|
O
Talmud relata:
Disse Rabi Yehoshua, filho de Chanania:
"Certa vez uma criança levou a melhor sobre mim. Estava viajando
e encontrei um menino na encruzilhada. Perguntei-lhe: ‘Qual o caminho
para a cidade?’ e ele respondeu: ‘Este caminho é curto
e longo, e este outro é longo e curto.’
"Peguei o caminho curto e longo, e logo cheguei à cidade,
mas encontrei minha passagem obstruída por jardins e pomares. Voltei
atrás então e disse ao menino: ‘Diga-me, meu filho,
você não falou que este era o caminho curto?’ Respondeu-me
ele: ‘Não falei que este era o caminho longo?’"
Também na vida há um caminho curto mas longo, e um caminho
longo mas curto. No livro Tanya, Rabi Schneur Zalman de Liadi estabelece
os fundamentos da abordagem chassídica à vida. Na primeira
página ele define sua obra da seguinte maneira: "Baseado no
versículo: ‘Pois ela [a Torá e seus preceitos] é
algo muito próximo a você, em sua boca, em seu coração,
de que você pode fazê-lo’ – explicar, com a ajuda
de D’us, como de fato está muito próximo, em um caminho
longo e curto."
A Torá e suas mitsvot são o plano do Criador detalhando
a maneira exata pela qual deseja que a vida seja conduzida.
Mas uma vida profundamente ordenada pela Torá é passível
de ser vivida? O homem comum pode realisticamente esperar ser capaz de
conduzir cada ato, cada palavra e pensamento de acordo com as diretivas
mais exigentes da Torá?
A própria Torá é bem clara a esse respeito: "Pois
a mitsvá que te ordeno neste dia não está além
do teu alcance, nem é remota para ti. Não é no céu…nem
do outro lado do oceano… Ao contrário, é algo muito
próximo de ti, em tua boca, em teu coração, de que
podes cumpri-la." A existência verdadeiramente da Torá
não é um ideal abstrato, mas uma meta prática e tangível.
Mas como?
No Tanya, Rabi Schneur Zalman desenvolve a abordagem à vida da
pessoa integral, na qual a mente desempenha o papel principal e centralizador.
Primeiro, ela deve estudar, compreender e meditar sobre as verdades da
existência: a realidade e essência envolvente que é
D’us; a raiz e composição da alma e sua ligação
íntima com o Criador, a missão do ser humano nesta vida,
e seus desafios – tanto externos como internos – que se ampliam
até ele. Como estes conceitos são extremamente sutis e abstratos,
a pessoa deve trabalhar sua alma e corpo a fim de harmonizá-los
a serviço de D’us e do equilíbrio necessário
para desempenhar sua verdadeira função.
Então, por causa da superioridade inata da mente sobre o coração,
o entendimento e a assimilação destes conceitos Divinos
forçarão unilateralmente o desenvolvimento das emoções
apropriadas no coração: o amor e reverência a D’us.
O amor a D’us é o desejo voraz de apegar-se a Ele e unir-se
à Sua essência. A reverência a D’us suscita uma
profunda abominação por tudo aquilo que violar Sua vontade
e por isso levanta barreiras entre Ele e o homem. Neste caso, quando a
pessoa orientar a mente e coração na observância dos
preceitos da Torá, esta se tornará sua segunda natureza.
Anseia pelo cumprimento das mitsvot com cada fibra de seu ser, sabendo
que são a ponte entre ele e D’us; os únicos meios
pelos quais pode conectar-se a Ele. E qualquer transgressão da
vontade de D’us, não importa quão atraente pareça
a seus olhos, é literalmente revoltante para ele, pois destrói
sua relação com D’us e corre em sentido contrário
ao seu próprio íntimo.
Mas a pessoa poderia perguntar: por que passar a vida inteira perseguindo
este regime exigente?
O que devo entender e sentir? Por que não buscar a abordagem direta
– abrir os livros e seguir as instruções? Sou um simples
judeu, poderá ele dizer, e a obtenção de estado tão
elevado como a "compreensão do Divino", "amor a
D’us", e "reverência a D’us" estão
além do meu alcance.
Conheço a verdade, sei o que D’us quer de mim – a Torá
proclama os "sims" e "nãos" da vida de modo
bem claro. Tenho uma natureza material e egocêntrica? Tenho uma
inclinação inata para desejos maus e auto-destrutivos? Irei
controlá-los. Minha fé, determinação e força
de vontade farão este trabalho.
Este, entretanto, é o caminho curto, mas longo. Assim como a linha
reta que aproxima a distância entre dois pontos, o caminho que parece
o mais apropriado e curto para a cidade na verdade acaba por nos conduzir
a uma rua sem saída. Esta é a analogia sobre a primeira
rota escolhida por Rabi Yehoshua que aparentemente parece levar direto
à cidade – só que de alguma maneira, não o
faz. Esta é a trilha de um conflito sem fim, a cena do constante
duelo entre a egocêntrica alma animalesca do homem e sua alma Divinamente
orientada ao mais elevado. Na verdade, o homem recebeu o livre arbítrio
e a fortaleza de caráter necessários para enfrentar todos
os desafios morais; mas a possibilidade de falha, D’us não
o permita, também existe. Não importa quantas vezes triunfe,
o amanhã trará sempre outro teste. Na estrada curta e longa
a pessoa pode vencer batalha após batalha, mas nunca há
uma vitória decisiva.
Por outro lado, o caminho longo mas curto é cheio de curvas, escarpado,
tedioso e longo como a própria vida; está repleto de altos
e baixos, recuos e frustrações, exigindo cada partícula
de energia espiritual e emocional. Porém é uma estrada que
conduz, firme e seguramente, ao tão sonhado destino, quando a pessoa
finalmente adquire uma aptidão e gosto intelectual por D’us,
desenvolvendo um desejo somente pelo bem e rejeitando o mal. A guerra
foi ganha: a pessoa transformou-se em alguém para quem cada pensamento,
cada ação está naturalmente afinado com seu verdadeiro
propósito na vida. |