Gêmeas siamesas  
   
  Uma separação inevitável: o que diz a Torá
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Acompanhei o desfecho do caso das gêmeas siamesas na Inglaterra e fiquei perplexo. Uma decisão que envolveu a sociedade e especialistas e que causou grande polêmica no mundo inteiro. Mary e Jodie, as irmãs siamesas de Manchester, nasceram ligadas pelo baixo-abdômen. Mary que nasceu sem coração ou pulmões mantinha-se viva através da irmã, Jodie. Os pais, católicos fervorosos, acreditavam que o destino de ambas deveria ser decidido unicamente por D'us. No entanto, a Superior Corte Britânica e a Corte de Apelação consentiram e uma complexa cirurgia foi realizada dando opção de vida à Jodie; a única a ter uma boa chance de sobrevivência, sacrificando Mary. Gostaria de saber qual é a visão da Torá e se há casos como estes descritos em alguma de nossas Sagradas Escrituras.

     
 

RESPOSTA:

Assuntos desta complexidade não são novos para a Lei Judaica. Um caso de gêmeos siameses é mencionado pelo Talmud (Menachot 37a), e mais recentemente, o ilustre Rabino Moshe Feinstein usou fontes talmúdicas para apresentar uma regra clara e inequívoca a respeito deste caso.

Em 1977, siameses recém-nascidos foram levados ao Hospital das Crianças da Filadélfia, onde o Dr. C. Everett Koop, que mais tarde tornou-se Cirurgião Geral dos Estados Unidos, era na época o Chefe de Cirurgia do hospital.

Rabino Dr. Moshe Tendler recorda-se desta cena em 1977:

"Quando a equipe de profissionais estava aguardando a decisão de Rabino Feinstein, e na verdade expressando impaciência com o correr do tempo, que interferia significativamente com sua vida pessoal e profissional, Dr. Koop acalmou o grupo com a seguinte declaração:

"'A ética e a moral envolvidas nesta decisão são muito complexas para mim, e creio que para os senhores também. Por isso, procurei um velho rabino Lower East Side de Nova York. É um notável erudito, um santo homem. Ele sabe como responder a tais questões. Quando ele se pronunciar, então saberei.'

"Rabino Feinstein perguntou aos médicos: 'Como pretendem realizar a cirurgia?'

"Disseram-lhe: 'Salvaremos o bebê A, e mataremos o bebê B.'

"Perguntou então Rabino Feinstein: 'Poderiam reverter o procedimento e conseguir os mesmos resultados? Quero dizer, poderiam usar os órgãos disponíveis para salvar o bebê B, ao invés do bebê A?'

"Responderam os médicos: 'Não. O bebê A é o único que podemos salvar.'"

Nesta altura, Rabino Feinstein disse-lhes para seguir em frente e realizar a operação. Sua decisão baseava-se na Lei Judaica, a qual declara que, se uma pessoa está ameaçando diretamente matar outra, então é moralmente correto deter o perseguidor, mesmo que isso signifique matá-lo. A lei do perseguidor aplica-se mesmo em casos em que a ameaça à vida não é intencional. Por exemplo, este princípio aplica-se a um caso em que o feto está ameaçando a vida da mãe, obviamente sem intenção.

Aplicando-se isso ao caso das gêmeas siamesas, Rabino Feinstein decretou que, como o bebê B não tem capacidade independente de sobrevivência, sua própria existência estava ameaçando a vida do bebê A. Isto deu ao bebê B o status de assassino, (embora sem intenção), e o bebê A poderia, por assim dizer, impedir seu assassino.

Enquanto a Corte Britânica de Apelação legislou de forma similar à lógica talmúdica de Rabino Feinstein, a Superior Corte Britânica usou uma linha de raciocínio bem diversa.

O Juiz Robert Johnson disse que para Mary - sem coração ou pulmões - a vida já difícil apenas tornar-se-ia pior, quando os baixos níveis de oxigênio no sangue terminariam por destruir seu cérebro. Assim, matar Mary - impedindo a passagem do sangue de Jodie - seria um ato de eutanásia, como desligar o soro e nutrientes de um paciente em estado terminal. Se elas ficassem juntas, os poucos meses da vida de Mary seriam dolorosos e nada significariam para ela, disse ele.

O contraste é bem irônico. A lei do Talmud aplica-se à conservar a vida, ao passo que a decisão da Corte Britânica baseia-se na decisão de terminar uma vida, a da irmã sem condições de sobrevivência. Sem este fator, eles estariam preparados para deixar Jodie, a irmã viável, morrer.

O caso na Inglaterra envolve outros aspectos médicos e legais, e não podemos derivar nenhuma decisão de ordem prática baseada no caso de Rabino Feinstein. Mas esta história ilustra como em um mundo repleto de assuntos éticos como clonagem, eutanásia entre outros, a verdade da Torá pode cada vez mais servir de "uma luz dentre as nações" (Yesha'yáhu 42:6).

 
     
  Por Rabino Shraga Simmons - Aish.com  
   
   
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