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Eu Sou Yossef

  Por Yosef Y. Jacobson
 

Disfarce

Havia dois mendigos sentados lado a lado numa rua da Cidade do México. Um estava vestido como cristão, com uma cruz na frente da roupa; o outro era um judeu chassídico com uma longa barba e casaco negro.

Muitas pessoas passavam por ali, olhavam para os dois mendigos e então colocavam dinheiro no chapéu daquele com a cruz.

Após horas da mesma cena se repetindo, um padre aproximou-se do mendigo judeu e disse: “Você não entende? Este é um país católico. As pessoas não vão lhe dar dinheiro se ficar sentado aqui como um verdadeiro judeu, especialmente porque está perto de um mendigo que tem uma cruz. Na verdade, eles provavelmente darão dinheiro a ele para te espicaçar.”

O pedinte chassídico ouviu o padre e, voltando-se ao mendigo vestido como cristão, disse: “Moshê… olha só quem está tentando nos dar uma lição de Marketing.”

A Identidade de Um Irmão é Revelada

As 12 Tribos
Por Dov Lederberg

A história de Yossef revelando-se aos seus irmãos após décadas de amarga separação é, sem dúvida, uma das mais dramáticas de toda a Torá. Vinte e dois anos antes, quando Yossef tinha dezessete anos, seus irmãos por desprezo o raptaram, jogaram num fosso e depois o venderam como escravo a mercadores egípcios. No Egito ele passou doze anos na prisão, de onde foi libertado para tornar-se vice-rei do país que era a superpotência da época. Agora, mais de duas décadas depois, o momento finalmente era propício para a reconciliação.

“Yossef não pôde mais controlar suas emoções,” relata a Torá(1). “Ele dispensou todos seus assistentes egípcios de sua câmara, para que ninguém mais estivesse presente quando se revelasse aos seus irmãos. Ele começou a chorar com soluços tão fortes que os egípcios do lado de fora podiam ouvi-lo. E Yossef disse aos irmãos: ‘Eu sou Yossef! Meu pai ainda vive?’ Os irmãos ficaram tão chocados que não conseguiram responder.

“Yossef disse aos irmãos: ‘Por favor, aproximem-se de mim.’ Quando eles se aproximaram, ele disse: ‘Eu sou Yossef, seu irmão – fui eu que vocês venderam no Egito.

“Não se aborreçam, nem se reprovem por terem me vendido, pois D’us mandou-me aqui para garantir sua sobrevivência na terra e apoiar vocês para um importante pronunciamento.”

Analisando o Encontro


Emoções não são equações matemáticas que poderiam ou estariam sujeitas a

escrutínio e análise acadêmica (exceto, talvez, no consultório de um analista). Emoções, a textura através da qual sentimos a vida em toda sua majestade e tragédia, professam “leis” independentes e uma linguagem singular, bem distinta da calculada e estruturada da ciência.

Apesar disso tudo, ainda nos sentimos obrigados a entrar em sintonia com a fraseologia específica empregada pela Torá para descrever este encontro carregado de emoções, quando Yossef revela sua identidade aos irmãos.

Quatro observações vêm de imediato à mente(2).

1. Após Yossef expor sua identidade aos irmãos, pede a eles que se aproximem. Apesar do fato de eles estarem sozinhos com ele numa sala reservada, Yossef deseja que se aproximem ainda mais. Naquele instante estamos esperando que Yossef partilhe com os irmãos um segredo íntimo. Mas isso não parece ocorrer.

2. Depois que eles se aproximam, Yossef diz: “Eu sou Yossef, seu irmão – a quem vocês venderam no Egito.” Porém ele já tinha contado a eles que era Yossef!

3. Por que Yossef se sentiu obrigado a informar que eles o tinham vendido aos egípcios, como se eles não soubessem o que tinham feito ao irmão mais novo? Por que ele não começou imediatamente sua explicação sobre por que eles não precisavam se reprovar por tê-lo vendido?

4. Na primeira vez que Yossef se revela ele não se define como irmão deles; porém quando ele repete, menciona o senso de fraternidade: “Eu sou Yossef, seu irmão.” Por que a diferença?

A Alma Não Reconhecida

A mais longa narrativa em toda a Torá está em Bereshit cap. 37 a 50, e não há dúvida de que seu herói é Yossef. A história começa e termina com ele. Nós o vemos como criança, órfao de mãe e amado pelo pai; nós o observamos como um adolescente sonhador, invejado pelos irmãos; vemos Yossef como escravo, depois prisioneiro no Egito; então o vemos se tornar o segundo mais poderoso no maior império do mundo antigo. Em todas as partes, a narrativa se desenvolve ao redor dele e seu impacto sobre os outros. Ele domina o último terço do Livro de Bereshit, eclipsando todos os outros. No decorrer de toda a Torá, não há ninguém que cheguemos a conhecer tão intimamente como Yossef. A Torá parece estar encantada com Yossef, suas jornadas e conflitos, mais que com qualquer outra figura, talvez ainda mais que com os dois pilares da fé judaica, Avraham e Moshê. Qual é a mística por trás de Yossef? Quem é ele?

