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  Seu álcool ou sua Vida
  Por Rabino Ben A.
 

Há uma antiga piada de Jack Benny na qual um ladrão salta de trás de uma moita e diz: “O dinheiro ou a vida.” Benny simplesmente fica ali parado e nada faz, até que o assaltante fica furioso e grita: “Seu dinheiro ou sua vida!” Finalmente Benny responde: “Estou pensando, estou pensando.”

Na prece Shemá dizemos (Devarim 6:5): “E amarás o Eterno teu D’us com todo o teu coração, toda a tua alma e todo o teu poder.” O Midrash interpreta “tua alma” como significando tua vida e “teu poder” como significando tuas posses.

Em outras palavras, você deve amar a D’us até o ponto de abrir mão de sua vida, e ao ponto de perder suas posses. O Midrash então pergunta: “Mas se a Torá já nos diz para amar a D’us até o ponto de desistir de nossa vida por Ele, não é óbvio que deveríamos também estar dispostos a partilhar nossas posses com Ele?” O Midrash responde: “Para algumas pessoas, o dinheiro lhes é mais precioso que a própria vida.”

Creio que a Torá estava falando sobre pessoas como Jack Benny. Mas onde a Torá fala sobre mim? Sou um alcoólico. Onde a Torá me fala para amar a D’us mais do que amo a bebida? Porque, veja você, desistir do meu álcool é como Jack Benny desistir do seu dinheiro. Se você me disser “Seu álcool ou sua vida”, minha resposta é “Estou pensando, estou pensando.”

Deixe-me explicar a você o que isso significa – para mim – ser um alcoólico em recuperação. A experiência repetida tem deixado muito claro que posso ter tudo que jamais desejei da vida OU posso ter o álcool. Não posso ter ambos. Se trabalho no meu programa de recuperação, todos os meus sonhos se realizam. Se tomo uma bebida, transformo minha vida em puro inferno. Mas não é isso que me torna alcoólico. O que me transforma num alcoólico é que – para mim – esse é na verdade um chamado difícil para mim.

Suponho que como estou em recuperação isso significa que, no fim, fico decidindo que minha vida é mais importante para mim que minha bebida. Mas essa não é uma decisão a qual chego sem muita deliberação diária. Sempre que estou aborrecido – ou às vezes sem nenhum motivo – penso se deveria ou não simplesmente voltar à garrafa e deixar todas as fichas se encaixarem no devido lugar. Após contemplar essa perversa fantasia durante algum tempo, por fim decido que não é uma decisão que estou preparado para tomar – não porque eu não gostaria, mas porque não posso viver com as consequências. Eu sei que terminarei criando tanto sofrimento que terei de desistir e – se eu não morrer ou ficar louco primeiro – voltar outra vez à recuperação. Portanto escolho a vida. Mas esta não é uma escolha instintiva. Veja como estou confuso, Você está começando a entender?

Mas vamos voltar à minha pergunta: Onde a Torá fala a meu respeito? Onde D’us diz a mim, o alcoólico, que eu deveria amá-Lo mais do que amo a bebida?

Olho novamente para o versículo: “E amarás o Eterno teu D’us, com todo o teu coração, com toda tua alma e com todo o teu poder.” “Alma” significa vida, “poder” significa posses. Veja que eu pulei “coração”. O que é “coração”? O que é “com todo o teu coração”?

O Midrash diz “com ‘ambos’ os seus corações – sua inclinação para o bem e sua inclinação para o mal.” Tenho dois corações. Sim, consigo entender isso. Um coração ama a D’us. Um coração ama a bebida. D’us deseja que eu O ame com o coração que já O ama e com o coração que ama beber.

Mas como eu amo a Ele com o coração que gosta de beber?

Por que eu bebo?

Você sabe por que eu bebo? Bebo porque isso me afasta de “mim”. Não gosto de ser “eu”. Não que eu pense que seria mais feliz sendo outra pessoa, mas eu, com certeza, não gosto de ser “eu”. Gosto de entorpecimento. Entorpecimento mental. Minha mente anda tão depressa. Meu cérebro não pára. Os pensamentos produzem sentimento mais depressa do que o meu coração fraco pode suportar. O álcool cuida disso. A embriaguez aquieta o “eu” e quanto menos “eu” houver, melhor eu me sinto. Quando estou realmente bom e bêbado, tenho estes lindos momentos nos quais, de repente, não dói tanto ser “eu”.

Na recuperação aprendi que posso obter de meu relacionamento com D’us tudo que sempre quis conseguir do álcool. Quando me entrego a D’us, não machuca tanto ser “eu” .


Creio que é realmente por que fico sóbrio. Eu sei que antes eu disse que é porque tenho medo da angústia e insanidade e morte que minha embriaguez traria. Mas este não é o verdadeiro motivo. Angústia, insanidade e morte não são suficientemente grandes freios para manter um alcoólico como eu sóbrio por muito tempo. Estas sensações poderiam ser capazes de assustar-me durante algum tempo, mas não bastam para me manter sóbrio dia após dia. Não, o verdadeiro motivo para eu ficar sóbrio é porque tudo que eu queria do álcool posso conseguir do meu relacionamento com D’us.

E você sabe o que eu queria do álcool? O álcool prometeu que se eu apenas conseguisse me livrar de “mim” por tempo suficiente, então naquela quietude, eu de alguma forma conseguiria finalmente ser “eu”.

Não espero que todos vocês entendam isso, mas ainda podem rir de mim quando eu falo da verdade que encontrei – que a vida real começa quando você aprende a amar a D’us com o coração que ama beber.

       
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