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  O Príncipe Judeu da Pérsia  
 
 

O descendente do Xá do Irã conta sua história em Jerusalém

Por Sara Yoheved Rigler


Moshê (não é seu verdadeiro nome, no caso de pessoas erradas lerem isto) se parece com qualquer outro judeu religioso em Jerusalém - cabelo escuro, barba escura, óculos com armação de metal, entoando uma canção talmúdica numa yeshivá. Ninguém suspeitaria que ele é o tetraneto de um antigo xá do Irã.

A vida de Moshê tem mais reviravoltas dramáticas que um filme da Disney. É um herdeiro não da dinastia Pahlevi, que foi deposta pela Revolução Islâmica após duas breves gerações, mas sim da Dinastia Qajar, que governou orgulhosamente a Pérsia durante dez gerações. Ele se lembra de ter visitado sua bisavó, afilhada de Mohammed Ali Shah Qajar, a quem chamavam de”Princesinha” até a morte dela aos 99 anos, e que costumava brindá-lo com historias de quando cresceu no palácio, à sombra do Trono do Pavão. Lembra-se também de ter acompanhado seu tio-avô até um sala de expatriados persas na Europa; todos se inclinaram perante seu tio e o chamaram “shazdejeun, neto do rei.”

Foi a primeira das três vezes em sua vida que Mina perderia tudo numa só noite.A avó de Moshê era casada com um aristocrata cujo feudo era distante de Teerã. “Nas grandes famílias aristocráticas, não é de bom tom trabalhar,” explica Moshê.”Durante toda a vida, meu avô não trabalhou, mas jogava e fumava ópio.”

Numa noite fatídica, quando a mãe de Moshe, Mina, tinha nove anos de idade, o pai dela apostou tudo que possuía – seu palácio, suas terras, seu estábulo com garanhões árabes. A família foi expulsa da casa mal tendo o que comer.

Foi a primeira das três vezes na vida que Mina perderia tudo numa única noite.

A família retirou-se para Teerã e recebeu um apartamento no palacete da Princesinha, avó de Mina. A familia tinha perdido a riqueza, mas não o prestígio. “As pessoas na Pérsia são muito orgulhosas de sua origem,” comenta Moshê. “As pessoas respeitavam minha mãe porque ela era bem nascida. Mesmo que você tenha perdido todo o seu dinheiro, ainda é respeitado. Os persas são muito orgulhosos, e se você for da aristocracia, é ainda mais.”

Porém aos 17 anos, Mina arriscou-se a perder até seu status.Apaixonou-se por Charles, um europeu cristão que morava em Teerã. Quando ela contou à mãe que pretendia casar-se com um homem que não era persa nem muçulmano, a mãe ameaçou deserdá-la. Mina não voltou atrás. Após uma furiosa discussão na qual a mãe lhe disse que jamais queria vê-la de novo, a porta foi fechada para Mina, deixando-a na rua com uma única mala.

“Sempre que você tiver um problema, ligue para o escritório do Aiatolá Khomeini e ele cuidará disso.”Abalada demais para ir ao apartamento de Charles, Mina procurou abrigo com uma amiga. A amiga levou-a a uma casa enorme repleta de mulheres e deu-lhe um quarto. Após algum tempo, um homem francês entrou no quarto. Ocorre que o local era um bordel. Mina escapou e fugiu até Charles.

Charles,com 22 anos, era um cientista em formação com muita eloquência e carisma. Procurou a mãe de Mina e terminou convencendo-a a aceitar o casamento. Embora Mina tivesse uma forte crença em D'us, como a maior parte dos aristocratas persas, era uma muçulmana desinteressada. Converteu-se ao Cristianismo e o casal teve três casamentos: civil, cristão e muçulmano.

Infância e a Revolução
Eles moravam em Teerã e Charles abriu uma empresa baseada em suas descobertas científicas.Em 1971, nasceu o segundo filho do casal, Henry (que mais tarde se tornaria Moshê). Por mais estranho que parecesse, a avó insistiu em circuncidá-lo aos oito dias. Também foi batizado quando bebê. Não recebeu um nome persa, e seu pai também não permitia que aprendesse a ler ou escrever em persa. Charles queria que o filho sentisse que o mundo era seu lar; seu destino era crescer sem lar nenhum.

A empresa de Charles foi bem-sucedida, e Henry foi criado com luxo: tinha seu próprio cavalo, esquiava todo final de semana, passava férias na Europa, e freqüentava uma escola ocidental para a classe alta. Ele se lembra dos locais privilegiados ao Norte de Teerã como “um paraíso para crianças. As pessoas eram extremamente boas e amigáveis, tínhamos uma grande família, e eu assistia à TV inglesa.”

