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O Tanya - parte 22

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Atraindo a Luz Divina

Estudar Torá não somente é uma expressão de interesse nas Escrituras, e cumprir mitsvot não é simplesmente um ato simbólico e cerimonial. Dentre seus muitos benefícios está o poder singular que dá a um judeu de atrair Or Ein Sof, a Infinita Luz Divina, à sua alma e ao mundo, quando ele estuda Torá e cumpre mitsvot, como explicam os ensinamentos chsssídicos.

Há muitos e variados níveis nesta Divina Luz. O nível de luz que é atraído por meio do estudo de Torá é diferente do nível de luz que é atraído por meio do cumprimento de mitsvot. E mesmo na categoria de mitsvot, cada mitsvá específica tem sua própria característica, e atrai um único nível e aspecto de luz.

No capítulo cinco do Tanya aprendemos sobre a "distintiva, infinitamente grande e maravilhosa superioridade da mitsvá de saber e conhecer a Torá, acima de todas as mitsvot envolvendo ação, e até sobre aquelas cumpridas por meio da fala." A razão para isso é que quando uma pessoa estuda Torá, "além do intelecto estar sendo envolvido pela sabedoria Divina, [para que a Sabedoria Divina envolva sua alma] a sabedoria Divina também está dentro dele, portanto ele a envolve." Em contraste, cumprir todas as outras mitsvot traz somente um desses dois aspectos – o Eterno, bendito seja, apenas envolve a alma, e a Luz Infinita apenas a envolve a partir de sua cabeça (i.e., os níveis mais elevados das almas) a seu pé (seus níveis mais baixos).

Comida e Roupa

Em vários locais, tanto nas Escrituras quanto nos textos rabínicos, encontramos a Torá comparada ao pão. Esta comparação não é simplesmente uma analogia ou retórica, como poderia sugerir uma leitura simplista dessas declarações. Ao contrário, esta metáfora caracteriza a essência da Torá.

Alimento e roupa são ambos benéficos ao homem, embora obviamente de modos diferentes. Enquanto a comida permeie a pessoa por dentro, infundindo-lhe força vital, a roupa afeta a pessoa de maneira externa, sendo colocada em torno dela. Similarmente, a luz Divina envelopa a alma que cumpre mitsvot e estuda Torá, assim como uma roupa veste a pessoa, ao passo que a santidade da Torá que penetra a mente de uma pessoa e é assimilada em sua compreensão é "alimento" para a alma. A partir daí, podemos concluir que o cumprimento de mitsvot tem uma fantástica qualidade, ao passo que a compreensão da Torá tem duas. É por este motivo que Nossos Sábios declaram: "O estudo de Torá é igual a todas as outras mitsvot juntas", pois as mitsvot são apenas "vestes", ao passo que a Torá é tanto "alimento": quanto "roupa" para a alma intelectual.

Estes "alimento" e "roupa" espirituais servem a alma tanto neste mundo quanto no Mundo Vindouro – mas como eles são revelados para a alma depende do serviço Divino do homem neste mundo. Através da Torá que um judeu aprende em seu mundo a sua alma no Gan Eden merece a revelação de or pnimi, uma habitação, permeando luz que é absorvida e revelada na faculdade de compreensão da alma, análoga à maneira pela qual a comida é absorvida pelo corpo. E através do cumprimento das mitvsot nesse mundo, sua alma merece no Mundo Vindouro uma revelação de or makif, uma luz envolvente que transcende o recipiente, análoga à maneira que a roupa envolve o corpo.

Alimento Espiritual


A Torá, que unida a um homem é chamada "o pão e alimento da alma" por causa do efeito de compreender a Torá na alma, e a maneira que é absorvida na alma, é comparável à maneira pela qual o pão sustenta o corpo, como explicado acima. Ora, o princípio idêntico que se aplica ao pão físico – que nutre o corpo somente depois que a pessoa o digeriu e ele tornou-se parte de seu sangue e carne – também aplica-se à Torá. Somente alguém que "a estuda bem, com a concentração de seu intelecto, até o ponto onde a Torá é assimilada por sua mente e se junta a ele para que se tornem um" – somente numa pessoa assim a Torá torna-se alimento para a alma, e "vida interior para ela, vinda da Fonte da vida…"

Os ensinamentos chassídicos explicam ainda que o efeito positivo do pão no corpo humano pode ser sentido apenas se o pão está adequadamente assado, pois se esta condição não for satisfeita o pão pode causar danos ao sistema digestivo e à saúde em geral da pessoa. E assim também ocorre com o pão espiritual – a pessoa deve aprender como "assar" e "digerir" corretamente a Torá.

Uma pessoa deveria estudar Torá pelo seu próprio mérito, com a intenção de unir sua alma a D’us por meio do entendimento da Torá. Isso pode ser conseguido somente se seu estudo é com "fogo" – ou seja, quando seu estudo de Torá está imbuído com amor e reverência a D’us. Se esta condição não for preenchida, o "alimento" espiritual que a pessoa ingere pode prejudicá-la e fazê-la afastar-se do bom caminho, levando-a para a conduta oposta àquela que a Torá espera.

