Por J. Immanuel Schochet  
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  Aproximando a Cabalá da Terra  
   
 

Os filósofos antigos declararam que o mundo em que vivemos, e as coisas pelas quais passamos, têm duas dimensões: a aparência externa e a realidade interna. O "mundo de aparência" é, quase sempre, uma ilusão. As coisas não são necessariamente aquilo que parecem ser. Além disso, não é raro que iludamos a nós mesmos ao contemplar aquilo que gostaríamos de ver, esteja ou não ali. Assim, cabe a nós fazer um esforço para penetrar além do verniz externo para descobrir a realidade.

Este fato da vida tem implicações sérias e práticas. As ilusões satisfazem o raciocínio ansioso. Ao final, porém, o balão estourará, resultando em desilusão. Desapontamento, frustração e insatisfação se seguirão à descoberta de nosso engano. Muita dor e infelicidade poderia ter sido evitada com uma perspectiva realista.

Há duzentos anos, um grande sábio e místico publicou um livro notável, sobre o qual pode-se afirmar que realmente aproximou a Cabalá da terra. Tornou-se um texto básico, e uma das obras mais reimpressas, com literalmente milhares de edições aparecendo em todo o mundo: o Tanya.

A Cabalá sublinha a declaração toda abrangente de nossos sábios, expressando este princípio: "Não olhe para a jarra, mas para o que está dentro dela." A aparência externa pode ser atraente, mas engana ao esconder o conteúdo. Por sua vez, um exterior não atraente pode ser o disfarce para algo precioso.

A "pegadinha" com a Cabalá é que não é simplesmente um esforço abstrato ou filosófico. Corretamente aplicada, a Cabalá fornece a orientação e instrução para melhor lidar com as realidades da vida.

Há duzentos anos, um grande sábio e místico publicou um livro notável, sobre o qual pode-se afirmar que realmente aproximou a Cabalá da terra. Tornou-se um texto básico, e uma das obras mais reimpressas, com literalmente milhares de edições aparecendo em todo o mundo. O autor, Rabi Schneur Zalman de Liadi (1745-1812), fundador do Chassidismo Chabad, modestamente intitulou-o Likutei Amarim (Coletânea de Ensaios), porém é mais conhecido por sua palavra inicial, "Tanya."

O impacto desta obra relativamente pequena não pode ser superestimada. É reconhecida universalmente como uma contribuição original à teologia existencialista, psicologia religiosa e ética. Seus pensamentos profundos deram origem a numerosos comentários, estudos e debates.

O Tanya é um texto curto. Seus capítulos compactos, porém, são fascinantes em sua extensa gama de assuntos, abordando todo aspecto relevante a nossa existência. Apesar disso, seu propósito subjacente é nos tornar conscientes da dicotomia entre aparência e realidade — a aparência e realidade de nós mesmos (que constituem nosso verdadeiro ser versus nosso exterior ilusório), a aparência e realidade de nosso próximo e a aparência e realidade do mundo em que vivemos e com o qual lidamos.

A consciência dessas distinções altera radicalmente a visão de uma pessoa sobre a vida. Afeta mais profundamente nossa perspectiva sobre o mundo, nosso relacionamento com o próximo e nosso autoconhecimento. O mundo à nossa volta pode ter a aparência de um complexo de matéria completo e auto-suficiente, porém nada mais é que uma concha para a Divindade penetrante, eminente e transcendente. Todos os seres humanos podem diferir em suas formas visíveis, opiniões e capacidades, mas compartilham igualmente sua essência: almas Divinamente dotadas, enraizadas na mesma fonte. Nós mesmos estamos basicamente conscientes de nosso corpo físico e seus desejos e ânsias naturais, porém estes são apenas "jarras," recipientes para nosso verdadeiro "eu."

O reconhecimento e consciência deste "mundo de realidade" destaca a auto-estima (sem arrogância), empresta significado e propósito a nossas vidas e nos possibilita executar nossas funções individuais, preenchendo-nos assim com a coragem e motivação para a auto-realização. Isso nos faz reconhecer o valor intrínseco do outro como não menor que o nosso próprio, pois em essência somos todos o mesmo — extensões um do outro. Isso gera apreciação e respeito por todo item na Divina criação, incluindo o mundo físico à nossa volta, compelindo-nos a nos relacionar positivamente com ele, de forma que seu propósito, também, possa ser cumprido.

Tudo junto constitui um universo, refletindo a unidade de D’us, pois "do Um pode vir apenas um." Isso sugere enorme responsabilidade: a estrutura singular do "universo" implica interação abrangente, onde cada item da nossa parte afeta tudo o mais. Mesmo assim, isso apresenta também possibilidade e capacidade — que está em nosso poder aperfeiçoar este mundo para transformá-lo em uma Morada apropriada para a Divindade. Isso significa que podemos superar todos os obstáculos, assim deveríamos estar repletos de um senso absorvente de otimismo e verdadeiro júbilo em nossa vida e existência. Nós somos, na verdade, parceiros ativos com o Próprio D’us na obra da criação. Nós modelamos nosso destino. Está em nossas mãos levar o mundo a sua realização utópica que sobrevirá com a redenção messiânica.

Temos o poder de efetuar isso a qualquer hora: "Este dia — se você ouvir a voz d'Ele." "Este dia —" se ouvirmos a mensagem do Tanya para transcender o mundo das aparências e penetrar no mundo da realidade, no âmago subjacente a tudo em nós mesmos e em tudo que nos diz respeito.

J. Immanuel Schochet é rabino da Congregação Beth Joseph, e Professor de Filosofia em Humber College em Toronto, Canadá. Uma autoridade em Misticismo e Filosofia Judaicos.
Dr. Schochet é autor de 30 livros e pronuncia palestras em todos os continentes.

 

 

 
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