O que acontece com a alma nos casos de aborto espontâneo, crianças natimortas ou bebês que morrem?
  Adaptado de artigo do Rabino Chayim Cohen  
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  Os bebês perdidos  
   
 

Mais de 90% das gravidezes diagnosticadas terminam em nascimento completo, com corpo e alma. Mas, e os 10% que não o conseguem? O que acontece com a alma nos casos de aborto espontâneo, crianças natimortas ou bebês que morrem? Quando alguém passa por este tormento, fica a pergunta: Por que a vida física começou para terminar tão cedo?

Quando a tragédia ocorre, faz-se o que precisa ser feito - e, em alguns casos, isto significa enterrar os mortos - e a vida segue em frente. Mas as perguntas relativas à vida, ao amor e à perda permanecem por muito tempo.

Os cientistas podem explicar como funciona a gravidade, como as células crescem ou como nasce um bebê, mas não podem dizer por que ocorrem. Porém, no que tange à tragédia humana, sentimos que temos o direito de exigir explicações. Achamos que se pudéssemos compreender por que algo acontece, seríamos melhor confortados. Porém, num caso como este, compreender o porquê está além da razão humana. Isto pede um pouco de humildade para aceitar que seres humanos são incapazes de compreender tudo. Nas preces antes de dormir proclamamos: "Tu [D'us] conheces os segredos do mundo." O Alter Rebe, autor do Tanya, explicou que, embora algumas pessoas conheçam os segredos da Torá, ninguém sabe por que há sofrimento no mundo - além do Próprio D'us.

Mesmo reconhecendo o fato de que não podemos saber as razões, a dúvida ainda permanece. Até Moshê (Moisés) perguntou "Por quê?" Em certa ocasião, D'us concedeu a Moshê uma visão profética, na qual viu todas as gerações futuras, inclusive o justo Rabi Akiva sendo torturado pelos romanos. Moshê perguntou: "Isto é justo? É correto? É recompensa por sua retidão?" D'us replicou: "Não faça perguntas. Esta é Minha vontade e assim tem que acontecer. Por maior que sejas, Moshê, ainda és um ser humano e não podes compreender; portanto pare de perguntar o porquê" (Talmud, Menachot 29b).

Embora não possamos compreender por que há sofrimento, podemos entender o que realmente acontece a uma alma que parte deste mundo. O ser humano é composto de duas partes: um corpo finito e uma neshamá, alma infinita. O corpo pode ser visto e, embora a alma não seja visível, seu efeito pode ser observado. A alma dá vida e energia ao corpo e é a força vital que o mantém funcionando. Em termos cabalísticos, o corpo é a vestimenta da alma, e esta é a essência da pessoa.

Maimônides explica que cada objeto físico é composto de muitos elementos que, finalmente se decompõem, assim como a matéria passa a ser energia. No entanto, a alma é espiritual e não pode se decompor. A vida pode ser entendida a partir da perspectiva do corpo, limitado no tempo e no espaço; ou pela visão ilimitada da alma, adquirindo um novo significado.

     
 
No que tange à tragédia humana, sentimos que temos o direito de exigir explicações. Achamos que se pudéssemos compreender por que algo acontece, seríamos melhor confortados
 
 
 

As almas descem para a Terra para desempenhar uma missão específica - elevar o mundo físico e torná-lo um lugar onde D'us possa habitar. A descida da alma ao mundo físico é como uma viagem. Do ponto de vista da alma, a vida na Terra não passa de uma parada de abastecimento na longa jornada.

Quando a alma entra no corpo, tem uma missão a cumprir. Muitas vezes, não a completa da primeira vez e deve retornar para concluir a tarefa. Isto se chama guilgul (reencarnação). Segundo as fontes místicas, quase todas as almas já estiveram aqui antes e precisam retornar para cumprir sua missão. Às vezes demora uma vida inteira para completá-la e, às vezes, apenas um dia.

Nós, simples seres humanos, não podemos saber com precisão qual é o propósito principal da missão de uma alma. A Torá delineia diretrizes gerais, instruindo-nos a cumprir mitsvot, mas não sabemos quais destas são a finalidade primeira pela qual nossa alma desceu ao mundo físico. Às vezes, ela vem a este mundo e não se expressa completamente. Neste caso, uma gravidez pode resultar apenas na má formação de um feto ou num natimorto.

Qual era a finalidade?

O fato de uma alma ter entrado num receptáculo físico significa que uma intensa forma de santidade foi atraída para este mundo, em geral, e para uma grávida, em particular. O Talmud explica que "um anjo ensina a Torá completa a toda criança ainda no ventre materno; e uma luz oculta brilha sobre sua cabeça neste instante, permitindo-lhe ver de um lado a outro do mundo".