Os Alicerces da Chassidut

Como foi explicado, o ideal do estudo de Torá é aprender Torá pelo seu próprio mérito – com a intenção de unir sua alma a D’us por meio do entendimento da Torá, cada qual segundo sua capacidade. Uma pessoa pode atingir este nível de aprendizado somente despertando amor e reverência a D’us em seu coração.

Uma das histórias relatadas referente aos eventos na época da conhecida controvérsia entre os chassidim e seus oponentes, servirá para ilustrar este ponto. Depois que o Alter Rebe, o autor do Tanya, foi libertado da infame prisão de Petersburgo onde fora encarcerado sob falsas acusações, ele viajou para encontrar diversas figuras rabínicas importantes, que tinham expressado sua oposição aos Chassidim e à Chassidut, a fim de testá-los e ser testado por eles. Dentre esses rabinos estava uma destacada personalidade, Rabi Yehoshua Tzeitlin. Este apresentou várias questões profundas e complicadas ao Alter Rebe, e todas foram respondidas de maneira exata e completa. Uma dessas perguntas era com que base o autor do Tanya declarava que a pessoa deveria aprender Torá com amor e reverência. "Há uma declaração explícita no Zohar" – replicou Rabi Shneur Zalman – "que afirma que Torá sem amor e temor não pode ascender ao Alto."

"Tomamos decisões legais baseados na Guemará, não no Zohar" – respondeu seu oponente.
"Isso está declarado na Guemará, também" – disse Rabi Shneur Zalman. "No tratado Pessachim o sábio Ravva destaca uma aparente contradição entre dois versículos. Em um lugar está escrito: 'Sua bondade é grande nos Céus'; e em outro local está escrito: "Sua bondade é grande além dos Céus.' Qual a solução desta aparente contradição? O segundo versículo refere-se àqueles que aprendem Torá por seu próprio mérito, ao passo que o primeiro refere-se àqueles que estudam Torá não pelo seu próprio mérito." (Esta explicação pode ser encontrada na obra Biur HaRaNaG).

Sem Errar


Durante Purim do ano 5663, quando Rebe Shalom Dov-Ber Shneersohn (que seu nome seja uma bênção), o quinto Lubavitcher Rebe, estava em Viena, na Áustria, ele disse o seguinte: "Quando uma pessoa estuda Torá pelo seu próprio mérito se une com a Torá a tal ponto que eles se tornam um!" Seu modo de falar é aquele da Torá, e seu intelecto é a sabedoria da Torá. O Gaon de Lublin, Rabi Shneur Zalman (o autor de Torat Chesed, para não ser confundido com Rabi Shneur Zalman, o autor do Tanya) contou-me que quando foi a Lubavitch para ver o Rebe, o Tsêmach Tsêdech (neto do autor do Tanya) no ano 5614, levou consigo um complexo debate que tinha preparado sobre um tópico difícil da Torá, como era seu hábito quando visitava o Rebe. O debate continha diversos pontos de vista novos.

Ao chegar em Lubavitch, o Gaon de Lublin revisou com satisfação seu debate, sabendo que agradaria a seu Rebe, o Tsêmach Tsêdech. '"Quando entrei na presença do Rebe" – relembra o Gaon – "começamos a discutir diversos assuntos de Torá, e apresentei ao Rebe as questões nas quais meu debate se baseava. O Rebe sorriu, e pediu-me para apresentar minha análise, e os novos pontos de vista que eu tinha preparado. Fiquei encantado ao notar que o Rebe ouvia atentamente as minhas palavras.

"Depois, o Rebe me disse: ‘Esta é uma bela peça de aprendizado, com excelentes argumentos lógicos. No entanto, o ponto principal está faltando. O alicerce sobre o qual você baseia todo seu argumento é incorreto. Na verdade, há uma mishná explícita que contradiz sua teoria!’

"Fiquei chocado e desalentado, e perguntei ao Rebe em qual ordem da mishná isso poderia ser encontrado." ‘Kodashim’ – replicou ele. Ponderei toda a ordem por algum tempo, mas minha busca foi infrutífera. "Rebe" – indaguei – não consigo encontrar meu erro. O Rebe poderia, por favor, dizer-me em qual tratado a mishná pode ser encontrada?" "Em Bechorot" – foi a resposta. Revisei rapidamente todo o tratado de cor, mas novamente não pude encontrar qualquer mishná que contradissesse minha posição. "Rebe" – disse eu – "não consigo encontrá-la."

‘Quando o Rebe recitou a mishná e começou a explicá-la, percebi o meu erro. Somente então eu entendi'"– concluiu o Gaon de Lublin – "o que significa estudar Torá por seu próprio mérito! Alguém cuja essência está unida com a Torá, de forma que se tornem completamente um, não pode errar e dizer o que não está escrito!'" (De Likutei Diburim pág. 577).

     
   
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