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Sábio
e Estrategista
Minha primeira
conexão com o Rebe foi pouco depois da morte de meu filho, quando
recebi dele uma carta de condolências calorosa e comovente, entregue
em nossa casa pelo pessoal de Chabad.
Encontrei o Rebe pela primeira vez no início de 1968. Eram os dias
da Guerra de Atrito travada contra os egípcios no Canal de Suez.
Havia debates acalorados no Comando Geral sobre a maneira como a guerra
estava sendo conduzida e a distribuição de tropas. Eu insistia
numa defesa móvel, que impediria o derramamento de sangue desnecessário
dos nossos soldados distribuídos ao longo do Canal. Entre os generais
no Comando Geral, somente o General Yisrael Tal e eu éramos contra
a atitude de defesa estacionária. O resultado: fui enviado numa
longa viagem de trabalho fora do país, até que meu futuro
no exército pudesse ser decidido…
Minhas viagens ao redor do mundo me levaram aos Estados Unidos e ao meu
primeiro encontro com o Rebe, seguido por muitas reuniões subseqüentes
no decorrer dos anos. Lembro-me de nosso primeiro encontro. Seus penetrantes
olhos cinza-aço e o incrível conhecimento que ele demonstrava
ter sobre os assuntos globais causaram um impressão muito forte
em mim.
Fiquei especialmente impressionado pelo seu tremendo conhecimento e profunda
compreensão de estratégia e assuntos militares. Lembro-me
de suas conversas e suas cartas sobre o assunto da defesa estratégica
de Israel no Sinai – um tema que me incomodava profundamente naquela
época, mesmo antes da Guerra de Yom Kipur.
O Rebe comparou a linha de fortificações ao longo do Canal
de Suez – a Linha Bar-Lev – à Linha Maginot na França
antes da Segunda Guerra Mundial como defesa contra uma invasão
alemã. O Rebe previu – não por meio de profecia, mas
por análise racional dos fatos – que a Linha Bar-Lev seria
ineficaz e iria, no fim, representar um grande desastre para Israel.
Como prova disso ele reagiu severamente, e com grave preocupação,
ao fato de que Israel não reagiu à mais séria violação
do cessar-fogo – na primeira noite depois que entrou em efeito –
que terminou a Guerra de Atrito. Em agosto de 1970, os egípcios
avançaram suas baterias de mísseis terra-ar até as
margens do Canal de Suez, numa flagrante violação do acordo
de cessar-fogo. Na verdade, estas baterias de mísseis impediram
a Força Aérea israelense de desmantelar e parar a travessia
do Canal pelos exércitos egípcios nos primeiros estágios
da Guerra de Yom Kipur.
Lembro-me bem da atitude enfática e inflexível do Rebe –
basicamente sob uma perspectiva de segurança – contra ceder
territórios da Terra de Israel, e até expressar disposição
de ceder estes territórios. Ele enfatizou os riscos de segurança
em ceder os territórios. Ele se opunha especialmente, após
os encontros em Camp David, a entregar a Península do Sinai ao
Egito.
Seus argumentos se baseavam numa análise estratégica realista,
que duvidava da disposição dos árabes em geral, e
dos egípcios em particular, em aceitar realmente a existência
de um estado judaico independente. A "paz fria" que temos agora
com os egípcios, a ameaça representada por um Egito militarmente
fortalecido pelo avançado armamento ocidental, a hostilidade e
o incitamento da imprensa egípcia e o currículo escolar
– estas tendências o Rebe previu acuradamente há mais
de 20 anos, no auge da euforia da paz em Israel, quando figuras públicas
e comentaristas em Israel falavam unanimemente sobre a "revolução
histórica" nas relações árabe-israelenses.
