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Durante este tempo em que estou doente, tenho procurado conectar o que
está acontecendo em minha vida dentro do contexto de minha observância
religiosa e meu relacionamento pessoal com D’us. Pela intensidade
da minha situação atual, vejo-me numa aliança surpreendentemente
íntima e direta com o Todo Poderoso, embora numa maneira que eu
não teria previsto.
É
um relacionamento pacífico no qual eu presumo Sua presença
de maneira não-condicional, da maneira que num mundo ideal os pais
deveriam ser com seus filhos. Projetei minha confiança em Sua compaixão
e sinto que Ele não ousaria me abandonar numa hora dessas. Como
Ele me ama, confio que tudo aquilo que está diante de mim é
feito para o meu bem. Posso imaginar situações nas quais
eu possa não me sentir assim. Mas por enquanto, tenho um relacionamento
bastante desapaixonado com Ele, e posso senti-Lo no cenário, assim
como Seu nome está oculto na Meguilá, mas mesmo assim Ele
está por trás de cada etapa das intrigas de Esther e Mordechai.
Quando
olho para todas as bênçãos as bênçãos
maravilhosas e abundantes que Ele tem me concedido, parece quase
minúsculo que tudo que Ele pede que eu faça para
demonstrar meu amor seja manter-me casher ou guardar o Shabat,
ou passar algum tempo estudando Sua Torá.
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Raramente
falo com Ele. Raramente rezo pela minha recuperação. Aceito
isso como algo garantido. Quando falo com Ele, é principalmente
pelos meus filhos – e às vezes rezo pedindo força,
sabedoria, paciência e paz de espírito. Muitas vezes rezo
simplesmente para que Ele me permita manter minhas emoções
negativas dentro de mim, e sofrer sem sobrecarregar os outros, especialmente
minha mulher.
Eu não creio que tenha tido um momento de culpa ou fúria
com D’us, desde o início dessa provação. Embora
certamente eu esteja curioso sobre o que Ele tem escondido na Sua manga.
E muitas vezes tenho medo sobre até onde vai este teste. "Já
basta" – digo às vezes. Mas então me pergunto:
"Isso é suficiente. Isso é o máximo que preciso
ir?" E ao final dessas ruminações e diálogos
com D’us, jogo minhas mãos e digo: "Isso não
cabe a mim saber." Então respiro e sigo em frente, até
o próximo momento, à medida que minha percepção
de D’us diminui em comparação com aquilo que está
acontecendo à minha frente ou dentro de mim.
Estou surpreso com a falta de intensidade, realmente. Não estou
correndo para recitar Tehilim (Salmos). E fico mais animado quando toco
flauta do que ao contemplar os reinos elevados.
Mas bem ali por baixo disso tudo, há esta calma percepção
de D’us, há o alicerce da Sua presença, há
um silencioso reconhecimento de que eu sempre posso ligar para Casa quando
precisar, e que Alguém me dirá se está chovendo muito
forte e eu esqueci meu guarda-chuva.
Tenho fé nos planos de D’us? Certamente, embora eu passe
pouco tempo tentando entender qual é este plano, seja para mim
ou para outros. Talvez eu deva passar mais tempo nisso, mas não
o faço. O que eu tenho mais fé é na existência
sempre presente de D’us. E isso eu encontro em toda a parte, o tempo
todo. Sempre que eu desejo coloco esta percepção diante
de mim. Eu aceito isso como certo. Assim como aceito os milagres como
garantidos. Assim como aceito minha recuperação como garantida.
Assim como meus filhos aceitam o meu amor por eles como algo certo. Assim
como eu aceito o amor de Sharon por mim como algo certo. É assim
que aceito o amor de D’us por mim – algo garantido. Simplesmente
assim. É a maneira que deveria ser. É o amor incondicional
que não exige uma resposta minha, mas que aprecia qualquer resposta
que eu dê.
Estes
são os tempos que testam a alma dos homens.
Quando os anos de treinamento encontram seu teste no campo de
batalha. Quando eu chego a ver quem eu sou, e então espero
que D’us me ame mesmo assim.
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E é
aqui que entra a religião. Não preciso ser religioso para
receber o amor de D’us. Porém a religião me ajuda
a expressar meu amor por ele. Não preciso da religião para
me conectar com Ele (na verdade, a estrutura com freqüência
é um obstáculo, em vez de catalisador); porque D’us,
creio eu, está sempre ali, querendo Se conectar comigo. Mas a religião,
eu espero, é a maneira de D’us dizer-me o que posso fazer
por Ele. Isso restringe minha emoção em ações
prescritas – ações que, D’us nos diz, têm
significado para Ele.
Eu acho que D’us me ama mais ou menos se eu fizer ou não
estas ações? De modo algum. Nunca pensei assim, e não
posso imaginar-me pensando isso sobre mim ou sobre qualquer outro. Porém
gosto do fato de D’us ter saído do Seu caminho para dizer-me
como eu posso expressar a Ele minha apreciação, meu amor,
meu deleite com os Seus cuidados por mim. E quando olho para todas as
bênçãos que Ele tem me concedido, todas as bênçãos
maravilhosas e abundantes, parece quase minúsculo que tudo que
Ele pede que eu faça para demonstrar meu amor seja manter-me casher
ou guardar o Shabat, ou passar algum tempo estudando Sua Torá.
Creio que cheguei à conclusão de que sentir amor não
basta, a menos que isso seja conectado à ação, e
especificamente ação que exige um pouco de mim e coloca
um pouco naqueles que eu amo. Isso não equivale a dizer que ao
fim do dia eu não tenha recebido mais do que eu dei na barganha.
Mas ainda assim, a ação na hora envolve meu esforço,
meu pensamento, meu envolvimento – a expressão do meu amor
em ação.
