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  Mais um judeu em Crown Heights, Brooklyn, NY – Kinus 2008
  Por Michel Rosenthal Wagner
  E-mail tem destas coisas .... de repente um dia desses paracadeou uma mensagem me convidando para participar do Congresso do Movimento Chabad-Lubavitch em novembro do ano passado. Veio acompanhada de palavras intrigantes... “É algo indescritível onde 5.000 se reúnem para debater o contexto mundial”, e ainda, “Você poderia ficar hospedado na casa dos meus sogros”.

Fiquei pensando, pra quem já esteve em Uman em Rosh Hashaná onde se reuniram 28.000 chassidim no interior da Ucrânia... mais um belo festival judaico. Mas esta oportunidade de conhecer o Brooklyn intimistamente, e estar junto a 5.000 cabeças notáveis, rabinos, estudiosos, lideres comunitários ... se cada um desenvolve uns 5 projetos, 25.000 histórias reunidas em um final de semana? Como negar? Impossível, lá vamos nós para mais esta grande oportunidade.

E mais algumas palavras ...

“Michel, não devemos desmerecer o estudo, pois é isso que permite a avodá coerente e sincera... o Talmud na sua lógica brilhante quando questionado sobre o que é mais importante, se o estudo ou o trabalho... concluí o Talmud – maior é ele que provoca o trabalho... o livro Tanya aborda também que o estudo é comida e vestimenta, enquanto as mitsvot são somente vestimentas ... o importante é você estar estudando ...” – Parabéns.

Após uma longa viagem, cheguei a noitinha na Rua Montgomery e encontrei o anfitrião. Conforme combinado agradeci, como agradeci momento a momento esta grata aventura delicada e profunda: “Mendel Begun, estou chegando aqui como se estivesse indo a outra Ucrânia, obrigado!”

Estas viagens sempre dão uma sensação de sair do mundo e entrar em um mundo dentro deste mesmo mundo, por uma nova porta.

Casas uma ao lado da outra, tijolinho a vista, pequenos jardins, cheias de quartos. Entrei na casa dos sogros de meu anfitrião e rapidamente fui apresentado à Shviger [sogra], que por sua vez colocou café com leite e bolo na mesa, com aquela preocupação que conhecemos bem. Senti-me em casa ... Conversamos um pouco, me levou na casa de uma vizinha onde em um pequeno quarto, com porta para a varanda, eu ficaria hospedado por alguns dias.


Michel, Shaya e Rabino Noach Gansburg,
Rabino Mendel Begun
Encontrei toda a família: esposa, marido, suas três filhas e o futuro marido de uma delas. Ambos viúvos, casaram-se: ela com 4 filhos, ele com 6 e tiveram mais uma agora em torno de 9 anos. Falamos de educação e é interessante ponderar que se aqui três é uma multidão, em outras casas 11 é uma população. David é filho de um educador em Jerusalém, que lhe recomendou, justamente quando a maioria deles era adolescente, que simplesmente tivesse paciência, paciência ativa como fala o Pirkê Avot, e fosse criando-os. Sem polianismo, mas com realidade.

De fato a beleza está sempre nos olhos de quem vê e cada um tem sua história. Esta viagem teve um aspecto de intercâmbio ao ficar em casa de família.

Os lugares me parecem bagunçados, labirínticos, um caos que segue uma lógica própria, e que me fez lembrar a primeira aula de filosofia do direito. Aprendemos que uma desordem não é mais que uma outra ordem sob a ótica do outro. Meu avô já dizia: cada um cada um.

Nestes dias, momento a momento, muita gente, muitas casas, casais com 6, 8, 11 filhos, sobrinhos sem conta, todos se perguntando se conhece ou não outros tantos e tantos, um network sem igual. Todo mundo meio parente, todo mundo tendo vivido uma experiência muito próxima na adolescência e juventude, todo mundo um tanto idealista. “Aqueles que já choraram juntos, nunca serão estranhos uns aos outros.” (Bialic).

