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Quando
se entra numa casa na véspera de Shabat, pode-se ver como uma moradia
é transformada num santuário. A mesa sobre a qual se colocam
os pães brancos do Shabat e as velas ardentes evocam o Templo Sagrado,
com sua menorá e seus pães da proposição.
A mesa em si é um lembrete do altar no Templo, pois comer poderia
e deveria tornar-se um ato de sacrifício. Em outras palavras, o
relacionamento entre o homem e o alimento que consome, como está
expresso na intenção por trás de comer, corresponde
à conexão cósmica entre o material e o espiritual,
como foi expresso por todo sacrifício no altar.
A consagração do Kidush está conectada com a ingestão
de vinho, que por sua vez está associada com os sacrifícios
de vinho do Shabat no Templo Sagrado. As velas acesas pelas mulheres da
casa enfatizam a luz do Shabat, a santificação do dia, e
a tarefa especial da mulher como representante da Shechiná (Presença
Divina) de Malchut (reino).
O Shabat está conectado com a Divina manifestação
na Sefirá de Malchut, que representa a Shechiná e também
a totalidade, o receptáculo que absorve tudo aquilo que ocorre,
e está também ligado com a primeira Sefirá, a Coroa.
Portanto, a qualidade da véspera do Shabat, que é a soma
da obra e eventos no tempo, pode também ser uma preparação
para a manifestação do Shabat como a coroa e início
do tempo. A Sefirá de Malchut, ou a Shechiná, representa
o Divino poder como manifestado na realidade, operando numa infinita variedade
de maneiras e meios. Possui setenta nomes, cada qual expressando um outro
aspecto, uma outra face desta Sefirá toda abrangente. Pois Malchut
é a sétima das Sefirot inferiores e, como a última,
também inclui em si todas as dez; em outras palavras, expressa
todas as (dez) Sefirot, cada uma em sete diferentes formas; portanto,
setenta é o número chave da revelação da noite
devotada a Malchut e à Shechiná que Malchut representa.
O
que é o equivalente em todas as manifestações da
Shechiná é que cada uma representa um determinado aspecto
do feminino. Conseqüentemente, os símbolos e o conteúdo
da véspera do Shabat são sempre orientados para o feminino,
com ênfase na mulher em seu aspecto universal, bem como em termos
da família judaica.
Como parte da preparação para a cerimônia do Kidush
(consagração), os membros da família cantam ou recitam
a canção de louvor para a "mulher de valor" (Mishlê
31:10-31). A canção, com seu louvor para a mulher, a mãe,
o alicerce do lar, tem na véspera do Shabat uma dupla conotação,
como elogio para a senhora da casa e como glorificação da
Shechiná do Malchut que é, num certo sentido, a mãe,
a fundação do mundo real. Depois disso segue-se a cerimônia
do Kidush em si.
A taça do Kidush simboliza o recipiente por meio do qual, e no
qual, vem a bênção. O valor numérico da palavra
hebraica para taça, kos, é o mesmo que aquele do nome de
D’us, Elokim, que expressa a Divina revelação no mundo,
na natureza, na lei. E dentro da taça é derramada a fartura,
o vinho, cujo valor numérico é setenta, o número
da véspera do Shabat. Após completar o copo, que agora é
o recipiente da consagração contendo a Divina plenitude,
ele é colocado na palma da mão direita de tal maneira que
o copo, apoiado pelos dedos levantados, se assemelhe ou evoque uma rosa
de cinco pétalas. Pois um dos símbolos de Malchut é
a rosa. E a taça de vinho, expressando assim também a Shechiná,
fica no centro da palma e é apoiada pelos dedos – pétalas
da rosa.
A prece do Kidush é composta de duas partes. Tem início
com as palavras da Torá (Bereshit 2:1-3), onde o Shabat é
mencionado pela primeira vez, e então continua até a segunda
metade, que é uma prece composta pelos sábios especialmente
para o Kidush e na qual vários significados do Shabat são
poética e precisamente declarados. Entre as duas partes, há
a bênção do vinho, ou fruto da videira. Em cada uma
destas duas partes há exatamente trinta e cinco palavras, juntas
perfazendo setenta, o número da véspera do Shabat. Na primeira
seção, o Shabat é tratado como o dia da somatização
e cessação da Criação, como o dia de repouso
de D’us.
A segunda seção, selecionada e determinada pelos sábios,
expressa o outro lado do Shabat, a imitação de D’us
por parte de Israel. Há primeiro a declaração "Bendito
sejas… por cujos mandamentos somos santificados," o que equivale
a dizer que a mitsvá é uma maneira de atingir um nível
de santidade, um caminho para D’us. Depois disso, a prece fala da
escolha de Israel, como uma conseqüência pela qual Israel,
mais que todas as outras nações, assume a tarefa de continuar
o ato da Criação e sua seqüência de repouso e
santidade.
Menciona-se então o êxodo do Egito, como na versão
dos Dez Mandamentos em Devarim (5:15).
O Shabat, proclamado como o dia de descanso do trabalho, evoca o tempo
da escravidão no Egito e é comparado ao ato Divino de libertação
do cativeiro, e a concessão da salvação. Portanto,
o Shabat é também o dia semanal de celebrar a libertação
e o êxodo do Egito, bem como o conceito de salvação
que, como o último no tempo, é o Shabat do mundo.
E pela ênfase na Divina escolha e amor e pela necessidade de entender
a obrigação do homem para com D’us de continuar e
criar e elevar-se acima e além da criação até
o repouso do Shabat, o Kidush conclui com a relação do povo
judeu no Shabat, e assim fecha o círculo da relação
entre D’us e o homem.
Após recitar o Kidush, aquele que realizou a cerimônia bebe
do copo, desse modo participando naquela comunhão do físico
com o espiritual, que é a essência de todo o ritual. E do
mesmo copo bebem todos aqueles reunidos à mesa. Assim, todos participam
no significativo ato de introduzir o Shabat, representado pelas flores
da rosa, que é o copo da redenção do indivíduo,
da nação e do mundo como um todo.
Rabi Adin (Steinsaltz)
Even-Yisrael foi elogiado pelo Times Magazine como "um erudito que
surge uma vez em um milênio." Mais de dois milhões de
exemplares de seu Talmud Steinsaltz foram vendidos em todo o mundo. É
erudito residente em Yale e Princeton, e em 1988 foi agraciado com o Prêmio
Israel, a mais alta honraria do país. |