Eu acho que sabendo disso – tendo nos criado dessa maneira –
D’us então teve de nos dar uma maneira de expressarmos nosso
amor por Ele em ação, e essa maneira tinha de incluir uma
certeza de que isso seria significativo para Ele. Como teria sido injusto
para D’us criar um sistema no qual não houvesse como voltar
atrás! Isso teria nos mantido como crianças, e não
nos permitiria amadurecer o suficiente para perceber que como D’us
é todas as coisas, até Ele deve ser solitário e deve
precisar de amor. Ele deve ter Se permitido ser solitário por bondade
para conosco, para que pudéssemos aliviar Sua solidão não
apenas sentindo amor por Ele, mas também através de nossa
expressão física daquele amor.
Visualizo a possibilidade de que todo momento da vida possa se tornar
uma expressão de amor a D’us. E creio que isso se resume
a uma constante percepção de que aquilo que eu faço,
tudo que eu faço, faço por Ele. Se alguém pudesse
expressar esta percepção o tempo todo, então a vida
toda seria uma mitsvá, e a pessoa encontraria as 613 mitsvot em
cada esquina, debaixo de cada pedra. Esta pessoa então poderia
se chamar de religiosa. Algo que eu não sou, porém tenho
uma ânsia sonhadora de ser.
Creio que isso é o que aprecio na minha situação
atual e na esperança que ela fornece. A intensidade – literalmente
a vida e a morte nela – me força a confrontar meu relacionamento
com a sempre presente Divindade no mundo. Isso me força a lidar
com o momento e empurrar minha fé à minha frente. O D’us
que eu agora confronto, o D’us disfarçado de Meguilá,
é Aquele embebido em toda ação, todo detalhe da vida.
Um D’us modesto, que não insiste em receber crédito
por tudo, que consegue pôr em cena um show enorme como o do Egito
ou do Sinai, porém com maior freqüência é encontrado
em todo momento, toda situação que ocorre na vida da pessoa.
Este é o D’us com quem eu estou presente, e enquanto escrevo
isso sinto-me empolgado como fico sempre que sinto a lacuna entre Ele
e eu diminuir mais um pouquinho.
O D’us com quem eu estou presente é Aquele que me pede para
abraçar não apenas o fato da minha doença, mas cada
momento feio dela. É o D’us que me pede para encontrá-Lo
quando a agulha está inserida no meu braço para dar-me minha
dose de quatro horas de quimio. É o D’us que me pede para
não esquecê-Lo quando eu ficar tão fraco que não
luto mais contra o meu medo da morte e de abandonar meus filhos tão
cedo. É o D’us que me pede para abrir meu coração
com amor a tudo que me cerca, embora talvez eu enfrente a perda de tudo
mais cedo do que eu queria.
D’us não está me pedindo para colocá-Lo em
algum lugar e falar com Ele, rezar e meditar sobre Sua Glória e
Seu Reino. Em vez disso, durante este tempo, Ele apareceu com a incrível
oportunidade de encontrá-Lo em todo detalhe do desafio diário
que me espera. Os riscos são muito altos para conversação
e especulação espirituais; é muito mais que isso.
Estes são os tempos que testam a alma dos homens. Quando os anos
de treinamento encontram seu teste no campo de batalha. Quando eu chego
a ver quem eu sou, e então espero que D’us me ame mesmo assim.
Veja, é isso que estou procurando. Sou muito ganancioso e enquanto
presumo a volta da minha saúde, estou preocupado com o crescimento
da minha alma durante este tempo. Sim, eu quero me curar fisicamente;
mas quero também permitir a expansão da minha alma para
onde ela não tenha mais medo do futuro, nenhuma dissecção
de vida nisso ou naquilo, onde eu estou tão conectado com D’us
e Sua presença onisciente que eu posso encontrar cada dimensão
da vida com graça e uma respiração plena e fácil.
Talvez durante a intensidade desta doença, eu esteja ocupado demais
estando com D’us para ter tempo de sobra para falar com Ele sobre
o que está acontecendo. Quando se está intensamente ocupado
com alguma atividade, não há separação entre
quem faz e aquilo que é feito, eles fundem numa unidade intemporal
o deleite daquilo que implora para não ser perturbado. No diálogo
há o orador e o ouvinte, há uma dualidade. Mas na união,
como alguém tem um diálogo, uma discussão de um com
o outro?
Talvez este seja o presente dos três períodos diários
que D’us nos deu para separar um tempo e conversar com Ele. Sob
uma perspectiva, Ele está dizendo: "Separe tempo da sua agenda
atarefada para lembrar-se de Mim e falar Comigo"; mas sob outra perspectiva
Ele pode estar dizendo: "Separe tempo de estar Comigo, para separar
de Mim e falar Comigo". É semelhante à maneira de os
pais separarem tempo especial para conversar com os filhos, de fazer uma
pausa na rotina diária de estar com eles, para refletir e discutir
sobre o processo e qualidade do relacionamento.
Estas são metas elevadas, arrogante, eu sei. Mas agora elas são
parte da minha realidade, uma realidade tão intensa, tão
importante para sequer considerar que D’us Se separou de mim e exige
que eu peça a Sua ajuda. Imagine a insegurança de um filho
que precisa se perguntar se a mãe virá quando ele chorar
à noite após ver a ameaça sem forma que existe no
escuro. Não, D’us não me deixou no escuro.
Ele senta-Se numa cadeira ao pé da cama, me vigiando. E em vez
de ter de chamar nos meus momentos de medo, eu simplesmente preciso estender
minha mão de sob as cobertas para alcançar e segurar Sua
mão na minha apenas pelo instante necessário para me reassegurar
da Sua presença.
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