O rito alimentar a todo o momento; todas as receitas conhecidas; tantos rituais diferentes. Chega-se a fazer mais de uma vez alguma refeição. Nova York é um festival de comida casher, e pra quem não tem muita opção aqui ... lá é um banquete contínuo, hoje em dia consumido por muitos não judeus pela saúde que representa.

O desapego é uma condição - você é você - um punhado de roupas mais o que carrega dentro de si, estuda, e o que realiza. Muito interessante, mesmo.

Nas paredes da intimidade de cada casa, muitos livros, fotos das famílias, do Rebe, gerações, dinastias ... Nas ruas idosos desfilam seu cordão de netos, e ao perguntar quantos: “Ainda não o bastante...”

Nova York é repleta de nichos que pelas vias públicas interagem magicamente. Coloridos e culturas diversas, uma cidade cosmopolita.

Passeio no Central Park e ao passar pelo hall do luxuoso hotel, Plaza, caí numa roda onde se discutia e se programava um evento para interagir o olhar jurídico americano com o direito mosaico, “The Institute of American & Talmudic Law” com a Suprema Corte Americana. Os Estados Unidos, de longe, são mestres em eventos.

Aqui e ali mais e mais gente. Tem uns que se dedicam fundo ao estudo, muitos outros ao trabalho de sheliach [emissário]. Outros vão para “parnassá” [sustento], preservando fielmente as práticas religiosas.

Tem o Museu do Holocausto, bem menor que o Yad Vashem de Jerusalém, mais abrangente no período histórico, do antes da guerra até o quase ontem. Meu anfitrião é um verdadeiro papaléguas ..., apelidei-o de “Doble V”, ou em idish “Doble K”, o tempo todo divertido: “Vem, vamo; vem vamo”, “kim shoin, geit shoin”. Falta sempre tempo para quem veio nesta vida a trabalho.

Sou um cara sem barba, sem chapéu – traje uniforme desta maioria. Não chego a ser considerado um igual, apenas um próximo, muito próximo, bem recebido.

Os chabad permaneceram em Crown Heights, perto da casa e da sinagoga do Rebe, o restante migrou para áreas circunvizinhas. Tem outro bairro judaico, Boro Park, cheio de gente, e lojas de produtos religiosos, um shuck americano.

Vem chegando o shabat, e a sinagoga grande está repleta de gente, talvez mais de 2.000 pessoas, de todos lugares do mundo. Para quem conhece a termo idish shtipsach, sabe do que estou falando. Como nos cerimoniais chabad daqui, canta-se e dança-se animadamente.

Jantamos juntos, e também no dia seguinte o entra e sai de gente das casas é constante. Se visitam, convivem naturalmente Novamente sinagoga, shacharit, minchá e maariv. Almoço junto com outras mais de 2 mil pessoas, desta vez em uma mesa de brasileiros.

No outro dia cedo, com o Mendel e seu filho Moishe, fomos ao ôhel, túmulo, do Rebe. Pela primeira vez passei por um Mikvê, e para quem gosta de cachoeiras e rios, dá para entender o sagrado deste rito. Todos colocaram tefilim, cada um escreveu uma carta que assinou por toda família, nos dirigimos ao túmulo (muito simples, e isolado dos demais), rezamos alguns tehilim, picamos o papel e jogamos nossos agradecimentos, pedidos e perguntas sobre o túmulo.

Encontrei David que me mostrou de que forma está aprendendo a escrever mezuzot em sua formação para Sofêr, e a dificuldade inerente a fazer perfeito. Cada um tem um estilo e ele deve atingir a perfeição dentro de seu estilo. Ser bom nisso significa fazer todas as letras, suas, com seu estilo, idênticas. Disse que está aprendendo com o melhor professor e que deve levar de 2 a 3 anos para atingir este estágio ... Entendi o valor deste trabalho.

