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Se você tivesse
me perguntado há cerca de um mês como um dos meus filhos
era na idade do jardim de infância, eu teria respondido que ele
era difícil. As lembranças são sempre um pouco nubladas
e os detalhes específicos me fugiam, mas a tensão que eu
sentia era real e eu acreditava ter sido, sem dúvida, sobre ele.
Passaram-se os anos, experiências felizes foram compartilhadas,
a tensão há muito desapareceu e foi substituída por
uma boa conexão. Jamais pensei naqueles anos difíceis, nem
refleti sobre eles. Apagou-se a ideia de ele ter sido um “garoto
difícil” antes de crescer; tudo se tornou uma piada desconfortável.
Até uma certa tarde de Shabat...
Aqueles anos difíceis não foram
o produto de uma criança difícil. Foram o produto do meu
afastamento. Eu estava olhando algumas fotos antigas nos álbuns
com alguns dos meus outros filhos. Rimos ao ver penteados e óculos
fora de moda, ficamos com os olhos úmidos ao ver parentes e amigos
que não estão mais conosco. E então, surgiu uma página
que me ofereceu um doloroso vislumbre daquilo que eu jamais soube que
tinha sido uma dura realidade.
Eram três fotos da formatura de meu filho na pré-escola,
ele parecendo esperançoso e de certa forma orgulhoso em sua capa
com borlas. Esperançoso, porque estava sentado muito perto de mim
na primeira foto, obviamente faminto e apoiado em mim ansioso por algum
contato, alguma atenção merecida por ser o astro do dia.
Ele não conseguiu isso.
Eu estava inclinada para o outro lado, um braço sobre a minha mãe
de um lado, o outro apertado ao redor de um irmão no meu colo.
Na segunda foto ele está imóvel com um olhar ansioso, mas
com os ombros um pouco curvados, um traço de abandono evidente
em seus lindos olhos. Ele ainda estava inclinado, e eu ainda virada para
o outro lado.
Porém na terceira foto ele tem os braços cruzados, o corpo
ereto. Aquele olhar de “garoto durão” – ou estaria
apenas triste? Eu ainda estava na mesma pose, indiferente ao seu desapontamento.
E foi quando aquilo me atingiu. Eu não tinha percebido nada, o
tempo todo.
Lampejos de outras situações semelhantes me vieram à
mente. Não sentá-lo no meu colo quando ele queria estar
ali. Um seco “Vamos! Hora de se mexer!” seguido por colocá-lo
no chão, sua cabeça ainda aninhada no meu peito. Não
sorrir o suficiente. Não brincar o suficiente. Ser severa, presumindo
o pior quando isso era infundado. Notar seu olhar ferido, mas fazendo
força para não vê-lo. Aqueles anos difíceis
não foram o produto de uma criança difícil. Foram
o produto do meu afastamento.
Chorei ao ver aquelas fotos e fui assombrada por elas durante todo o Shabat
e ainda depois. Meu filho telefonou, como sempre, depois do Shabat, ansioso
por conectar-se e expressar seu amor. Eu fiquei envergonhada por ouvir
a bondade em sua voz. Era mais uma prova de sua inocência, sua doçura…
e minha culpa. Era preciso haver uma conversa, eu sabia, mas teria de
ocorrer pessoalmente.
Cada telefonema parecia forçado. Eu queria tanto falar com ele
sobre a minha epifania, abraçá-lo. Encostar-me nele.
Da próxima vez que ele veio, eu tive a chance. Estávamos
dando um passeio, seu sorriso e sua companhia maravilhosos como sempre
(bem, nem sempre), e segurei a mão dele. Foi uma desculpa emocional.
As fotos, a realidade checada, meu pedido mais profundo e sincero de perdão.
Ele apertou minha mão e olhou dentro dos meus olhos. “Claro
que te perdoo, Mamãe. Não foi culpa sua. Provavelmente eu
não era fácil.” Abraçou-me, mais apertado do
que nunca. Discordei. Balancei. E me encostei.
Uma foto, assim parece, oferece mais que mil palavras. Oferece segundas
chances.
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