Sua infância idílica foi interrompida pela Revolução Islâmica em 1979.”As pessoas estavam matando umas às outras nas ruas,” recorda Moshê.

“Eu costumava ir à minha escola num ônibus escolar. Certo dia um dos ônibus da escola foi explodido por um foguete. Todas as crianças no coletivo foram mortas. Dois dias depois meu irmão e eu estávamos na Europa.”

“Para um aristocrata persa, tornar-se judeu é a coisa mais horrível que você pode fazer.”Eles chegaram ao novo colégio interno no interior europeu num Rolls Royce com chofer. Os moradores locais jamais tinham visto aquilo. Pensaram que os meninos eram da família do xá fugitivo.

Durante a primeira fase da revolução, iranianos de todas as vertentes políticas e religiosas estavam unidos em seu desejo de liberdade e querendo livrar-se do xá. Se Mina tivesse sido uma Pahlevi, teria sido executada. Em vez disso, ela era da reverenciada dinastia Qajar. Como muitos da aristocracia, ela fez uma aliança amigável com o novo governo. Um ano depois, levou seus filhos de volta ao Irã.

Para a família de Henry, o caos nacional foi exacerbado pela tragédia pessoal. Ocidentais inescrupulosos tinham tentado comprar a tecnologia inovadora de Charles, mas ele se recusava repetidamente. Finalmente, dois homens de Harvard foram a Teerã e durante alguns meses implementaram um esquema cuidadosamente tramado para ganhar a confiança de Charles. Certa noite eles o embebedaram e conseguiram que assinasse a entrega da empresa. Da noite para o dia, a família perdeu tudo. Um Charles alquebrado foi para a Europa, onde tentou começar de novo. Poucos meses depois, a família foi notificada que Charles fora encontrado morto, aparentemente de um ataque cardíaco.

Protegido do Aiatolá
Mina agora estava sozinha, mas não perdeu a coragem. Procurou uma empresa que tinha sido associada ao seu marido e pediu para trabalhar ali. Eles lhe ofereceram um cargo modesto de vendedora. Ela transformou o quarto em seu pequeno apartamento em escritório, e começou do nada. Seus esforços, porém, foram minados pela enorme corrupcão no governo.

Mina foi diretamente ao Aiatolá Khomeini. Henry lembra-se dos empregados em sua casa, durante sua infância serena, falando sobre a vinda do Messias. Quando o Aiatolá Khomeini voltou à Pérsia no irromper da Revolução, praticamente a população inteira o considerava o Messias. Mina, inteligente e secular, era uma exceção. Porém quando ela falou diretamente com ele para reclamar sobre a corrupção governamental, ficou chocada. Khomeini não olhava diretamente na face de uma mulher. Apesar disso, ao final da entrevista, Mina tinha se tornado sua fiel protegida. Ao chegar em casa, recebeu um telefonema dizendo: ”Sempre que tiver um problema, ligue para o escritório do Aiatolá Khomeini e ele cuidará de tudo.”

Durante o resto da vida de Khomeini, mesmo durante os dias mais violentos do regime, Mina gozou de sua proteção pessoal. “O governo temia minha mãe”, afirma Moshê. Vários anos depois, Mina tinha se tornado uma mulher de negócios fantasticamente bem-sucedida.

Nesse meio-tempo a Revolução tinha entrado numa fase repressiva. Os fanáticos religiosos começaram a matar pessoas de todas as outras facções. Moshe lembra-se de ter assistido o filme Z na casa do Primeiro Ministro da Justiça após a Revolução. Dois anos depois, aquele ministro foi assassinado por radicais islâmicos.

“Teerã tornou-se a Chicago dos Anos 20,” lembra Moshê. “Pessoas com metralhadoras matavam outras pessoas nas ruas. Fecharam a escola ocidental que meu irmão e eu frequentávamos.”

Mina queria que os filhos se tornassem pessoas educadas, cosmopolitas. Decidiu que eles não teriam futuro no novo Irã. Um ano após levá-los de volta, ela novamente os enviou para a Europa, dessa vez para ficar. Henry tinha nove anos quando deu o último adeus ao único lar que tinha conhecido até que criasse o seu próprio em Jerusalém.

Os meninos frequentavam um colégio interno cristão. Estavam completamente sozinhos num país estrangeiro. Não tinham contato com os parentes do pai, que não tinham comparecido ao funeral de Charles; Mina tinha cortado todos os laços com eles. Mina os visitava duas ou três vezes ao ano, levando-os em férias aos Estados Unidos, Vancouver, Havaí, Espanha,etc, mas mesmo durante as férias sua atenção estava voltada para os negócios.

Para cursar o Ensino Médio, os meninos foram para a International School de Valbonne na Riviera Francesa. Conhecida como “a escola dos gênios”, era a academia escolhida para os filhos de chefes de estado de todos os continentes.

