Acreditando outra vez  
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  Por Yossef Lewis
 

Enquanto percorro os caminhos de um Auschwitz esterilizado pelo tempo que passou desde os horrores aqui perpetrados, começo a duvidar da humanidade e seu Criador. Contemplo o verde luxuriante de uma árvore refletida numa poça, lutando com o fato óbvio de que as árvores não podem ser verdes aqui, nem a água pode refletir. Isso é o inferno que veio à terra. Porém, embora cônscio disso, não sinto a dor excruciante pelo assassinato estúpido de milhões de meus irmãos. Apenas um vazio, um oco na cabeça que não está pensando. Senti-me suspenso num mundo que não conseguia entender.

Cheguei a Auschwitz-Birkenau, onde pelo menos 1,1 milhão de judeus foram mortos durante o Holocausto. O vasto campo reluzia com suas chaminés vermelhas nuas. Havia apenas remanescentes dos barracões, porque os internos tinham arrancado as tábuas para fazer fogo, desesperados para se manterem aquecidos no inverno depois da libertação. Um grupo de visitantes parecia indiferente à santidade daquele solo e ouvi risadas e conversas amenas enquanto passavam. Outro casal jovem estava ali de pé num apaixonado abraço, aparentemente alheio aos milhões de adeuses pronunciados naquele mesmo local.

A entrada para Auschwitz é um edifício gravado em minha mente. Já a vi umas mil vezes, em milhares de fotos e vídeos. Lança uma sombra pesada, agigantando-se sobre os trilhos de trem. Estes mesmos trilhos levavam diretamente à boca da besta. Percorri os trilhos, na cabeça a descrição de Elie Wiesel sobre os cães ferozes salivando ao atacar uma criança trêmula, recém-chegada de uma viagem infernal.

Em frente à câmara de gás, um vídeo em branco e preto de meu bisavô, Yaakov Shimon Lezerowitz – passou em minha mente. Ele estava lançando um último olhar a um céu que jamais ficaria claro outra vez. As aberturas para o Ziklon B no teto das câmaras de gás pareciam zombar de mim, enquanto a luz do sol reluzia nas paredes que tinham sido arranhadas por mãos que se esforçavam para continuar vivendo.

Um edifício baixo parece inócuo, como a maioria dos prédios em Auschwitz. Era quase convidativo naquele dia quente. O piso estava coberto por uma plataforma de vidro que isolava os pés do chão nu. Ali, os internos eram despiolhados e barbeados. Os uniformes listrados branco e azul eram colocados num forno grande para matar os piolhos profundamente enterrados nas costuras. Uma placa na parede informava: "Desinfecção".

Enquanto reflito sobre a minha experiência em Auschwitz alguns meses atrás, noto que a porção dessa semana da Torá, Vayerá, contém uma importante lição que pode lançar um pouco de luz sobre esta sombra de dúvida e destruição do Holocausto.

Na leitura dessa semana, encontramos Avraham sentado fora de sua tenda, recuperando-se da recente circuncisão. Três figuras se aproximam da tenda. Sentindo dor pela cirurgia mas corajoso como sempre, Avraham corre para dar-lhes as boas-vindas à sua tenda. Tem início um banquete de imensas proporções – é abatido um boi para os convidados. Revelando-se como anjos numa missão, um deles abençoa a esposa de Avraham, Sarah. O anjo diz: "No próximo ano, nessa mesma época, você já terá tido um filho." Sarah, numa compreensível descrença, ri da possibilidade de dar à luz, duvidando que um corpo devastado pelo tempo pudesse conceber.

Nada é tão impossível como parece. Assim como Sarah, muitas vezes duvidamos, como duvidei naquele dia em Auschwitz. Porém, Sarah teve um lindo filho, Yitschac, apesar de sua pouca disposição em acreditar no inacreditável.

Aprendi que embora possamos estar assolados por temores, situações e decisões difíceis, podemos contemplar o milagre do nascimento de Yitschac e ver que, na realidade pura e simples, nada é tão impossível como parece.

Houve um momento, um momento, de pura claridade em Auschwitz que me fez, novamente acreditar. Foi quando eu estava de pé perante um enorme livro de visitantes, suas páginas amareladas convidando-me a escrever um pensamento.

Escrevi:

"Vocês são lembrados. Vocês sobreviveram. Suas mortes foram em vão, mas suas vidas não foram. Voltei a este lugar para declarar que nós, a Família Lezerowitz, vivemos."

Foi nesse momento que finalmente derramei uma lágrima, não mais duvidoso ou indiferente.

       
   
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