Pintura de Marc Chagal
   
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  Arte: Fazendo a transição mística
  Por Barry Oretsky
  Um empresário certa vez perguntou ao seu rabino: "O que é mais importante?" O rabino respondeu: "Aquilo que a pessoa está fazendo no momento."

A vida pode ser uma série de trabalhos e detalhes para se cuidar, pode ser uma evolução espiritual ou pode ser uma integração dos dois. Como estamos tão concentrados em trabalhar para nosso sustento, pode ser um desafio enxergar o espiritual em nossa rotina diária. Mas estes são os altos e baixos naturais da vida cotidiana. Estamos tão rodeados e distraídos pelo nosso mundo material, que o mundo espiritual parece estar muito acima de nós, além do nosso alcance.
Os artistas estão familiarizados com este dilema e podem unir os altos e baixos do material com a simplicidade do espiritual. Marc Chagall disse muito bem: "Pintar… parecia como uma janela pela qual eu podia escapar, voar para um outro mundo" ("Pintor de Sonhos", pág. 90). Um escritor pode encontrar inspiração quando coloca papel em branco na máquina. As possibilidades sugeridas pelo papel intocado podem estimular o processo criativo.
Um pintor pode encontrar inspiração através do processo mundano de escolher, esticar e preparar a tela.


Pintura de Barry Oretsky

O misticismo judaico ensina que cada pessoa tem uma missão especial na vida, e tudo tem um propósito específico. Eu vejo meu chamado pessoal tanto como pintor quanto como judeu. Como pintor, devo lutar com valores espirituais toda vez que ponho meu pincel sobre a tela. Como judeu, alimento-me dos mananciais de tradição e textos judaicos, que infundem significado a cada dia. Sinto que uma maravilhosa espiritualidade ocorre quando o processo criativo é expresso na pintura.

No Judaísmo, a espiritualidade é colocada em termos práticos, como comer (leis sobre comida casher), celebrar (Festas Anuais), e luto (que englobam tradições do ciclo da vida). Por meio de uma mitsvá (geralmente traduzida como "ação", mas proveniente da raiz hebraica para "conexão"), podemos conectar uma delicada realização espiritual com uma existência que, de outra forma, seria grosseira. Isto para mim é a suprema integração do espiritual com o físico. Esta integração inclui aquilo que você escolhe para comer, falar e como olha para o mundo que o rodeia.

Em termos da minha arte, unir o físico ao espiritual significa apreciar a santidade que está ao nosso redor, esperando para ser apanhada, como as maçãs que a mística judaica da Idade Média cantava para introduzir o Shabat.

Uma proximidade íntima com D’us pode brotar das coisas materiais do dia-a-dia, como a tinta usada pelo artista. Um pintor lida com pó, que é utilizado para fazer a tinta. O pó é uma metáfora para a vida e o esforço humanos. Isto evoca um relacionamento com o Eterno. "E D’us formou o homem do pó da terra, e Ele soprou em suas narinas o sopro da vida" (Bereshit). Começamos do pó e ao pó retornaremos, e vistos do Alto, somos todos grãos de areia no deserto. Portanto, é exatamente esta substância que é usada para despertar o espírito do observador. Não é irônico que um artista use este material para capturar um momento para a eternidade?

No livro judaico de preces, há muitas declarações meticulosas sobre o mundo material entrelaçado com o espiritual. Eis aqui um trecho sobre a preparação do incenso para o altar: o incenso consistia de bálsamo, onycha, galbanum, e olíbano cada qual pesando setenta manê…
A lixívia de Carshina era usada para esfregar a onycha e refinar sua aparência. O vinho do Chipre era utilizado para tornar o odor da onycha mais pungente. Enquanto o sacerdote estava moendo o incenso, o observador podia cantar [em hebraico]: "moa bem fino, moa bem fino", porque o som rítmico é bom para a mistura das especiarias.

Quase se pode ver o Cohen (sacerdote judeu) com o pilão, moendo o incenso ao som do canto rítmico, completamente imerso em espiritualidade. Esta mesma espiritualidade está em toda parte, se você lhe conceder tempo e atenção. Não é algo que está nos céus, nem exige auto-negação ou austeridade. O material pode se tornar espiritual, e naquela transição surge uma experiência completamente nova.

Para mim, isso é arte.

O artista Barry Oretsky mora em Toronto, Canadá. Seu estilo, o foto-realismo, captura a simplicidade da vida cotidiana. Sua obra mais recente, "Temporalismo", está em exibição na Gallery One, em Toronto.
 

 

 
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