Mesmo se esta alma deixa o mundo, a essência de sua santidade permanece neste espaço físico, especialmente dentro da mãe, para o resto de sua vida. O que acontece a seguir, depende do quanto desta santidade é revelada. Assim como o desenvolvimento físico de uma pessoa - que começa na concepção e continua durante a fase de embrião, feto e, finalmente, vida humana - a alma também passa por um processo de desenvolvimento semelhante.

Quando a vida começa para a alma? Um pouco de alma penetra no óvulo no momento da concepção. Depois, desenvolve-se junto com a progressão física. Por exemplo, a Torá afirma que níveis significativos da alma são revelados num berit milá (circuncisão), no início de sua educação judaica, e no momento de bat/bar mitsvá. A alma está numa jornada, com um passado e um futuro. Podemos ver apenas um dia por vez, talvez dez anos, ou até mesmo uma vida por vez. Mas somos incapacitados de ver a cena completa que narra toda a história, a partir da incorporação inicial da alma até a realização final de sua missão.

Às vezes, a alma é tão santa e brilhante que não pode existir no plano físico por muito tempo. Porém, por razões que apenas D'us conhece, tais almas devem entrar "em contato" com este mundo terreno. De fato, nossos sábios sustentam que a Redenção suprema ocorrerá apenas depois de todas as almas terem descido para o mundo físico.

Esta breve visão do que acontece com a alma de um bebê não responde por que sua família deva passar por dor e sofrimento. D'us poderia ter criado uma situação com o mesmo resultado sem todo este pesar. Mas uma vez que Ele não o fez, deve-se aceitar Sua vontade. Se nos concentrarmos na cena completa, o sofrimento será analisado, e os enlutados voltarão a atenção para auxiliar a alma que parte em sua jornada.

Os costumes judaicos com relação à morte de um ente querido envolvem a elevação de sua alma para um nível mais alto. Estes costumes incluem recitar o Cadish (Prece de Louvou a D'us), estudo de mishnayot específicas, Yizcor em Yom Kipur, Pêssach, Shavuot e Sucot, observar o yahrzeit (data de falecimento no calendário judaico), cumprir mitsvot (preceitos judaicos) bem como fazer doações, especificamente em mérito da alma.

O costume de recitar o Cadish deriva da seguinte história talmúdica. Certa vez, Rabi Akiva viu um homem esquisito, negro

     
 
Embora não possamos compreender por que há sofrimento, podemos entender o que realmente acontece a uma alma que parte deste mundo
 
     

como carvão. Carregava peso suficiente para dez homens e corria tão ligeiro quanto um cavalo. Rabi Akiva ordenou que parasse e lhe perguntou: "Por que você faz um trabalho tão pesado?" A aparição respondeu: "Não me detenha, senão meus supervisores ficarão bravos comigo." Rabi Akiva perguntou: "Quem é você?

"Sou um morto" - replicou. "Todos os dias sou punido, cortando lenha para uma fogueira na qual sou queimado."

"O que você fez na vida, meu filho" - perguntou Rabi Akiva.

"Era um coletor de impostos, complacente com os ricos e rigoroso com os pobres."

Rabi Akiva persistiu. "Já tentou saber se há algum modo de salvar-se?"

"Soube que se eu tivesse deixado um filho que ficasse diante da congregação e bradasse, "Barechu et A-do-nai hamevorach" ("Bendizei ao Eterno, que é bendito...) e "Baruch A-do-nai hamevorach leolam vaed" ("Bendito seja o Eterno que é bendito para todo o sempre"), seria liberado de minha punição. Quando morri, minha esposa estava grávida; mesmo se tivesse nascido um filho, não haveria alguém para ensiná-lo."

Rabi Akiva foi até a cidade natal do homem e perguntou sobre o desprezado coletor de impostos. Descobriu que o homem realmente tinha um filho, que nem mesmo tinha sido circuncidado. Rabi Akiva o encontrou, providenciou a circuncisão e, pessoalmente, ensinou-lhe Torá até ser capaz de liderar a congregação. No instante em que o garoto louvou o nome Divino, a alma torturada do pai foi libertada de sua punição.

Esta história ilustra o fato de que D'us nunca "fecha o livro" de uma alma desde que as "ondas da vida" ainda estejam em movimento. Portanto, agir em prol de um falecido é um modo de os vivos oferecerem, à alma que partiu, não apenas um prazer, mas um avanço nos Céus.

Nos Treze Princípios de Fé de Maimônides, o décimo segundo é a crença na vinda de Mashiach, nosso justo redentor. O décimo terceiro é acreditar na Ressurreição dos Mortos quando todas as almas encontrarão expressão física neste mundo. A Torá afirma que não haverá mais morte e D'us exporá o bem que é inerente à dor e sofrimento. É difícil para nós hoje limitados a acreditar, mas passaremos a compreender, e talvez até mesmo apreciar, o propósito do sofrimento.

       
 

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