A linha comum do raciocínio estratégico do Rebe era sempre
sua preocupação pela continuidade do povo judeu. Lembro-me
de uma conversa que tive com ele, na época, sobre a abertura das
portas da União Soviética à emigração
judaica para Israel. Eu disse ao Rebe que, na minha opinião, deveríamos
talvez aumentar a pressão sobre os soviéticos, que os judeus
em todo o mundo e em Israel também, deveriam ser mais ativos ao
fazer pressão para avançar a abertura das fronteiras. Lembro-me
do que ele me disse a esse respeito. O Rebe declarou acreditar que não
estava longe o dia em que os portões iriam se abrir; porém
na mesma hora ele acrescentou que se não procurarmos aumentar a
educação judaica e promover a conexão com o Judaísmo
entre os judeus da União Soviética, então, mesmo
quando os portões se abrirem, isso de nada adiantará! O
Rebe foi categórico: a educação judaica, o fortalecimento
da conexão com nossas raízes judaicas, a consciência
sobre as tradições judaicas – estas deveriam ser a
meta única, universal, tendo precedência sobre todos os outros
esforços nacionais. Em todas as nossas discussões e encontros
esclarecedores, o tema principal sempre foi sua preocupação
com o futuro, destino, honra e integridade do povo judeu.
O Rebe era muito cuidadoso ao tomar uma atitude em assuntos que fossem
controvertidos dentro da comunidade judaica, como o assentamento dos chassidim
de Chabad na Cidade Velha de Jerusalém, em Hebron, e na Judéia
e Samaria, embora muitos dos seus seguidores tenham se estabelecido nestas
áreas. Ele me escreveu dizendo que lhe parecia que o governo israelense
não está interessado em ver assentamentos judeus nessas
áreas. Mas assim como ele era cuidadoso sobre temas controversos,
também era determinado e incansável em sua obra para aprofundar
e ampliar a educação judaica entre os jovens do mundo todo:
enviando professores a praticamente todos os cantos da terra onde há
judeus vivendo, abrindo escolas judaicas na Rússia, Norte da África,
América do Sul e Central, e em todos os Estados Unidos. Sua singularidade
era que ele "praticava o que pregava".
Tive o distinto privilégio de conhecer, e conhecer bem, uma personalidade
aclamada como o Rebe: um mestre único em sabedoria de Israel, mas
também um estrategista com visão, cujo foco estava em garantir
a existência e a segurança do povo judeu, onde quer que este
se encontre.
No Rebe,
a sabedoria antiga de Israel e uma penetrante compreensão dos assuntos
da segurança do povo judeu se fundiam numa personalidade única.
"Fiquei sábio aprendendo com meus vários mestres",
dizem nossos Sábios, mas eu aprendi quase tudo com o Rebe, que
além de ensinar-me muitas lições na sabedoria de
Israel, também me ensinou uma lição esclarecedora
sobre o tema da segurança do povo judeu e sobre como devemos agir
para assegurar que "a eternidade de Israel não vacile."
Nestes dias de confusão e fraqueza entre o público em geral,
e especialmente muitos do nosso povo, a competência de estadista
e a visão estratégica do Rebe, juntamente com todos os seus
outros ensinamentos, são um manancial de águas vivas: originais
e esclarecedores no deserto intelectual que caracteriza a época
atual.
***
Carta
de Condolências do Rebe a Ariel Sharon
por ocasião do falecimento de seu filho, de abençoada memória
Pela
Graça de D'us
13 de Tishrei, 5728 (17 de outubro, 1967)
Brooklyn, NY
Ao Sr. Ariel Sharon
Saudações e Bênção!
Fiquei profundamente entristecido ao ler nos jornais sobre a trágica
perda de seu filho, tão jovem, que ele descanse em paz. Não
podemos entender os caminhos do Criador. Durante um tempo de guerra e
perigo vocês estiveram a salvo – de fato, vocês estavam
entre aqueles que asseguraram a vitória para nossa nação,
os Filhos de Israel, contra nossos inimigos, na qual "muitos foram
entregues nas mãos de poucos, etc." – e mesmo assim,
durante um tempo de trégua em seu próprio lar, ocorre uma
tragédia como essa! Porém não é de se admirar
que um ser humano criado não possa compreender os caminhos do Criador,
que é infinitamente transcendente. De fato, mal ficamos surpresos
se uma criança pequena não pode entender os caminhos de
um grande, venerável e idoso sábio, embora seja apenas um
golfo finito que os separa.
Obviamente, isso não vem para minimizar seu sofrimento. Apesar
da grande distância entre nós, desejo expressar minha simpatia.
