por pessoas em
quem confiava, sua atitude foi compreensível. Porém ele
estava totalmente errado. E eu disse isso a ele. Ele estava errado, porque
por mais que você tenha sido magoado pelas pessoas em quem confiou,
é ainda mais doloroso jamais se dar a chance de encontrar alguém
em quem possa confiar.
Onde haverá lugar para o amor, para o verdadeiro amor, se tudo
que aprendemos é que todas as pessoas são desleais –
seja na realidade ou em potencial – e que portanto devemos sempre
estar na defensiva e manter “a porta aberta” caso precisemos
fugir?!
Portanto a primeira e a última opções são
inaceitáveis. O mesmo ocorre com a opção do meio,
de simplesmente ignorar e evitar o assunto. Que benefício trazemos
ao não responder às preocupações de nossos
filhos? É melhor que eles encontrem as respostas nas ruas, na TV
ou em locais que preferimos nem mencionar?
Qual é o papel dos pais e educadores, se não o de abordar
os conflitos de uma criança que está crescendo e enfrentando
os paradoxos da vida – com o supremo paradoxo de pessoas boas se
comportando mal, e o conflito de preservar a própria integridade
no meio daqueles que não o fazem, de ser uma pessoa do bem entre
vizinhos egoístas?
Existe uma pergunta mais importante a ser respondida que aquela surgindo
da inocência que colide com falsidade, da honestidade confrontando
a mentira, da integridade que se encontra com a duplicidade?
Antes de falarmos sobre a abordagem da Torá, uma introdução
vital se faz necessária. É sobre a própria natureza
dos seres humanos.
Se nós humanos somos realmente “brutos” egoístas
de coração que meramente se desenvolveram em criaturas inteligentes,
então quando se leva isto à conclusão lógica,
as pessoas farão tudo que for necessário; enganar, mentir,
trair, para conseguir aquilo que desejam.
Esta, na essência, é a teoria contemporânea prevalecente
sobre a personalidade humana – algo que devemos chamar de “modelo
Darwiniano-Freudiano”. A regra principal que impulsiona todas as
criaturas, incluindo as humanas, é a “sobrevivência
do mais apto”. O “id” é a força egoísta
inerente dentro de cada um de nós, a fonte primitiva, inconsciente,
de satisfazer todas as necessidades básicas e sentimentos do ser
humano. Existe apenas uma regra: O “Princípio do prazer”
– eu quero aquilo e quero agora. O id deseja tudo que parece bom
no momento, sem considerar a realidade da situação ou o
bem dos outros. Apesar disso, desenvolvemos o “ego” racional
e o “super-ego”, que se impõe sobre o id desenfreado.
O trabalho do ego é conseguir os prazeres do id, mas ser razoável
e ter em mente as consequências a longo prazo. Nas palavras de Freud:
a personalidade humana é “… basicamente um campo de
batalha. É um porão escuro no qual uma solteirona bem alimentada
(o superego) e um macaco louco por sexo (o id) estão para sempre
empenhados num combate mortal, um conflito mediado por um bancário
nervoso (o ego).”
Baseados no modelo humano, inevitavelmente temos de enfrentar a deprimente
realidade de que todas as pessoas são capazes a qualquer hora de
apelar para a duplicidade se isso servir aos próprios interesses.
O que fazemos então com crianças pequenas, inocentes, que
ainda não têm consciência desse fato “sofisticado”?
Nós as vemos como ingênuas e simples, e na melhor das hipóteses,
esperamos que não fiquem expostas ao “verdadeiro” segredo
da vida – a “verdade” de que as pessoas são simplesmente
mentirosas e não merecem confiança…
Bem, fico feliz ao partilhar com vocês que existe “uma outra”
abordagem – diametricamente oposta àquela que você
acaba de ler. É baseada no modelo humano da Torá, que nos
vê fundamentalmente como pessoas criadas à
‘imagem Divina”. Somos, antes de mais nada e acima de tudo,
e no fundo, não brutos ou feras, mas almas e espíritos.
Porém cada alma foi enviada a um mundo material, vestida num corpo
físico, com necessidades corpóreas.
A descida dramática e radical da alma, das alturas sublimes até
as profundezas decadentes – algo que por si mesmo é um estudo
elaborado na literatura chassídica e cabalística –
cria a primeira e mais forte dissonância, que vai tolerar todas
as outras formas de dissonância em nossas vidas, desde a forma mais
suave até a mais extrema.
