|
RESPOSTA:
Por
Tzvi Freeman
Isso é discutido em vários locais no Talmud e Midrash. Não
apenas Avraham, Yitschac e Yaacov, mas também Nôach e até
Adam conheciam a Torá. Quanto a Nôach, a própria Torá
escreve claramente que D’us disse a ele para colocar na sua arca
"do animal ritualmente puro (tahor), sete." Aparentemente, ele
deveria saber por si mesmo que os porcos não são ritualmente
puros e as vacas são.
O que era a Torá antes de nos ser dada?
A Torá é a sabedoria Divina, como Ele Se considera, como
Ele nos considera e como Ele considera Seu mundo. Contém a sabedoria
com a qual Ele criou o mundo e o governa.
Pense sobre um roteiro que um produtor escreve antes de desenvolver um
videogame ou algum produto similar. A Torá contém exatamente
isso (e muito mais1). Cada uma das almas elevadas que mencionamos
foi capaz de chegar à percepção em sua sabedoria
e por meio dela conhecer os segredos mais recônditos do universo.
Moshê era especial em diversos aspectos. Antes de mais nada, era
capaz de enxergar toda a Torá com uma visão clara e cristalina.
Além disso, Moshê foi incumbido de levar esta Torá
a todo o povo, para que cada indivíduo pudesse receber a Torá
inteira, como ele recebera, cada um em seu próprio nível,
para todas as gerações.
E ainda, no Monte Sinai a Torá não era mais apenas uma sabedoria,
mas uma ordem. Até então, cabia ao indivíduo decidir
se queria ou não praticá-la. A partir daí, todo judeu
adulto tornou-se responsável pelo cumprimento da Torá.
Portanto, voltemos à sua pergunta: Isso significa que todos aqueles
indivíduos esclarecidos viram suas vidas inteiras mapeadas à
sua frente? Yaacov, por exemplo, viu na Torá toda a história
de Yossef sendo jogado num fosso e vendido como escravo pelos irmãos?
Yitschac viu que Essav tentaria matar Yaacov?
Rabino Yeshaya Horowitz (1560-1630), conhecido como "O Shelah"
discute este ponto em sua obra clássica, Shnei Luchot HaBrit.2
Ele nos dá a seguinte resposta, baseada nas palavras de Rabi Moshê
ben Nachman (Nachmânides, 1194-1270): Como a Torá existe
nos reinos espirituais, tem mais de uma aplicação. Afinal,
a Torá não é apenas o conhecimento e sabedoria de
D’us – é Sua vontade e desejo interior. Como este desejo
se manifesta neste mundo depende de muitas coisas. Se, por exemplo, o
povo judeu não tivesse tolerado a adoração a um bezerro
de ouro em seu meio 40 dias após ter ouvido os Dez Mandamentos,
não teria havido necessidade de um Tabernáculo. Cada um
de nós teria sido um templo perfeito para a Shechiná (a
Divina Presença) e a Divindade teria habitado a terra de maneira
muito mais simples.
Se, por outro exemplo, os espiões tivessem voltado de sua incursão
a Canaã e discutido assuntos com Moshê e o deixado fazer
o relatório, teríamos entrado na terra sob a liderança
do próprio Moshê, e a Era de Mashiach teria começado
ali e então – com Moshê sendo o redentor final.
Porém o povo judeu escolheu uma maneira diferente de canalizar
a Vontade Divina. E assim ocorre com toda situação de livre
arbítrio que recebemos: nós escolhemos como a vontade Divina
será canalizada em nosso mundo.
Portanto aquilo que Adam, Nôach, Avraham, etc., sabiam, contemplaram
e estudaram foi a Vontade e a Sabedoria Divinas Eles a conheciam, eles
a ensinaram e conduziram suas vidas de acordo com ela. O que eles não
sabiam – e Moshê sabia – foi como a Vontade e Sabedoria
Divinas seriam realizadas no plano material. Porque aquilo ainda não
tinha acontecido.
Rabi Horowitz não escreveu isso, mas poderia parecer, tendo em
vista aquilo que ele e muitos outros têm escrito, que a suprema
aplicação da Torá é aquela que temos aqui,
neste mundo. Em outras palavras, como as coisas terminaram é apenas
como Ele as tinha planejado. Somente que isso tinha de ser trazido até
a realidade assim, através de nosso livre arbítrio.3
Por exemplo: O Midrash de Rabi Tamchuma4 contém uma
pungente descrição de como Adam, ao ser banido do Jardim
do Éden, acusa D’us de ter planejado tudo aquilo, desde o
início. Sua prova? A Torá contém todas as leis de
impureza ritual pertinentes a um corpo humano. "Portanto está
em Teu plano que haja morte no mundo" – Adam acusa a D’us.
"Tu desejavas que a morte existisse!"
A questão é: Adam não percebeu isso antes, quando
ele originalmente aprendeu este conceito na Torá? Portanto devemos
responder que sim, ele sabia que haveria morte. Porém isso poderia
ter acontecido de muitas maneiras. Agora ele descobre o que fora o Plano
Divino – que ele surgiria por intermédio de sua própria
vontade. A essa altura, Adam entendeu profundamente a Torá.
Portanto, a suprema Torá é a Torá que Moshê
escreveu no período de quarenta anos no deserto5: a
implementação real da Torá em nosso mundo. Esta Torá
foi distinta da Torá conhecida pelos Patriarcas, porque esta Torá
na verdade aconteceu. E esta é a Torá que está conectada
com a própria essência da sabedoria Divina que é uma
com Ele.
Como dizem os mestres cabalistas: "O mais elevado encontra sua suprema
expressão no menos elevado."
Notas:
- veja o Tanya, volume
5 (Kuntres Acharon), pág, 160, onde Rabi Zalman de Liadi explica
que este aspecto da Torá como fonte original de todo detalhes
da existência é apenas um aspecto externo. Em relação
à Torá essencial, todos os mundos criados são absolutamente
nada.
- Toledor Adam, Beit
HaBecjira 4.
- Sobre este e os
conceitos seguintes, veja: Likutê Sichot vol. 5, pág, 66,
incluindo os rodapés e as referências. E também
Kuntress Yud Shevat 5751, especialmente da seção 7 em
diante.
- Parashá
Vayêshev.
- Existem na verdade
duas opiniões citadas no Talmud (Gittin 60a): Uma que Moshê
escreveu rolo por rolo
à medida que acontecia e então, ao final dos quarenta
anos, ele costurou todos os rolos juntos. A outra é que ele simplesmente
escreveu tudo de uma vez ao final dos quarenta anos. Até então,
tudo foi ensinado oralmente, Veja Nachmânides no prefácio
a seu comentário sobre a Torá para uma discussão
mais completa.
|
|