À primeira vista pode parecer que estamos distantes um do outro
não apenas geograficamente, mas também – ou até
ainda mais – em termos de não sermos familiares, de fato,
inconscientes um do outro, até a Guerra dos Seis Dias (como veio
a ser conhecida), quando você ficou famoso e celebrado como comandante
e defensor de nossa Terra Santa e seus habitantes, e como pessoa de poderosa
capacidade. D'us, Bendito seja, fez brilhar Seu semblante sobre você
e lhe concedeu sucesso em suas atividades – de fato uma vitória
de proporções inesperadas.
Porém com base num princípio judaico fundamental, profundamente
enraizado, ou seja, que todos os judeus são irmãos, a fama
que você recebeu serviu para revelar algo que existia antes, ou
seja, a conexão entre todos os judeus, seja os da Terra Santa ou
da Diáspora. É esta conexão que me estimulou a escrever
estas palavras a você e sua família.
Outro fator que me motivou a escrever esta carta é a enorme inspiração
que você despertou no coração de muitos de nossos
irmãos judeus quando colocou tefilin no Muro Ocidental, um ato
que mereceu grande publicidade e ecoou fortemente e de maneira positiva
nas várias camadas de nossa nação, tanto em locais
próximos quanto distantes.
Uma expressão de consolo – na verdade, mais que apenas uma
frase – é expressa na bênção ritual,
consagrada por centenas de gerações de Torá e tradição
entre nosso povo: "Que o Onipresente o conforte entre os enlutados
de Tsion e Jerusalém."
À primeira vista, a conexão entre o enlutado a quem esta
bênção é dirigida e os enlutados pela destruição
de Jerusalém parece ser intrigante. Na verdade, porém, estão
conectadas. Pois o principal consolo incorporado por esta frase é
seu conteúdo, ou seja, que assim como o luto por Tsion e Jerusalém
é comum a todos os filhos e filhas do nosso povo, Israel, onde
quer que estejam (embora seja mais palpável àqueles que
moram em Jerusalém e realmente vêem o Muro Ocidental e as
ruínas do nosso Templo Sagrado, que para aqueles que estão
distantes, mesmo assim, mesmo aqueles que moram longe, sentem grande dor
e sofrimento pela destruição), também o sofrimento
de um único judeu ou família judia é partilhado pela
nação inteira. Pois, como ensinaram nossos Sábios,
todo o povo judeu forma um único organismo.
Outro ponto e princípio, expressando duplo consolo, é que
assim como D'us certamente reconstruirá as ruínas de Tsion
e Jerusalém e reunirá os dispersos de Israel dos confins
da terra através de nosso justo Mashiach, assim Ele, sem dúvida,
remove o sofrimento do indivíduo, cumprindo a promessa incorporada
pelo versículo, "Acorda e canta, tu que repousa no pó."1
Grande será o júbilo, quando todos se reunirem no tempo
da Ressurreição dos Mortos.
Existe ainda um terceiro ponto: assim como a respeito de Tsion e Jerusalém,
os romanos – e antes deles, os babilônios – tiveram
domínio somente sobre a pedra e madeira, prata e ouro, aspectos
físicos do Templo mas não sobre sua essência interior,
espiritual, contida no coração de cada judeu – pois
as nações não têm domínio sobre isso,
que permanece eternamente – também a respeito do luto do
indivíduo, a morte domina apenas o corpo físico e remete
a pessoa falecida. A alma, porém, é eterna; ela meramente
ascendeu ao Mundo da Verdade. É por isso que qualquer boa ação
[realizada pelo enlutado] que seja adequada à vontade do Criador
da Vida, D'us, Bendito seja, acrescenta ao deleite e mérito da
alma, e ao seu bem geral.
Que seja a vontade de D'us que você e sua família daqui em
diante não conheçam sofrimento e dor, e que nas suas ações
em defesa da nossa Terra Santa, "a terra sobre a qual os olhos de
D'us estão desde o início ao fim do ano,"2 e em seu
cumprimento da mitsvá do tefilin – e uma mitsvá traz
outra consigo – você encontre consolo.
Com estima e bênçãos,
(assinatura do Rebe)
Notas
1 - Yeshayáhu 26:19
2 - Devarim 11:12 |