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  De sob as cobertas
 
Por Jay Litvin z"l
 

Durante este tempo em que estou doente, tenho procurado conectar o que está acontecendo em minha vida dentro do contexto de minha observância religiosa e meu relacionamento pessoal com D’us. Pela intensidade da minha situação atual, vejo-me numa aliança surpreendentemente íntima e direta com o Todo Poderoso, embora numa maneira que eu não teria previsto.

É um relacionamento pacífico no qual eu presumo Sua presença de maneira não-condicional, da maneira que num mundo ideal os pais deveriam ser com seus filhos. Projetei minha confiança em Sua compaixão e sinto que Ele não ousaria me abandonar numa hora dessas. Como Ele me ama, confio que tudo aquilo que está diante de mim é feito para o meu bem. Posso imaginar situações nas quais eu possa não me sentir assim. Mas por enquanto, tenho um relacionamento bastante desapaixonado com Ele, e posso senti-Lo no cenário, assim como Seu nome está oculto na Meguilá, mas mesmo assim Ele está por trás de cada etapa das intrigas de Esther e Mordechai.


Quando olho para todas as bênçãos as bênçãos maravilhosas e abundantes que Ele tem me concedido, parece quase minúsculo que tudo que Ele pede que eu faça para demonstrar meu amor seja manter-me casher ou guardar o Shabat, ou passar algum tempo estudando Sua Torá.

Raramente falo com Ele. Raramente rezo pela minha recuperação. Aceito isso como algo garantido. Quando falo com Ele, é principalmente pelos meus filhos – e às vezes rezo pedindo força, sabedoria, paciência e paz de espírito. Muitas vezes rezo simplesmente para que Ele me permita manter minhas emoções negativas dentro de mim, e sofrer sem sobrecarregar os outros, especialmente minha mulher.

Eu não creio que tenha tido um momento de culpa ou fúria com D’us, desde o início dessa provação. Embora certamente eu esteja curioso sobre o que Ele tem escondido na Sua manga. E muitas vezes tenho medo sobre até onde vai este teste. "Já basta" – digo às vezes. Mas então me pergunto: "Isso é suficiente. Isso é o máximo que preciso ir?" E ao final dessas ruminações e diálogos com D’us, jogo minhas mãos e digo: "Isso não cabe a mim saber." Então respiro e sigo em frente, até o próximo momento, à medida que minha percepção de D’us diminui em comparação com aquilo que está acontecendo à minha frente ou dentro de mim.

Estou surpreso com a falta de intensidade, realmente. Não estou correndo para recitar Tehilim (Salmos). E fico mais animado quando toco flauta do que ao contemplar os reinos elevados.
Mas bem ali por baixo disso tudo, há esta calma percepção de D’us, há o alicerce da Sua presença, há um silencioso reconhecimento de que eu sempre posso ligar para Casa quando precisar, e que Alguém me dirá se está chovendo muito forte e eu esqueci meu guarda-chuva.

Tenho fé nos planos de D’us? Certamente, embora eu passe pouco tempo tentando entender qual é este plano, seja para mim ou para outros. Talvez eu deva passar mais tempo nisso, mas não o faço. O que eu tenho mais fé é na existência sempre presente de D’us. E isso eu encontro em toda a parte, o tempo todo. Sempre que eu desejo coloco esta percepção diante de mim. Eu aceito isso como certo. Assim como aceito os milagres como garantidos. Assim como aceito minha recuperação como garantida. Assim como meus filhos aceitam o meu amor por eles como algo certo. Assim como eu aceito o amor de Sharon por mim como algo certo. É assim que aceito o amor de D’us por mim – algo garantido. Simplesmente assim. É a maneira que deveria ser. É o amor incondicional que não exige uma resposta minha, mas que aprecia qualquer resposta que eu dê.


Estes são os tempos que testam a alma dos homens.
Quando os anos de treinamento encontram seu teste no campo de batalha. Quando eu chego a ver quem eu sou, e então espero que D’us me ame mesmo assim.

E é aqui que entra a religião. Não preciso ser religioso para receber o amor de D’us. Porém a religião me ajuda a expressar meu amor por ele. Não preciso da religião para me conectar com Ele (na verdade, a estrutura com freqüência é um obstáculo, em vez de catalisador); porque D’us, creio eu, está sempre ali, querendo Se conectar comigo. Mas a religião, eu espero, é a maneira de D’us dizer-me o que posso fazer por Ele. Isso restringe minha emoção em ações prescritas – ações que, D’us nos diz, têm significado para Ele.

Eu acho que D’us me ama mais ou menos se eu fizer ou não estas ações? De modo algum. Nunca pensei assim, e não posso imaginar-me pensando isso sobre mim ou sobre qualquer outro. Porém gosto do fato de D’us ter saído do Seu caminho para dizer-me como eu posso expressar a Ele minha apreciação, meu amor, meu deleite com os Seus cuidados por mim. E quando olho para todas as bênçãos que Ele tem me concedido, todas as bênçãos maravilhosas e abundantes, parece quase minúsculo que tudo que Ele pede que eu faça para demonstrar meu amor seja manter-me casher ou guardar o Shabat, ou passar algum tempo estudando Sua Torá.

Creio que cheguei à conclusão de que sentir amor não basta, a menos que isso seja conectado à ação, e especificamente ação que exige um pouco de mim e coloca um pouco naqueles que eu amo. Isso não equivale a dizer que ao fim do dia eu não tenha recebido mais do que eu dei na barganha. Mas ainda assim, a ação na hora envolve meu esforço, meu pensamento, meu envolvimento – a expressão do meu amor em ação.

