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D’us, como pudeste fazer isso?

 

Por Levi Brackman

 

Assistir ao desastre se desenrolando no filme feito por um cinegrafista amador em Aceh, na Indonésia, fez-me tremer. Não há palavras para descrever o horror causado pelo tsunami. Como o terror atacou de repente! As pessoas estavam cuidando da vida cotidiana num segundo e se afogando no seguinte. Milhares de pessoas perderam a vida nesta tragédia sem precedentes. Portanto, temos uma pergunta nos lábios: Por quê? Por que bebês e crianças inocentes tiveram de morrer de maneira tão sofrida? Para aqueles de nós que acreditam em D’us a pergunta é:
Como Ele pôde fazer isto? (Para aqueles que não acreditam, isso apenas parece reforçar seu cepticismo). Muitas pessoas religiosas sentem-se culpadas por fazer a D’us este tipo de pergunta. Mas na verdade perguntar “por quê” não somente é aceitável, mas faz parte da melhor tradição judaica.


Na verdade perguntar “por quê” não somente é aceitável, mas faz parte da melhor tradição judaica

No Shabat passado lemos sobre um diálogo desses entre Moshê e D’us. Moshê tinha sido enviado por D’us para implorar ao faraó que libertasse os Filhos de Israell do Egito, porém em vez de concordar, o faraó aumentou o já pesado fardo de trabalho escravo sobre os judeus. Moshê fez a famosa pergunta a D’us: ”Por que fizeste mal a este povo?”

De maneira desapontadora, D’us parece fugir às pergunta e meramente responde: “Agora verás o que Eu farei ao faraó, que com mão forte ele [o faraó] vos enviará, e com mão forte os desterrará de sua terra” (Shemot 5:22-6:1). Que tipo de resposta é esta? Não responde à pergunta!
Certamente D’us poderia ter feito o faraó libertar os israelitas sem causar-lhes mais sofrimento e angústia. Por que D’us não responde a pergunta que Moshê faz a Ele?

Segundo o Talmud, houve outra ocasião em que Moshê fez a pergunta “por quê” e D’us Se recusou a responder. Em uma das subidas de Moshê ao céu D’us mostrou-lhe como Rabi Akiva, o grande sábio talmúdico, no futuro, iria expor as minúcias da Lei da Torá. Moshê ficou impressionado pelo brilhantismo de Rabi Akiva. Moshê voltou-se para D’us e disse: “Tu me mostraste sua Torá, agora mostra-me sua recompensa.” D’us mostrou a Moshê que rabi Akiva seria cruelmente assassinado pelos Romanos durante a perseguição de Adriano.


O indivíduo que sofre pode sentir a necessidade de saber o por quê, mas, no fundo, jamais aceitará completamente qualquer resposta.

“Senhor do Universo” – clamou Moshiê – “assim é a Torá, e esta é a recompensa?!” “Silêncio” – respondeu D’us – “estes são os Meus pensamentos” (Talmud, Menachot 29a). D’us parece ser totalmente não-razoável neste ponto. Moshê faz uma pergunta perfeitamente legítima, apenas para ouvir D’us mandá-lo ficar quieto. Porém, se olharmos por baixo da superfície, encontramos uma idéia muito profunda.

Quando alguém é recebedor de uma enorme boa sorte, pode dizer alegremente: “Por que eu mereci isto?” No entanto, não ter uma resposta suficientemente boa para esta pergunta geralmente não desencadeia uma crise de fé em D’us.

Quando algo de mau acontece, a pessoa tem necessidade de perguntar por quê. A pessoa dirá: “Por que isso aconteceu comigo? Por que eu mereci isto?”

Não parecemos capazes de viver confortavelmente sem saber por que coisas ruins nos acontecem. Uma pessoa me procurou recentemente após sua namorada de longa data ter rompido com ele sem dizer o por quê. Ele estava arrasado, mas o que mais lhe doía era o fato de que jamais poderia descobrir o por quê de ela não o queria mais. Esta necessidade humana inata de saber por que as coisas negativas acontecem é o motivo de todos os filósofos religiosos e teólogos de todas as fés, no decorrer dos séculos, tentarem explicar por que D’us permite que aconteçam coisas más a pessoas boas.

Segundo Saadia Gaon (falecido em 942 EC), em seu Livro de Crenças e Opiniões (Tratado 9) e Nahamânides (falecido em 1270), em seu Portal da Recompensa, por exemplo, o conceito de um Mundo Vindouro explica o sofrimento neste mundo.

Porém quando o próprio D’us foi indagado “Por quê?” Ele jamais deu uma resposta direta. Certamente, se D’us está nos fazendo sofrer, Ele não deveria exacerbar ainda mais o sofrimento, dando-nos um motivo adequado.

Esta questão nos leva ao âmago da resposta. É exatamente porque temos uma necessidade tão forte de saber o motivo do nosso sofrimento que não podemos saber o motivo. Quando estamos sofrendo, não podemos ser objetivos. Para uma pessoa que está passando por dor e sofrimento, nenhum motivo pode ser suficientemente bom. O indivíduo que sofre pode sentir a necessidade de saber o por quê, mas, no fundo, jamais aceitará completamente qualquer resposta.

Moshê, o amoroso pastor do povo judeu, precisava saber por que D’us fez o povo sofrer. De fato, Moshê clamou a D’us com indignação. Quem poderia culpar um pai por chorar pelo sofrimento dos filhos? Quem poderia dar aos pais um motivo adequado para o sofrimento de crianças?

É errado tentar racionalizar ou legitimizar o sofrimento humano. Nenhuma justificativa no mundo poderia consolar as mães na Ásia cujos filhos se afogaram. Ironicamente, a resposta dada por D’us a Moshê: “Silêncio, eu sei o que faço!” é a mais apropriada para a ocasião. É como uma criança que é forçada pela mãe a tomar um remédio amargo: a criança pode gritar por causa do sabor, mas como confia que há um bom motivo para engolir o remédio, a provação é tolerável.
Saber que há um bom motivo para nosso sofrimento – uma razão que está além de nós neste momento, mas mesmo assim conhecida por um poder confiável infinitamente maior que nós mesmos, é uma fonte de conforto. Pelo menos sabemos que não sofremos e morremos em vão.
Portanto, paradoxalmente, ao perguntar “por quê?” permitimo-nos ser confortados pela resposta que D’us deixa de nos dar.

       
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