O Paradoxo do Livre Arbítrio  
 
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  Quinta questão: Unicidade
   
 

Como não há nada além de Sua Unicidade, que espaço sobra para que façamos qualquer diferença?

A resposta curta:

Sim, não há nada além de Sua Unicidade, mas aquela Unicidade inclui o fato de que Ele criou um mundo. Um mundo significa um local onde existe o livre arbítrio.

Uma resposta um pouco mais longa:

Esta questão toca a essência da Torá e do judaísmo: não há nada além d'Ele, e você está servindo-O. Sim, isso é um paradoxo - pois se não há nada além d'Ele, o que estamos fazendo aqui, servindo a Ele?

Isso acontece no credo mais básico da fé judaica. Um judeu declara pela manhã e à noite: " Ouve, ó Israel, o Senhor é nosso D'us, o Senhor é um." Se Ele é Um, então não há mais nada. Nada, nem mesmo este mundo é externo a Sua Unicidade. Para onde quer que você olhe, não há nada além d'Ele.

E então dizemos: "Bendito seja o nome da glória de Seu reino, para todo o sempre." Agora há um reino! Alguma coisa externa ao rei que a governa! Isso implica que há um mundo independente d'Ele, apenas que Ele o domina. Mas não acabamos de dizer que não há nada além de Sua Unicidade?

Um jeito fácil de sair desta é dizer que todo este mundo e tudo que ocorre dentro dele nada mais é que uma ilusão. Muitos filósofos existenciais, incluindo os hindus e os budistas, apresentaram esta saída: Nós apenas pensamos que existimos. Pensamos que temos livre arbítrio. Mas não há verdade ou significado em nada disso, e é melhor sairmos deste sonho e acordarmos para o fato de que somos nada mais que fantasias de nossa imaginação. Alguns chamam isso de transcendência, outros de esclarecimento. Livre arbítrio, para eles, é apenas outra ilusão daqueles que estão presos na escuridão.

Mas a Torá não fornece saídas fáceis. Inicia-se assim: "No princípio, D'us criou os céus e a terra." Ele realmente o fez. E então Ele nos falou: "Faça isso, não faça aquilo." O que significa que Ele considera o mundo uma realidade.

Quando pediram a Rabi Menachem Mendel de Lubavitch (1789-1866) uma prova de que nossa realidade não é uma ilusão, ele apontou o Mishná a respeito do Shabat: Aquele que finge colher no Shabat por ilusão (prestidigitação) está livre de castigo. "Se todo o mundo fosse uma ilusão" - explicou o rabi - "ninguém poderia jamais ser culpado de quebrar o Shabat!"

O Criador criou um mundo. Um mundo real. E isso significa um lugar onde nossas ações fazem a diferença. Ele decidiu que este lugar realmente existiria - não seria apenas uma ilusão de nossa mente. E portanto, isso é o que ele é.

Como isso combina com Sua Absoluta Unicidade é um paradoxo. Portanto, Ele criou um paradoxo. Isso é o que significa criar um mundo a partir do nada - fazer o impossível. Criar um mundo significa criar uma segunda realidade: a primeira realidade é que não existe nada além d'Ele. A segunda realidade é que existe um mundo aqui que Ele está apoiando. Ambas as realidades são verdadeiras.

No chassidismo de Chabad, estas duas realidades são chamadas Daat Elyon e Daat Tachton, literalmente, A Consciência Superior e a Consciência Inferior. As respostas 1 a 4 acima estavam inteiramente sob a perspectiva da Consciência Inferior.

Uma pista para entender este paradoxo é fornecida na obra clássica de Rabi Meir Gabai, Avodat Hakodesh:

"Assim como Ele tem o poder da infinitude, também tem o poder da finitude. Pois se você falar que Ele não tem este poder de finitude, você assim depreciou Sua perfeição."

A capacidade desta Unicidade de expressar-se em formas e pluralidades finitas nada mais é que a suprema expressão da perfeita Unicidade. Unicidade barata é impotente. A suprema Unicidade de D'us é expressa n'Ele criando-nos com nossa capacidade de livre arbítrio.

Há uma analogia para se entender isso: Um professor sábio e esclarecido chegara a uma grande verdade. Mas ele é capaz de expressar esta verdade em termos tais que um simples aluno possa entendê-la? Mesmo se ele distinguir os elementos dessa verdade de forma a que seu aluno possa entender o que está muito além dele, mesmo se ele reduzir a intensidade de sua revelação mais de cem vezes, a idéia ainda permanecerá fora do mundo do aluno. Para relatar esta experiência ao aluno, ele deve revesti-la de parábolas e exemplos tomados do mundo do aluno, usando termos, objetos e personagens totalmente estranhos - até mesmo diametralmente opostos ao pensamento essencial que ele deseja comunicar.

Se não puder realizar esta tarefa, então não importa quão notável e brilhante seja sua revelação, ela permanece em âmbito limitado. Existe em seu mundo, mas não no mundo de seus alunos. Por outro lado, se conseguir, terá revelado a vastidão de sua verdade, que, como a velocidade da luz, funciona igualmente a partir de qualquer ponto de referência.

Assim também, acima: Se a Unicidade exclui a possibilidade de qualquer outra coisa que a unicidade simples e infinita, então ela própria é uma limitação. A verdadeira Unicidade é expressa na capacidade de conter seu oposto: A autonomia de um ser criado. Quando estes dois pólos coexistem, nenhum deles diminuindo o outro em nenhuma maneira, a Unicidade é expressa em sua forma suprema.

Como os movimentos de um artista marcial do Oriente, mesclando movimento com imobilidade, força com gentileza, a Torá dança entre a singularidade de D'us e nossa realidade múltipla. Compreenda apenas uma dessas verdades, e não terá verdade alguma. Entenda ambas de uma vez, e terá D'us.

Vamos para a pergunta seguinte:

Se D'us é a Causa Primordial, tudo não pára por aqui?

 

 

 
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