Uma perspectiva filosófica
  Por J. Immanuel Schochet
 

A cobertura para a cabeça é parte da vestimenta masculina. Seria útil primeiro considerar a origem e significado da veste humana em geral, antes de discutir a questão de cobrir a cabeça.

Segundo a opinião de muitos cientistas, a vestimenta humana originou-se por dois motivos: a) como uma proteção contra as condições climáticas (calor, frio, chuva, etc.), e subseqüentemente também para b) propósitos decorativos.

Numa investigação mais profunda, no entanto, poderia parecer que esta opinião "científica" é bastante questionável. Tendo em vista que o berço da raça humana foi um lugar onde as condições climáticas eram ideais, e mesmo assim as roupas eram usadas naqueles dias, o motivo do clima não parece aceitável.

Segundo a Torá, as roupas têm uma origem bem diferente. Somos informados pela Torá (Bereshit, cap. 3) que quando os primeiros seres humanos, Adam e Eva, foram criados, eles não precisaram de roupas e não "estavam envergonhados". Porém depois de seu pecado com a Árvore do Conhecimento, "eles souberam que estavam nus", e prepararam roupas para cobrir o corpo.

Esta mudança radical de comportamento nos primeiros seres humanos é explicada por Maimônides (Guia dos Perplexos, parte I, cap. 2). Sua explicação é citada na literatura Chabad, que lança mais luz sobre o assunto. Em resumo, é isso:

O homem foi criado todo bom, sem qualquer mal dentro dele. Não tinha más inclinações nem conhecia a tentação pelos prazeres físicos. Conseqüentemente, todos os órgãos e partes do corpo eram iguais para ele, cada qual desempenhando sua parte no cumprimento da missão Divina do homem nesta terra. Em sua pureza de mente, o sentimento de vergonha era alheio a ele. Assim como não haveria motivo para ter vergonha de ensinar a Torá para alguém, um ato que é comparado a gerar espiritualmente um filho, também não haveria motivo para ter vergonha de gerar um filho fisicamente, pois aqui, também o homem estava cumprindo a ordem Divina de "Dêem frutos e se multipliquem". Nos dois casos, a indulgência no prazer físico foi deixada de lado, havendo apenas uma consideração: o cumprimento da vontade Divina.

Depois do pecado com a Árvore do Conhecimento, nasceu no homem a consciência do prazer físico, do qual ele antes não era cônscio, quando seu ser espiritual predominava totalmente. O bem não era mais puramente bom em sua mente contaminada. Ele viu que determinadas partes do corpo estavam mais diretamente associadas com a sensação de prazer físico. A exposição daquelas partes do corpo agora provocava nele uma sensação de vergonha por dois motivos: primeiro, porque estas partes do corpo eram um lembrete da humilhante queda do homem ao poder da luxúria, e segundo, porque elas eram uma fonte de tentação. Por estes motivos, o homem sentiu vergonha de sua nudez e desejou cobrir o corpo.

Sob este ponto de vista, poderia parecer que esta sensação de vergonha não se aplica à cabeça, a base do intelecto, o bem mais elevado do ser humano, que o distingue das espécies inferiores de animais. Pois não é o intelecto o zênite de toda a criação?

De fato, o homem que pensa que não há nada mais elevado no universo que o seu intelecto consideraria uma contradição cobrir a cabeça, a base de seu intelecto, seu orgulho e bem mais valioso.

No entanto, o homem que acredita em D’us tem uma concepção diferente do status humano. Sabemos que apesar da capacidade do homem, ele é um ser muito humilde; percebemos que o intelecto, infelizmente, longe de nos afastar da tentação, com freqüência é influenciado por ela, e age como um acessório. Mesmo aquele que não pertence a esta categoria, mesmo assim sente vergonha pela insignificância do intelecto perante o Divino.

Portanto, não apenas as partes inferiores do corpo são testemunhas da queda do homem, mas até a cabeça, que abriga o intelecto, e talvez mais ainda. Eu digo "mais ainda" porque a falha do intelecto é a maior falha do homem. Pois embora uma criança imatura talvez não seja plenamente responsável por suas ações, a pessoa adulta não tem desculpa. Assim é no que tange às próprias faculdades do homem: a falha do mais elevado é a maior falha.

Quanto mais alguém está consciente de sua responsabilidade intelectual, maior deve ser a sensação de vergonha quando não consegue cumpri-la. O intelecto e o conhecimento, longe de darem ao judeu uma sensação de orgulho, lhe dão um senso de humildade, pois foram dados a ele por D’us com propósitos elevados e sagrados. Se ele não corresponde plenamente a estes propósitos, o homem médio deve ficar repleto de vergonha. Mesmo o homem justo não pode se livrar de uma sensação de vergonha, pois, sendo mais consciente da presença de D’us, cada passo intelectual à frente o aproxima mais da percepção de quão insignificante é seu intelecto na presença do Infinito. Pois "o ponto culminante do conhecimento (no conhecimento de D’us) é perceber aquilo que não sabemos."

Assim, nossa atitude de cobrir a cabeça, sempre, é uma demonstração de nossa percepção de que existe algo que está infinitamente acima de nosso intelecto, e simboliza nossa humildade e senso de vergonha na presença de D’us (Yirat Shamaim).

Algumas leis sobre cobrir a cabeça


1 – Não se deve caminhar com a cabeça nua (a distância de) quatro cúbitos.

2 – Atualmente existe uma proibição adicional, não apenas de caminhar uma curta distância, mas até mesmo sentar dentro de casa sem cobrir a cabeça.

3 – A kipá deve ser usada até quando se estiver dormindo à noite.

4 – Crianças pequenas devem ser criadas cobrindo a cabeça.


Notas:
1 – Shulchan Aruch Orach Chayim, final do capítulo 2.
2 – Mogen David (TAZ) um dos principais exponentes do Shulchan Aruch, e um dos Poskim Achronim (últimos codificadores), Shulchan Aruch, Orach Chayim, cap. 8.
3 – Shalô, citado na Mishná Berura, comentada no Shulchan Aruch.
4 – Mogen Avraham, um dos principais exponentes do Shulchan Aruch, e um dos Poskim Achronim, Shulchan Aruch, Orach Chayim, final do cap. 2.