Eu acho que sabendo disso – tendo nos criado dessa maneira – D’us então teve de nos dar uma maneira de expressarmos nosso amor por Ele em ação, e essa maneira tinha de incluir uma certeza de que isso seria significativo para Ele. Como teria sido injusto para D’us criar um sistema no qual não houvesse como voltar atrás! Isso teria nos mantido como crianças, e não nos permitiria amadurecer o suficiente para perceber que como D’us é todas as coisas, até Ele deve ser solitário e deve precisar de amor. Ele deve ter Se permitido ser solitário por bondade para conosco, para que pudéssemos aliviar Sua solidão não apenas sentindo amor por Ele, mas também através de nossa expressão física daquele amor.

Visualizo a possibilidade de que todo momento da vida possa se tornar uma expressão de amor a D’us. E creio que isso se resume a uma constante percepção de que aquilo que eu faço, tudo que eu faço, faço por Ele. Se alguém pudesse expressar esta percepção o tempo todo, então a vida toda seria uma mitsvá, e a pessoa encontraria as 613 mitsvot em cada esquina, debaixo de cada pedra. Esta pessoa então poderia se chamar de religiosa. Algo que eu não sou, porém tenho uma ânsia sonhadora de ser.

Creio que isso é o que aprecio na minha situação atual e na esperança que ela fornece. A intensidade – literalmente a vida e a morte nela – me força a confrontar meu relacionamento com a sempre presente Divindade no mundo. Isso me força a lidar com o momento e empurrar minha fé à minha frente. O D’us que eu agora confronto, o D’us disfarçado de Meguilá, é Aquele embebido em toda ação, todo detalhe da vida. Um D’us modesto, que não insiste em receber crédito por tudo, que consegue pôr em cena um show enorme como o do Egito ou do Sinai, porém com maior freqüência é encontrado em todo momento, toda situação que ocorre na vida da pessoa. Este é o D’us com quem eu estou presente, e enquanto escrevo isso sinto-me empolgado como fico sempre que sinto a lacuna entre Ele e eu diminuir mais um pouquinho.

O D’us com quem eu estou presente é Aquele que me pede para abraçar não apenas o fato da minha doença, mas cada momento feio dela. É o D’us que me pede para encontrá-Lo quando a agulha está inserida no meu braço para dar-me minha dose de quatro horas de quimio. É o D’us que me pede para não esquecê-Lo quando eu ficar tão fraco que não luto mais contra o meu medo da morte e de abandonar meus filhos tão cedo. É o D’us que me pede para abrir meu coração com amor a tudo que me cerca, embora talvez eu enfrente a perda de tudo mais cedo do que eu queria.
D’us não está me pedindo para colocá-Lo em algum lugar e falar com Ele, rezar e meditar sobre Sua Glória e Seu Reino. Em vez disso, durante este tempo, Ele apareceu com a incrível oportunidade de encontrá-Lo em todo detalhe do desafio diário que me espera. Os riscos são muito altos para conversação e especulação espirituais; é muito mais que isso. Estes são os tempos que testam a alma dos homens. Quando os anos de treinamento encontram seu teste no campo de batalha. Quando eu chego a ver quem eu sou, e então espero que D’us me ame mesmo assim.

Veja, é isso que estou procurando. Sou muito ganancioso e enquanto presumo a volta da minha saúde, estou preocupado com o crescimento da minha alma durante este tempo. Sim, eu quero me curar fisicamente; mas quero também permitir a expansão da minha alma para onde ela não tenha mais medo do futuro, nenhuma dissecção de vida nisso ou naquilo, onde eu estou tão conectado com D’us e Sua presença onisciente que eu posso encontrar cada dimensão da vida com graça e uma respiração plena e fácil.

Talvez durante a intensidade desta doença, eu esteja ocupado demais estando com D’us para ter tempo de sobra para falar com Ele sobre o que está acontecendo. Quando se está intensamente ocupado com alguma atividade, não há separação entre quem faz e aquilo que é feito, eles fundem numa unidade intemporal o deleite daquilo que implora para não ser perturbado. No diálogo há o orador e o ouvinte, há uma dualidade. Mas na união, como alguém tem um diálogo, uma discussão de um com o outro?

Talvez este seja o presente dos três períodos diários que D’us nos deu para separar um tempo e conversar com Ele. Sob uma perspectiva, Ele está dizendo: "Separe tempo da sua agenda atarefada para lembrar-se de Mim e falar Comigo"; mas sob outra perspectiva Ele pode estar dizendo: "Separe tempo de estar Comigo, para separar de Mim e falar Comigo". É semelhante à maneira de os pais separarem tempo especial para conversar com os filhos, de fazer uma pausa na rotina diária de estar com eles, para refletir e discutir sobre o processo e qualidade do relacionamento.

Estas são metas elevadas, arrogante, eu sei. Mas agora elas são parte da minha realidade, uma realidade tão intensa, tão importante para sequer considerar que D’us Se separou de mim e exige que eu peça a Sua ajuda. Imagine a insegurança de um filho que precisa se perguntar se a mãe virá quando ele chorar à noite após ver a ameaça sem forma que existe no escuro. Não, D’us não me deixou no escuro.

Ele senta-Se numa cadeira ao pé da cama, me vigiando. E em vez de ter de chamar nos meus momentos de medo, eu simplesmente preciso estender minha mão de sob as cobertas para alcançar e segurar Sua mão na minha apenas pelo instante necessário para me reassegurar da Sua presença.

     
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