A vida de Yossef incorpora todo o drama e paradoxo da existência humana. O Yossef por fora não era o Yossef por dentro; seu comportamento exterior jamais fez justiça à sua autêntica imagem interior. Mesmo quando era jovem, seus irmãos não conseguiam avaliar a profundidade e nobreza de seu caráter. O Midrash(3) vê a descrição de Yossef aos dezessete anos como um “jovem”, como a indicar o fato de que ele devotava muito tempo a arrumar o cabelo, cuidar dos olhos e caminhar como um rapaz mimado, vaidoso e cheio de pompa. Então, quando Yossef se ergueu para tornar-se vizir do Egito, ele encarnou a pessoa de um carismático líder de estado, um belo, charmoso e poderoso jovem líder, um diplomata habilidoso, um político experiente e um economista inteligente, com enorme ambição.

Não era fácil perceber que por baixo dessas qualidades estava uma alma em fogo com paixão moral, um espírito análogo para quem o legado monoteísta de Avraham, Yitschac e Yaacov permanecia como epicentro de sua vida; um coração repleto de amor a D’us.

A singular condição de Yossef – incorporando o paradoxo da condição humana – é pungentemente expressa num versículo da Torá(4):

“Yossef reconheceu seus irmãos mas eles não o reconheceram.” Yossef identificou facilmente a santidade dentro de seus irmãos. Afinal, eles viveram a maior parte da vida isolados como pastores espirituais envolvidos em prece, meditação e estudo. Porém estes mesmos irmãos não tiveram a capacidade de discernir a riqueza moral incrustada na profundidade do coração de Yossef. Mesmo quando Yossef estava morando com eles em Israel, eles o viam como um forasteiro, um perigo à integridade da família de Israel. Certamente, quando o encontraram como líder no Egito, não conseguiram ver por trás da máscara de político experiente o coração de um tsadic, a alma de um Rebe.

O Fogo no Carvão

Esta dupla identidade que caracterizava a vida de Yossef mostrou-se da maneira mais poderosa quando a esposa de seu amo tentou seduzi-lo a ter relações íntimas. Por fora, ela pensou, não seria muito difícil convencer um jovem escravo abandonado a sacrificar sua integridade moral em troca de atenção e algum divertimento. Mas, quando chegou a hora da verdade, quando Yossef se viu frente a frente com o teste dos testes, ele demonstrou uma coragem heróica ao resistir e fugir da casa dela. Como resultado daquele ato, ficou na prisão por 12 anos.

O Midrash (5) compara Yossef ao fresco manancial de água escondido nas profundezas da terra, oculto por camadas de pedras e entulho. Numa metáfora ao contrário ilustrando o mesmo ponto, a Cabalá vê Yossef como a chama oculta dentro do carvão. Por fora, o carvão parece preto, escuro e frio; porém, quando você se expõe à sua verdadeira textura, pode sentir o calor, o fogo e a paixão. Você se queima.

Revelação

E então chegou o momento em que Yossef retirou a máscara.

O Zohar (6), comentário cabalista fundamental sobre a Torá, apresenta uma penetrante visualização do que ocorreu no momento em que Yossef se revelou aos seus irmãos.

Quando ele declarou “Eu sou Yossef”, diz o Midrash, “seu rosto ficou em chamas como uma fornalha ardente.” A chama oculta durante 39 anos dentro do carvão emergiu com força total. Pela primeira vez na vida, os irmãos de Yossef o viram como ele era; entraram em contato com a maior santidade no mundo emergindo da face do vizir egípcio…

Perda

“Seus irmãos ficaram tão horrorizados que não conseguiram reagir,” relata a Torá. O que perturbou os irmãos não foi tanto um senso de temor ou culpa pessoal. O que mais os aterrorizou foi a sensação de perda que sentiram por si mesmos e pelo mundo inteiro como resultado de sua venda ao Egito.

“Se após passar 22 anos numa sociedade moralmente depravada,” pensaram eles, “um ano como escravo, doze anos como prisioneiro, nove anos como político – Yossef ainda conservava tamanha santidade e paixão, o quanto não seria mais sagrado se tivesse passado estes 22 anos ao lado de seu justo pai Yaacov?!”