Banho, roupa limpa e fomos para o banquete do Kinus finalmente, o momento maior.

No caminho, em uma van foram passando o DVD da vida do Rebe. O lugar realmente, de longe muito maior do que eu imaginava, umas 2.500 pessoas, (nem sei ao certo, mas não menos), jantar ótimo, mesas de 10. Gente de todo o mundo: Rússia, Europa toda, Índia, Ásia em geral, Estados Unidos e América do Sul. Incrível a malha, e como disse o Avraham Steinmetz, aqui há uma força transformadora do mundo. Praticamente cada um, em uma cidade diferente.

Passaram filmes das atividades em realização, um networking sem igual. O Orkut e o face vieram muito depois da criação deste sistema, que usa fortemente a web para se comunicar, atualmente.

Para os Shluhim uma sensação de pertencer sem igual mesmo, alegria chabadnica. Teve uma hora que todos se levantaram e dançaram em círculos e trenzinhos, incrível, sem fim, sem começo, 100/200 em cada roda, 200/300 em cada cordão .... O Rebe realmente logrou construir uma rede mundial que mesmo em sua ausência, desde 1994, o trabalho caminha e cresce sem uma liderança central. As pessoas se conhecem, todos estudaram em Yeshivot várias, e reencontram gente com a intimidade de quem passou os anos dourados juntos, morando todos com gente da mesma idade, enfrentando as dificuldades da adolescência e juventude juntos. Tudo branco e preto, absolutamente colorido, maravilhoso.

Vários discursos partindo do intimista, indo ao coletivo, tocando cada coração individualmente. É dado o valor para cada mitsvá, para cada judeu, e recomendado que se construa cada um sua rede um a um, devagar e consistentemente. O Rebe dizia que não é preciso focar nas massas, se cada um conseguir um grupo de 10, e cada um dos 10 outro grupo de 10, com o passar dos anos se monta uma malha muito grande mesmo, e este fenômeno é possível se sentir em cada sorriso, em cada lágrima.

O Rebe fazia uma analogia do homem com uma vela: a parafina o corpo, o pavio a alma. Para acender o pavio e se transformar em vela acesa emitindo luz, cada um tem que encontrar seu fogo e acender a alma, e o objetivo maior de almas, resgatar suas vidas, e iluminar o mundo. Em cada mesa havia uma vela acesa.

Contaram várias histórias – parábolas. Enfim, depois houveram outros discursos enaltecendo a função social, pessoal individual, e coletiva para com a sociedade. Pessoas que falam muito bem. Várias outras histórias enaltecendo o trabalho destes lideres comunitários e afirmando, que a postura deve ser sempre, “Se não eu quem, se não agora quando?” (Pirkê Avot).

Enalteceram o ânimo dos shluhim, mesmo com a crise mundial financeira.

Encontrei o Rabino Noah aqui de S. Paulo. Alegria.

Encontrei o Eliyahu e conheci sua família, o que me deixou muito feliz. Seu pai é um homem destes grandes, com muito brilho. Enfim, uma experiência sem igual. Eu sinto que este trem perdi, certamente e não há porque sofrer, e nas palavras do Mendel, o que importa é o caminho e não o onde se está.

Voltei, passei na casa dos sogros do Mendel, e as mulheres assistiam tudo pelo site. A sogra me disse que em fevereiro haverá o kinus das mulheres, um pouco menor, no Marriot, e que tratará do trabalho feminino, muito valorizado na sociedade dos casamentos das famílias chabad. Todos os símbolos estatísticos do congresso mostram famílias. Ao que tudo indica, famílias de rabinos produzem vários rabinos, famílias de educadores produzem vários educadores, e outros vários vão mundo afora em busca de parnassá, sustento, porém com o espírito atado ao divino.

Até a casa tem um colorido melhor, já me acostumei com isso agora e faz sentido ter vivido esta experiência também.
 

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