Durante a adolescência, Henry engajou-se numa busca para encontrar a suprema Verdade. Ele lia copiosamente sobre literatura e filosofia. Pesquisava o Espiritualismo, Filosofia Epicureana, arte e teatro. Tentou a meditação Zen; após apenas alguns meses atingiu “uma espécie de Nirvana”. Com o cabelo na altura dos ombros e roupas todas pretas, ele caminhava descalço pelo campus de Valbonne.

Sua busca pela Verdade não o levou à religião. Tendo sido educado por monges em escolas cristãs, ele não levava o Cristianismo a sério. Tendo sido exilado por zelotes islâmicos, ele não tinha respeito pelo Islã. Sua busca era intelectual, não religiosa, e D'us não desempenhava nenhum papel em sua vida.

Então um dia enquanto estava na faculdade, Henry teve uma experiência mística. De repente, foi poderosamente invadido por uma consciência de D'us como real e imanente. Esse estado, que não foi induzido por drogas, durou uma quinzena. Quando terminou, Henry só desejava reviver aquela consciência de D'us. Como intelectual, ele confiava na sua mente e sabia que aquilo que tinha vivenciado era uma dose não-adulterada da realidade. Mas onde ele poderia encontrar D'us novamente?

Descobrindo o Judaísmo
Certa noite enquanto cursava a Faculdade de Direito, alguns de seus amigos judeus seculares mencionaram que estavam indo para um aula judaica. Henry convidou-se e foi junto. Como ele declara; “Tudo que o rabino disse, eu sentia ‘É isso que estou procurando.’”

Seus amigos judeus logo deixaram de frequentar a aula semanal, mas Henry continuou. Ele combinava perfeitamente com os ensinamentos. Numa livraria, encontrou alguns textos judaicos clássicos, como o Kuzari e o Caminho do Justo. Lendo-os, foi dominado pela sensação de: ”Sim, é isso o que eu quero.”

O Caminho do Justo, um texto do Século Dezoito descrevendo os níveis ascendentes de refinamento do caráter e elevação espiritual, tornou-se para Henry um mapa para a consciência de D'us que ele tinha conhecido mas perdera.

Após a faculdade de direito, Henry decidiu que estudar Judaísmo não era suficiente; ele tinha de vivê-lo. Resolveu converter-se ao Judaísmo, mas quando tentou marcar uma entrevista para iniciar o processo de conversão no Beit Din (Tribunal Judaico) da cidade, foi ignorado. Finalmente telefonou ao Beit Din e pediu para falar com o Rabino Chefe “sobre algo muito importante e particular”. O secretário perguntou sobre o que ele desejava falar, mas Henry insistiu que era particular. Conseguiu marcar uma entrevista, mas assim que falou ao Rabino Chefe por que tinha ido, o Rabino disse a ele: “Tenho dez minutos, nem um minuto a mais, para lhe dar.” Uma hora depois, ele ainda estava envolvido numa intensa conversa com Henry. Ao final, o Rabino lhe disse: “Volte daqui a um ano. Em um ano, eu o aceitarei.”Henry entendeu que aquele era um teste para a sua sinceridade e persistência.O Rabino não sabia que estava lidando com a indomitável raça Qajar. Um ano depois, Henry voltou. Após dois anos estudando como ser um judeu, Henry converteu-se aos 28 anos de idade. Seis meses depois, casou-se com Noa, e fizeram aliyah para Israel, onde ele estuda na yeshivá.

Converter-se ao Judaísmo significou abandonar seu prestígio aristocrático, a aprovação de sua mãe, e toda a conexão com sua família. “Para um aristocrata persa, tornar-se judeu é a coisa mais horrível que você pode fazer,” declara Moshê.”É simplesmente inimaginável, é vergonhoso.”

Durante o longo processo de conversão, ele jamais foi desencorajado pela perspectiva de perder todos os privilégios de seu nascimento e criação. “Eu acreditava em alguma coisa,” atesta Moshê. “Acreditava que a Torá é a verdade, e queria tê-la. Não queria apenas aprender sobre ela. Queria atingir as alturas espirituais descritas no Caminho do Justo.”

Após a conversão, Moshê teve uma conversa com seu irmão. “Por que você não se converte?” perguntou a ele.”Você sabe que o Judaísmo é verdadeiro.”

O irmão de Moshê respondeu:”Sei que é verdadeiro mas não quero me converter.Gosto demais do luxo e do conforto.”

Sentado em seu apartamento simples em Jerusalém, cercado pela mulher e filhos, Moshê pondera sobre a troca que ele fez ao escolher a verdade acima do conforto. Ele ganhou mais do que perdeu? A resposta de Moshê é um largo sorriso.

 

 

 
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