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Recentemente,
perdi meu amado filho. Tenho lutado com a dor e a raiva, e de certa forma
encontrei um pouco de paz. Estou escrevendo porque ouvi uma citação,
e sinto que ela significa algo para mim. Eu soube que o Báal Shem
Tov disse: "Na lembrança jaz o segredo da Redenção."
Poderia me ajudar a entender a conexão entre lembrança e
redenção na tradição judaica, e o que o Báal
Shem Tov está sugerindo? |
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RESPOSTA:
por Tzvi Freeman
Minhas sinceras condolências pela perda de seu filho. Que possamos
estar todos reunidos muito em breve no Mundo Vindouro.
Esta declaração tem sido grandemente atribuída ao
Báal Shem Tov, mas eu preciso ainda encontrar a fonte. Seja de
quem for, é tão profunda, que duvido que alguém pudesse
expressar um vislumbre de seu significado numa centena de e-mails. Mas
talvez um pequeno ponto:
Cada momento da vida, em si mesmo, é enclausurado. É um
fragmento, e como tal, órfão de significado, como páginas
arrancadas de um livro e levadas pelo vento. A recordação
cria uma percepção do todo, uma integridade na qual as coisas
são redimidas e completadas.
O exemplo mais básico: você provavelmente percebeu que todas
as mitsvot que cumprimos são zecher l’yitsiat mitzraim –
"uma recordação do Êxodo do Egito". É
esta lembrança que tira uma mitsvá de seu contexto particular
e a introduz no drama maior da Redenção. Cada mitsvá
se transforma num outro degrau num Êxodo contínuo que começou
no Egito e culminará na Redenção definitiva.
Colocando de outra maneira: em si mesma, a mitsvá é apenas
mais um ato. No contexto da lembrança, torna-se redenção.
Uma redenção daquela pessoa naquele momento. E mais um passo
na redenção do mundo inteiro.
Em termos de sua situação: A situação na qual
você perdeu seu filho, tenho certeza, foi dolorosa. Experiências
como essas com freqüência se tornam barreiras entre o presente
e o passado. As recordações se perdem, ou são toldadas
pelo sofrimento. Porém se você enxerga o quadro inteiro como
um todo, do começo ao fim, a beleza retornaria a ele.
Lembro-me de um professor de música que começava a aula
tocando um acorde ao piano e pedindo-nos para escrever as notas. Os acordes
se tornavam mais e mais sofisticados à medida que as aulas progrediam:
bemóis, sustenidos, aumentados… Então, certo dia,
ele tocou o acorde mais feio que se possa imaginar – e dessa vez,
não apenas pediu-nos para escrever as notas, mas para dizer também
a época e o compositor. A maioria o definiu como "feio-moderno
– provavelmente dos anos de 1920". Diversos sugeriram Arnold
Schönberg.
Então ele tocou a peça inteira. Era uma fuga de J. S. Bach,
O Cravo Bem Temperado. As vozes da fuga abriram caminho num crescendo
de complexidade, culminando na tensão agonizante daquele acorde…
e então suavemente retomou a mais doce harmonia barroca.
Obviamente, era lindo. Porém o mais bonito de tudo era que tínhamos
primeiro ouvido o mais feio.
Que possamos todos ter o mérito de escutar a sinfonia completa,
mais cedo do que podemos imaginar.
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