“Que perda para a história nossas ações provocaram!” atormentaram-se os irmãos, “Se Yossef poderia ter passado todos estes anos no oásis transcendente, num ambiente sagrado, na ilha espiritual do Patriarca Yaacov – como o mundo poderia ter se enriquecido com um brilho tão atômico de santidade em seu meio!”

O contraste entre a condição atual de Yossef e aquele que poderia ter sido o seu potencial deixou os irmãos com um sentimento irreparável de perda, pois sentiram que era uma oportunidade perdida de proporções históricas.

O Erro

Neste momento, “Yossef disse aos irmãos, ‘Por favor, aproximem-se de mim.’” Yossef queria que eles se aproximassem ainda mais e olhassem profundamente para a luz Divina que brotava do seu semblante.

“Quando eles se aproximaram,” relata a Torá, “Ele disse: ‘Eu sou Yossef, seu irmão – que vocês venderam ao Egito.’”

Yossef não estava meramente repetindo aquilo que lhes falara antes (“Eu sou Yossef”), nem estava os informando de um fato do qual estavam bem conscientes (“Fui eu que vocês venderam ao Egito”), ao contrário, ele estava respondendo ao senso de perda irreparável dos irmãos.

As palavras ‘Eu sou Yossef seu irmão – fui eu que vocês venderam ao Egito” no original hebraico também pode ser traduzido como “Eu sou Yossef seu irmão – porque vocês me venderam ao Egito.”

O que Yossef estava declarando era que o único motivo para ele ter atingido tamanhas alturas espirituais foi porque ele passou os últimos 22 anos no Egito, não no ambiente sagrado de Yaacov.

O brilho imenso que emanava de sua presença, Yossef sugeriu, não estava lá apesar das duas décadas na depravada sociedade egípcia, tão longe do paraíso celestial de seu pai; estava lá exatamente como resultado de seu envolvimento com uma vida estranha ao caminho inocente e correto de seus irmãos. As incríveis provações e a adversidade que ele enfrentou na selva espiritual são exatamente o que desencadeou o brilho espiritual que os irmãos estavam presenciando.

Se Yossef tivesse passado as duas décadas viajando com seu pai pela estrada pavimentada da lucidez psicológica e espiritual, ele certamente teria atingido grandes alturas intelectuais e emocionais. Porém foi apenas o seu confronto com um abismo fulgurante que deu a Yossef aquela majestade singular, paixão e poder que desafiaram até a rica imaginação dos seus irmãos.

É por isso que Yossef pediu aos irmãos que se aproximassem dele, para que pudessem contemplar de mais perto sua luz singular e avaliar que era uma luz que poderia emergir somente da profundeza das trevas, do abismo da promiscuidade egípcia. [Este é também o motivo para Yossef mencionar, pela segunda vez, o elemento da fraternidade. Pois Yossef estava tentando não apenas contar-lhes quem era, mas partilhar a realidade do seu parentesco, o fato de que ele, assim como eles, estava profundamente conectado com suas raízes espirituais].

Se Pelo menos…

Assim como os irmãos, muitos de nós também, passamos nossa vida pensando “Se pelo menos…” Se pelo menos minhas circunstâncias tivessem sido diferentes; se eu tivesse nascido num tipo diferente de família; se eu tivesse uma personalidade melhor… A eterna lição de Yossef é que a jornada individual de sua vida, com todos os altos e baixos, é que permite que você descubra seu lugar único neste mundo como servo de D’us(7). Às vezes, são os 22 anos no “Egito” que dão a você a mais profunda clareza e intimidade com a vida e com D’us.


Notas:

1) Bereshit 45:1-7

2) As seguintes observações são discutidas por muitos dos comentaristas bíblicos, que oferecem várias explicações (veja Midrash Rabah, Rashi, Ramban, Klei Yakar, Or Hachaim).

3) Midrash Rabah Bereshit 84:7. Citado em Rashi sobre Bereshit 37:2.

4) Bereshit 42:8.

5) Midrash Rabah ibid. 93:3.

6) Zohar vol. 1 pág. 93b.

7) Este ensaio é baseado em escritos chassídicos. Veja Sefer Halikutim sob a entrada Yossef e todas as referências ali anotadas; Sefer Letorah U’Lemoadim (por Rabi Shlomo Yosef Zeviin) Parashat Vayigash (págs. 60-61); Sefat Emet Vayigash (sobre o versículo “Asher Nechartem”); Licutê Sichot vol. 25 págs, 255-257 e as referências ali anotadas. Meus agradecimentos a Shmuel Kuperman (Brooklyn, NY) por compartilhar comigo o núcleo de sua introvisão.

 

 

       
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