Clonagem reprodutiva não é um substituto para as falhas perfeitas da humanidade
  por Jonathan Sacks - Rabino Mor da Grã-Bretanha
 
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  Um mundo de clones, ainda seria um mundo humano?
   
 

As experiências propostas em clonagem humana, anunciadas pelo embriologista italiano Severino Antinori, são perigosas, irresponsáveis e merecem condenação. Assinalam um retrocesso, pois estão jogando roleta com a vida humana.

A clonagem é um procedimento repleto de riscos. Nas experiências que criaram a ovelha Dolly, 277 clones de embriões foram produzidos. Apenas 29 desenvolveram-se ao ponto de poderem ser implantados, e apenas um sobreviveu a termo. Os outros desenvolveram anormalidades e foram abortados. Em todas as experiências com animais até o presente, menos de 3 por cento das tentativas de clonagem foram bem sucedidas. Não apenas ocorrem mortes fetais e natimortos, mas mesmo entre aqueles que sobrevivem há uma alta incidência de anormalidades não detectadas a princípio.

Há apenas um mês um importante estudo nos Estados Unidos mostrou que ratos clonados, externamente saudáveis, portavam uma instabilidade genética básica que os colocava em risco de deformidade e morte prematura. A clonagem aparentemente perturba o processo normal de "impressão genômica", pelo qual os genes nos cromossomos vindos de um genitor são ligados ou desligados. A evidência já convenceu muitos cientistas que a clonagem de mamíferos é um processo intrinsecamente falho. Certamente é inseguro demais para ser usado em reprodução humana.

Estas não são reações leigas. Dr. Ian Wilmut, que clonou a ovelha Dolly, afirmou várias vezes acreditar que a clonagem humana não será aceitável. Dois meses atrás, a Royal Society pediu o banimento da clonagem humana em todo o mundo. Os riscos são muito altos e as dúvidas grandes demais. Estas são vozes sábias.

Uma coisa é tentar um procedimento médico arriscado em um paciente vivo que enfrenta a morte certa, e outra bem diferente é trazer ao mundo crianças que correrão enormes riscos de anormalidades e morte prematura. O que dirão os médicos, ou os pais, àqueles que não nascerem da forma que se esperou? Desculpe? Achei que era seguro? A tragédia da Talidomida certamente deveria ter sido suficiente para fazer os cientistas pensarem duas vezes antes de tornar disponíveis tratamentos ainda não completamente testados que tenham uma alta - neste caso, avassaladora - chance de falhar.

O que dirão os médicos, ou os pais, àqueles que não nascerem da forma que se esperou? Desculpe? Achei que era seguro?

Entretanto, a clonagem não é apenas outra tecnologia. Levanta aspectos jamais apresentados por outro tipo de reprodução assistida. A transferência do núcleo celular ou célula somática é uma forma de reprodução assexuada. Não sabemos por que criaturas grandes, de vida longa como nós, se reproduzem sexualmente. De um ponto de vista evolucionário, a reprodução assexuada parece muito simples. Evita o problema de encontrar um parceiro e todo o amor e guerra que se seguem. Mesmo assim, nenhum dos mamíferos maiores se reproduz assexualmente. Será apenas pela combinação imprevisível de dotes genéticos de pais e avós que uma espécie pode gerar a variedade de que precisa para sobreviver? Correr riscos com nosso próprio futuro genético é suicida.

A verdadeira objeção à clonagem, porém, é a ameaça às crianças nascidas desta forma. É certo que pessoas geneticamente idênticas já existem, como no caso de gêmeos idênticos. Uma coisa porém é isto acontecer; outra coisa é provocar deliberadamente esta ocorrência. Gêmeos idênticos não existem para que um possa servir como fonte de tecido compatível de substituição para o outro. Mas a clonagem trata as pessoas como meios, ao invés de fins em si mesmas. Será um passo decisivo na comodificação da vida humana. Poderá apenas transformar alguns dos aspectos mais básicos de nossa humanidade.

Toda criança nascida da mistura genética entre dois genitores é imprevisível, um dom de graça, parecida e ao mesmo tempo diferente daqueles que a trouxeram ao mundo. Esta mistura de parentesco e diferença é o aspecto essencial dos relacionamentos humanos. Está por trás daquilo que é a crença que define a civilização ocidental, que cada indivíduo é único e insubstituível. O que seria do amor se soubéssemos que, caso perdêssemos o ser amado, uma réplica poderia ser criada? O que aconteceria ao nosso senso de individualidade se fôssemos feitos sob encomenda? Se há um mistério no âmago da condição humana, é a diversidade: a diversidade do homem e mulher, pai e filho. É o espaço que criamos para diversidade que torna o amor algo mais que narcisismo, e a paternidade algo maior que uma autocópia. É isso que dá a cada criança o direito de ser ela mesma, de saber que não é a reprodução de alguém, construída segundo um molde genético pré-planejado ao capricho de alguém. Sem isso, a infância seria suportável? O amor sobreviveria? Um mundo de clones ainda seria um mundo humano? Duvido.

Há alguns mistérios perante os quais, a única reação apropriada é reverência, responsabilidade e moderação. Dr. Antinori e sua equipe demonstraram uma falta das três.

Reproduzido do The Times de Londres - 9 de agosto de 2001

Leia mais sobre este assunto nas seguintes páginas do nosso site:

http://www.chabad.org.br/novidades/2001/agosto/2001_10_08-02.html

http://www.chabad.org.br/interativo/FAQ/clonagem.html

 
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