Assim, temos duas vozes perpétuas dentro de nós: a voz da
alma Divina aspirando a uma vida de virtude, e a voz do corpo egoísta
procurando satisfazer suas necessidades; a voz sutil do espírito
na busca de significado e propósito mais elevados, e a voz do material,
desesperada pela sobrevivência e pelo conforto imediato.
Temos também um conflito eterno: qual das vozes prevalecerá?
Acima de tudo – e este é o fato mais poderoso e fascinante
– exatamente essa batalha entre alma e corpo é o propósito
de nossa existência. Cada um de nós foi encarregado da missão
e recebeu os meios para superar as tentações egoístas
e permitir que nossas almas dirijam nossos corpos, em vez do contrário.
E esta é nossa suprema resposta à dissonância –
em todas as suas formas e configurações: recebemos duplicidade
em nossa existência a fim de a superarmos, e transformá-la
numa força visando à unidade.
Baseados neste modelo humano, como olhamos para nossos filhos inocentes?
Como vastos reservatórios de verdade! De todas as pessoas nesta
terra as crianças, como criaturas puras e vulneráveis que
são, ainda retêm e encerram a secreta “verdade”
da existência: abaixo da superfície dissonante, desonesta,
está uma profunda unidade e integridade, esperando para ser libertada.
Uma alma pura manifestada num corpo egoísta é o conflito
e propósito de nossas vidas. Armados com essa atitude, temos uma
reação mais poderosa – podemo dizer eloquente, devido
às circunstâncias? resposta às perguntas de nossos
filhos sobre corrupção e falsidade em todas as suas manifestações.
Quando chegar o dia em que nossos filhos tiverem idade suficiente para
se sentirem confusos com a dissonância que nos cerca, e nos abordarem
com perguntas, aqui estão algumas palavras que podemos oferecer.
Talvez seja melhor escrevê-la em forma de carta:
Meu Querido Filho,
Como sua alma é pura e delicada, quero partilhar com você
uma importante – talvez a mais importante – coisa que você
jamais ouvirá em sua vida; talvez seja um pouco dolorosa, mas acima
de tudo é fortalecedora.
D'us enviou você e eu, e todos neste mundo, para cá, para
um mundo não tão bom assim. Um universo onde a presença
de D'us está oculta, e o plano de D'us para nós não
é visto facilmente. Nesta espécie de mundo, não é
difícil para as pessoas se afastar daquilo que foram encarregadas
de fazer. Em vez de buscar a virtude e a bondade, às vezes podemos
ser distraídos pelas próprias necessidades e interesses.
Em vez de seguir o “manual do fabricante” para a vida que
D'us nos deu, podemos nos ocupar com outras atrações diversas.
Mas por favor, saiba, meu querido filho, isso é exatamente o que
D'us pretendia. Ele nos deu um desafio. Seguiremos os desejos de nosso
coração e satisfaremos nossas necessidades imediatas, ou
enxergaremos através do ocultamento e viveremos de acordo com nosso
verdadeiro ser? Seremos enganados e seduzidos pelas trevas, ou traremos
luz e calor? Vamos ignorar todos ao nosso redor, ou trabalharemos para
inspirar todos que encontrarmos?
D'us nos confiou Seu mundo. E nos deu essa escolha. Todo momento de nossas
vidas seremos confrontados com essa opção. Quando crianças,
o conflito pode tomar a forma de como partilhamos ou não partilhamos
com nossos amigos. Como adultos, o conflito assume outras formas.
Infelizmente, as pessoas sucumbem aos seus instintos mais básicos
e fazem coisas que não são consistentes com suas almas.
Às vezes elas podem até saber que estão fazendo coisas
que são inconsistentes com seus próprios valores. Todos
nós temos uma inclinação egoísta; nenhum de
nós está imune a essas inconsistências.
Mas saiba sempre que apenas porque outros caíram, não temos
de cair também. Lembre-se sempre que você tem o poder de
elevar-se à ocasião e corresponder às aspirações
mais elevadas de sua alma. E você também possui a capacidade
também de levantar outros que possam ter caído.
Sendo criança, você tem algo para dar a nós adultos,
algo que precisamos desesperadamente; esperança. Você nos
dá confiança, beleza, inocência – e por nossa
vez damos a você amor e alimento, força e poder para usar
sua pureza para conquistar o mundo com espírito e alma.
Com amor.
“Os corações dos pais retornarão através
de seus filhos,” nos diz o Profeta. Mas nós adultos e pais
temos de permitir a entrada de nossos filhos. Isto também se refere
à “criança interior” dentro de cada um de nós.
Jamais permita que ela seja extinta.
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