O Paradoxo do Livre Arbítrio  
 
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  Quarta questão: Onipotência
   
 

D'us deseja que algo aconteça e isso acontece. Portanto, como poderia eu escolher algo de que Ele não goste? Quem pode mais, afinal?

A resposta curta:

Certo, Seu conhecimento é diferente daquele de qualquer uma de Suas criações. Somos conscientes apenas daquilo que já existe. Por outro lado, Sua consciência torna-se realidade, conforme isso se congela e se manifesta como um mundo físico.

Entretanto, por Sua vontade, o Homem recebe livre arbítrio em algumas áreas. O que significa que D'us faz uma exceção nestes exemplos: Ele refreia Sua consciência de sua descida até a realidade - pois aquilo forçaria a pessoa a comportar-se segundo Sua vontade.

Uma resposta um pouco mais longa:

Agora estamos ficando um pouco mais desafiadores. Afinal, D'us é Aquele que "fala e faz acontecer." "Tudo que o Eterno deseja, Ele faz," entoa o Salmista. Portanto, como podemos nós, pequenas criaturas, ter o atrevimento de acreditar que podemos fazer alguma coisa contra Sua vontade?

A resposta, elucidada pelos mestres do Chassidismo Chabad, é esta: Antes que D'us fizesse o mundo, Ele escolheu determinadas atividades que Ele queria que as pessoas fizessem, e outras que não queria. Foi inteiramente livre arbítrio de Sua parte - Ele poderia perfeitamente ter escolhido aprovar o roubo, e então faria um mundo onde roubar fizesse sentido. Mas Ele não o fez. Escolheu que roubar seria algo que Ele abominaria. Juntamente com uma porção de outras coisas. E Ele escolheu que atos de caridade, por outro lado, marcariam mais pontos. [2]

Então Ele fez um mundo onde as pessoas pudessem decidir que tipo de atividades escolheriam. Poderiam escolher furtar, abusar, corromper, etc., e deixá-Lo bastante aborrecido. Ou poderiam optar por atos de bondade, para os quais Ele expressaria Seu prazer.

Para provocar ainda mais entusiasmo, Ele assegurou-Se que este mundo instigaria uma luta decente com aqueles tentando fazer Sua vontade, ponderando cuidadosamente os assuntos, para que qualquer um com suficiente resolução terminaria por sair-se vencedor. De fato, os próprios desafios existem para provocar os poderes interiores dos protagonistas humanos. É verdade que é complexo. Mas, você será forçado a admitir, muito mais empolgante que observar um planeta de robôs representando em seus cenários pré-programados.

É claro, a maioria das coisas corre na direção certa. As estrelas no céu, as plantas crescendo no solo, os animais e mesmo os anjos ministrantes não dão palpite algum sobre como se comportarão ou quanta responsabilidade aceitarão. Somente os seres humanos. E mesmo o livre arbítrio do ser humano é limitado: Uma vez que D'us tenha dito que algo está para acontecer, acontecerá. Ele decide muita coisa sobre nossa estrutura genética, e também não podemos escolher nossos pais. Mas ainda há muito que D'us guarda para Si e nunca decreta, apenas à espera de que você tome a decisão de que aquilo deveria acontecer.

Os cabalistas falam sobre isso como a diferença entre os pensamentos e a palavra de D'us: a palavra é quando Ele deseja que algo aconteça, e aquilo descerá ao mundo e acontecerá.

O pensamento é quando Ele deseja algo, e espera acontecer. D'us disse: "Que haja luz!" - e houve a luz. D'us viu - significando "pensou a respeito" (Nachmânides neste versículo) - a luz, que isso era bom, e Ele diferenciou entre as luz e a escuridão. Desde então, Ele preferiu um estado onde o bem (a luz) domina, e o mal (escuridão) é subjugado. E Ele espera para que aquilo aconteça.

Antes que você nascesse, diz o Talmud, um anjo ministrante carrega gentilmente sua forma fetal perante o Trono da Glória e pergunta o que será de você. D'us decreta muitas coisas - seus talentos, sua personalidade, seu estado de saúde, sua situação monetária, até mesmo o nome de seu verdadeiro cônjuge. Embora você goste de imaginar que sim, você não tem escolha nestes assuntos. Mas D'us jamais decreta se você irá ou não em busca de um cônjuge. Isso é uma mitsvá, e cabe a você decidir. Ele também não decreta se você usará seus talentos para bons ou maus propósitos, se dirigirá seus traços de personalidade para canais positivos ou negativos, se esbanjará seu dinheiro ou seus brinquedos e roupas finas, ou se apoiará causas de caridade e pessoas necessitadas.

Basicamente, quando D'us declara que algo seja, já é. Mas quando D'us pede que você faça alguma coisa, Ele está transferindo a você Seu poder incomparável de fazer uma escolha.

Há uma outra forma de distinguir entre as duas áreas: Uma é chamada de "mundo exterior" e a outra de "mundo interior". O mundo exterior é contingente e pré-determinado pelo mundo interior. O mundo interior é contingente sobre a vontade livre de D'us e do homem.

