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Certa vez, quando
David Blunkett era Secretário de Estado para a Educação,
ele mencionou que estava dedicando o ano escolar vindouro a uma campanha
pela educação. Perguntou-me se eu teria algum ditado judaico
sobre instrução. Respondi que o início do ano acadêmico
quase sempre coincide com as Grandes Festas Judaicas, o Ano Novo e o Dia
da Expiação. Durante toda aquela época rezamos a
D'us para que “nos inscreva no Livro da Vida”. Quando os judeus
pensam em vida, pensam num livro. Para nós, ler é viver.
Então fui surpreendido com o forte apelo de Caitlin Moran feito
em agosto daquele ano para que as bibliotecas locais fossem poupadas do
programa de corte de gastos do governo. “Bibliotecas”, disse
ela, são “catedrais da mente; hospitais da alma; parques
temáticos da imaginação. Numa ilha fria, chuvosa,
são os únicos espaços públicos abrigados onde
você não é um consumidor, mas sim um cidadão.
Um ser humano com cérebro e coração, com desejo de
ser elevado, em vez de um consumidor com um cartão de crédito.”
Desde o início, o Judaísmo se
tornou uma religião na qual a educação era o ato
fundamental. Ensina teus filhos, diz Moshê muitas e muitas vezes.
Que frase linda e verdadeira. É impossível exagerar até
que ponto os judeus são – a frase vem do Alcorão –
um “povo do livro”. Tenho argumentado que o Judaísmo
tomou a forma que tem por causa de uma das maiores revoluções
na tecnologia da informação, a invenção do
alfabeto em oposição aos sistemas baseados em sinais da
escrita cuneiforme mesopotâmica e dos hieróglifos egípcios.
Para entender aqueles sistemas a pessoa tinha de memorizar
centenas de símbolos, o que significa que apenas uma minoria podia
fazê-lo. O resultado foram as elites literatas e as sociedades hierárquicas.
O primeiro alfabeto, Proto-Semítico, que apareceu no Deserto do
Sinai há 38 séculos, tinha pouco mais de vinte símbolos.
Pela primeira vez nascia a possibilidade de uma sociedade de instrução
universal. Isso foi o que Isaiah quis dizer quando declarou: “Todos
os seus filhos serão instruídos sobre o Eterno e grande
será a paz de seus filhos.”
Desde o início, o Judaísmo se tornou uma religião
na qual a educação era o ato fundamental. Ensina teus filhos,
diz Moshê muitas e muitas vezes. “Ensina-os”, diz nossa
prece mais sagrada, o Shemá, “quando estiveres sentado em
casa ou viajando numa jornada, quando te deitares e quando te levantares.”
O Talmud considera o estudo como um ato religioso ainda mais elevado que
a prece.
O objeto mais sagrado no Judaísmo é um livro, o Rolo da
Torá. A reverência que prestamos a ele é impressionante.
Ficamos em sua presença como se fosse um rei, dançamos com
ele como se fosse uma noiva, e se, D'us não o permita, for profanado
ou danificado sem chance de recuperação, nós o enterramos
como se fosse um parente falecido.
Há muitos tipos de pobreza que devemos
tentar eliminar, mas o empobrecimento intelectual talvez não seja
o mais profundo e debilitante de todas as pobrezas.De alguma forma
essa reverência se transferiu para os livros em geral. Descartes
disse “Penso, logo existo.” Os judeus dizem: “Aprendo,
portanto eu sou.” Essa reverência pelo estudo continuou com
os judeus por mais que tenham se tornado afastados da religião.
Sergey Brin, co-fundador do Google, certa vez disse que
vinha “de uma daquelas famílias de judeus russos que esperavam
que até o encanador tivesse um Ph.D.”
Então eu repito a descrição de Caitlin Moran sobre
os livros como portões – “cada livro que se abre era
tão empolgante quando Alice colocando seu anel de ouro na porta.”
Um livro notável é uma jornada que amplia a vida da mente.
É uma ideia que jamais devemos perder. As bibliotecas são
um elemento essencial de uma boa sociedade. Elas democratizam o conhecimento,
dando-nos igual acesso ao legado da humanidade. Há muitos tipos
de pobreza que devemos tentar eliminar, mas me pergunto se o empobrecimento
intelectual talvez não seja o mais profundo e debilitante de todas
as pobrezas.
John Donne escreve que “Toda a humanidade é de um autor,
e é um volume.” Ele relacionou isto com a morte: “Quando
um homem morre, um capítulo não é arrancado do livro,
mas traduzido num idioma melhor.” No Judaísmo, preferimos
pensar sobre a vida. Cada um de nós é uma letra no livro
de D'us. Como uma letra, não temos um significado por nós
mesmos, mas juntados a outros em famílias, comunidades e nações,
formamos sentenças de parágrafos e nos tornamos parte da
história de D'us.
Isaac Bashevis Singer disse certa vez: “D'us é um escrior
e nós somos seus co-autores.”
Que jamais venhamos a perder nosso amor pelos livros e pela vida.
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