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Hoje foi o aniversário
de Sheina.
Esta manhã, antes de ela sair para a escola, eu lhe disse: “Sheina,
hoje é o seu aniversário, e você tem treze anos.”
Ela mostrou-me o número treze na linguagem dos sinais.
“Olhe, você vai ganhar um bolo de aniversário de chocolate,
com flores e creme, do tipo que você gosta.” Ela demonstrou
entusiasmo. “Você vai levar o bolo para a escola e dar um
pedaço para Chris [sua amiga autista].” Ela sorriu. “E
um pedaço para a Sra. Parker [a professora], para Jovanni [a ajudante],
para Maria [sua sombra] e para todos da classe.” Ela assentiu; estava
feliz. Isso era o principal.
E lá foi ela para sua escola especial. Eu me sentei, e fiz algumas
preces adicionais por ela. Perguntei-me se ela chegava a entender o que
é um aniversário, além do fato de ganhar um bolo
gostoso.
Fui então para o meu quarto, fechei a porta e chorei. Chorei –
pois Sheina é diferente. Uma vez por ano, quando tiro o dia para
pensar e refletir sobre o passado, eu choro. Mereço este luxo,
não é? Choro porque aos treze anos Sheina ainda precisa
ser vestida, ainda usa fraldas. Ainda a alimento e dou banho, e isso é
realmente, muito difícil!
Com os olhos ainda molhados, lembrei-me da conversa que tive com minha
nova amiga, Sara, que me pediu para contar os desafios de viver com uma
criança com necessidades especiais. Sem refletir, eu disse a ela:
“Por que você me pediria para contar-lhe sobre os desafios
de viver com uma criança com necessidades especiais? Vá
perguntar a alguém que tenha desafios.”
(Eu estava pensando numa história sobre um homem que perguntou
ao Baal Shem Tov (o primeiro mestre chassídico) como é possível
cumprir a exigência de bendizer a D'us pelas coisas más assim
como fazemos pelas boas, e aceitá-las com alegria, pra começar.
O Baal Shem Tov disse a ele para ir e fazer a mesma pergunta ao seu aluno,
Reb Zusha de Anipoli, e que receberia uma resposta. Ao encontrar Reb Zusha,
o homem observou mais sofrimento e provação do que jamais
tinha visto. Reb Zusha era extremamente pobre, jamais tinha o suficiente
para comer em sua própria casa. Sua família era assolada
com todos os tipos de aflições e doenças, porém
ele continuava bem humorado e alegre.
Quando o homem explicou o propósito de sua visita, Reb Zusha respondeu
com um olhar perplexo: “Acho que deve ter havido um engano. Como
eu poderia saber? O Rebe deveria ter enviado você a alguém
que tenha passado pelo sofrimento.”)
Ora, não me entenda mal. Eu certamente devo ter desafios, conflitos,
mas não necessariamente mais por causa de minha filha especial.
Sempre digo que há “problemas dados por D'us” e embora
tudo venha de D'us, existem “problemas criados pelo homem”
– conflitos, confrontos e problemas que nós criamos.
Dar à luz uma criança “especial” é um
“problema dado por D'us”. Aqueles problemas que simplesmente
aceitamos. Aceitamos sem fazer cálculos. O que mais podemos fazer?
Sheina nos foi dada, simplesmente. Ela é diferente, não
a criança típica à qual estamos acostumados. Porém
sua alma é perfeita; nada pode sujá-la. Não temos
nada a acrescentar.
Quando damos à luz uma criança “normal”, D'us
diz: “Aqui está. Pegue-a e a molde um mentch! Faça
o melhor que puder, molde e oriente.”
E nos esforçamos tanto, sem saber se estamos fazendo o certo, jamais
sabemos como nossos esforços ou decisoes vão afetar esta
criança. Aquilo que funcionou para um não necessariamente
vai funcionar para o outro. Nós nos preocupamos e nos preocupamos
(como se isso ajudasse).
Rezamos e rezamos. E então rezamos ainda mais. Desejamos o resultado
perfeito. Então, que o Céu nos proteja, se a criança
“não sai” como planejamos, não segue o nosso
mapa, sai do caminho… então,, oh, como ficamos devastados!
Ficamos envergonhamos, sentimos que falhamos.
Ora, este é o desafio.
Sheina, por outro lado, já chegou a mim totalmente moldada. Era
alimentação que ela precisava. D'us disse: :Aqui está
essa criança, leve-a para casa e tome um cuidado extra com ela,
pois é especial.”
Portanto sim, embora ela tenha agora treze anos, ainda preciso banhá-la,
alimentá-la, trocar suas fraldas, mas não tenho nenhuma
das preocupações (ou aborrecimentos) com ela que tive com
meus outros adolescentes. Não estou preocupado que ela se misture
com maus amigos ou que chegue tarde em casa. Não preciso me preocupar
que ela saia do caminho.
Sheina é não-verbal – sua limitada comunicação
é feita através da linguagem dos sinais. Não haverá
desaforos saindo de sua boca, nenhum desafio, nada de respostas malcriadas.
Sua alma é pura.
Quando estamos em público, sim, ela fará coisas constrangedoras,
barulhos esquisitos e atrairá a atenção. Porém
a vergonha que sinto não é nada comparada à vergonha
e ao profundo sofrimento que sinto quando meus outros “desafios”
(também chamados de filhos) me desconsideram ou me enfrentam. Isso
é algo pelo qual chorar.
Portanto enxugo as lágrimas, saio do meu quarto e continuo a viver.
Pois estes são os altos e baixos normais da vida. É tudo
parte de Tzaar Gidul Bonim, a angustia que vem com a criação
dos filhos. À medida que eu pensava naquilo, perguntei-me se não
seriam as minhas dores do crescimento…
Portanto se você me perguntar: quais são meus desafios vivendo
com uma criança especial? Eu perguntarei a você quais são
os desafios de levar sua vida “normal”? Serão realmente
menores?
Tentamos dar a Sheina um dia realmente alegre. Ela teve uma festa com
seus pratos favoritos. Cantamos “Feliz Aniversário”
para ela, colocamos moedas extras na tsedaca, lemos algumas passagens
da Torá. A voluntária dela veio e trouxe-lhe um novo esmalte
de unhas, um arco-íris de cores. Ela ganhou um balão e dois
jogos de memória novos.
Sheina ficou feliz. E eu também. Graças a D'us.
Devorah Leah Mishulovin é uma
Engenheira Doméstica, vive em Los Angeles, CA. Em algum lugar entre
a lavagem da louça e roupa, limpando a sujeira, organizando a bagunça,
cozinhando e educando seus filhos – ela desafia os desafios. |