O mundo exterior abrange toda a ordem natural - terra, água, ar e fogo, todo a matéria e energia na qual o mundo funciona. Isso serve como uma espécie de pano de fundo ou palco, no qual se desenrola o drama do mundo interior. Deve ser da maneira que é para cumprir o projeto do mundo interior. O projeto de todos os acessórios do mundo exterior é determinado por seu papel em apoiar as escolhas feitas pelos personagens do mundo interior. Não há livre arbítrio nesta área externa - apenas acessórios tolos. As coisas são da maneira que são porque têm de ser daquela maneira.

O mundo interior engloba as pessoas e todas aquelas coisas que a Torá requer das pessoas - as atividades que D'us decidiu que gostaria ou não, antes de criar o mundo. Assim como D'us decidiu sobre aquelas coisas que gostaria e aquelas que não gostaria inteiramente por Sua vontade absolutamente livre, assim também decidimos se as cumpriremos inteiramente por nossa livre vontade. Este é o significado da declaração dos Sábios talmúdicos; "Tudo está nas mãos do céu, exceto a reverência pelo céu." A reverência pelo céu é a chave para o mundo interior que está em nossas mãos.

Isso significa que nós humanos podemos realmente bagunçar o Plano Divino? Afinal, D'us tinha um objetivo em mente quando colocou este sistema em funcionamento [3] - significando um plano para Sua criação - que por fim, através de nosso trabalho, Ele conseguiria a soma total de tudo que Ele decidiu que gostaria: Um mundo físico que expressasse Sua essência.

Portanto, é possível que nós, pequenas criaturas, pudéssemos abusar de nosso livre arbítrio ao ponto de desviar o mundo de seu objetivo supremo?

Claro que não. Nada pode ficar no caminho do objetivo Divino. Afinal, Ele não é D'us à toa. A todo momento, não importa o que aconteça, o cosmos inteiro está acelerando em uma espiral ascendente rumo a Seu objetivo, e não há criatura que possa fazer nada para desviá-lo em qualquer outra direção. Poderíamos torná-lo mais lento, ou apressá-lo. Isso Ele deixou a nosso encargo. Mas não podemos mudar a direção.

Como sabemos disso com tamanha certeza? Simplesmente porque dizer o contrário seria politeísmo, e a Torá nega totalmente o politeísmo. Se houvesse outro ser no universo que pudesse superar D'us - bem, então quantos deuses você tem?

Explicando de outra forma: Ele permite que vamos contra Sua vontade interior, mas nada pode ir contra Sua intenção. E sim, existem coisas que Ele pretende que ocorram em Seu mundo que estão contra Sua vontade. Ele coloca coisas aqui que Ele não gosta realmente. Mas isso é assunto para um outro ensaio. Basta dizer que de outra forma, o mundo seria bem maçante.

Não apenas o objetivo final não pode ser revertido. Em todo ponto da vida de uma pessoa, ele ou ela se encontrará exatamente no local que D'us deseja que esta pequena criatura estivesse naquele momento. Seja qual for a escolha que você fizer, não mudará o resultado final. Apenas muda uma coisa: quem é o responsável pelo resultado? Esta confusão toda é culpa sua, que você deveria arrumar? Ou você é o herói que impediu que o dano fosse mais longe? De que lado você está, e o quanto está lutando? Quando chegarmos lá, será por causa de seus esforços, ou apesar deles? Teremos de arrastá-lo até lá, ou irá marchando na linha de frente? Você passará pelo circuito, mas dará o melhor de si em cada volta, sugando cada experiência de tudo aquilo que ela contém? Você superará a escuridão num golpe da espada, ou rolará com ela na poeira, lutando até que sua própria essência seja aniquilada?

De qualquer forma, chegaremos lá.

Para ler as palavras do Rebe sobre este último tópico, veja Licutei Sichot, vol. 5, pág. 65. Para maior profundidade, veja Maamarim Melucatim vol. 5, pág. 154.

Notas

[2] É importante notar a base desta explicação: que a repulsão de D'us ao mal não é necessária. Se fosse, você poderia imaginar que D'us simplesmente deve odiar o mal, que D'us e o mal são opostos em essência, então eles não poderiam coexistir. Mas como D'us abomina o mal apenas e simplesmente porque Ele decidiu repelir o mal, portanto o mal pode estar em Seu mundo, que é repleto com nada além d'Ele.

[3] Certamente, Ele não tem necessidade disso tudo. Não é como se Ele estivesse ganhando alguma coisa com isso. Eis por que não podemos dizer que Ele tinha um propósito ao decidir que gostaria disso e não daquilo. Ele não tinha propósito, porque Ele não tem necessidades. Mas Ele estabeleceu um objetivo.

Vamos para a pergunta seguinte:

Como não há nada além de Sua Unicidade, que espaço sobra para que façamos qualquer diferença?

 

 

 
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