O Cantor, o Leão e a Raposa
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  Por Rabino YY Jacobson  
 

Na noite de Rosh Hashaná, os cazaques capturaram o rabino, o cantor e o presidente da sinagoga, e concederam a eles um último desejo antes de serem mortos.

O Rabino: “Durante o ano inteiro preparei meu sermão de Rosh Hashaná. Vocês não podem me matar antes de me deixarem apresentar este sermão e tirá-lo de dentro de mim.”

“Tudo bem,” proclamaram os cazaques. “Permitiremos que faça o sermão.”

Voltaram-se então para o cantor. “E você? Qual é o seu desejo final?”

“Durante 364 dias do ano, preparei-me para minha apresentação nas Grandes Festas. Para este ano compus canções novas, brilhantes e extraordinárias. Vocês têm de me deixar cantá-las antes de matar-me.”

“Concedido,” disseram os cazaques. “E você, qual o seu desejo final?” perguntaram ao presidente.

“Matem-me primeiro,” disse ele.

Sermões e melodias

É uma tradição muito antiga, nas comunidades judaicas em todo o mundo, contratar cantores para as Grandes Festas, muitas vezes acompanhados por coros, para entreter, engajar e inspirar as multidões que afluem às sinagogas durante os dias de Rosh Hashaná e Yom Kipur.

Em muitas congregações, o cantor é a principal atração da experiência das Grandes Festas. Como num concerto de ópera, a escolha das melodias, seu talento artístico e a manipulação dos sons constituem o ponto alto dos serviços. Principalmente se a apresentação musical está associada a um rabino que sabe como contar uma boa piada ou trazer uma lágrima aos olhos, então é um grande sucesso.

“Não cuspa no poço onde você bebe,” sugere o Talmud. Eu deveria ser o último a encontrar defeito neste fenômeno, pois eu, também, estou empregado numa adorável comunidade em Nova York para atuar como cantor e animador. Porém um pensamento comovente do grande mestre Baal Shem Tov sobre este fenômeno do “cantor” e “rabino” pode ser valioso para muitas sinagogas e para todos nós refletirmos a respeito.

Um Leão Furioso

O Baal Shem Tov, um dos mais profundos pensadores na história da espiritualidade judaica (1698-1740), certa vez contou essa história alegórica.

Certa vez o leão ficou furioso com todos os outros animais da floresta. Como o leão é o “rei da vida animal”, o mais poderoso e dominante, sua ira provocou pavor no coração dos outros animais.

“O que devemos fazer?” murmuraram os bichos numa reunião de emergência. “Se o leão der vazão à sua fúria, estamos perdidos.”

“Não se preocupem,” disse a raposa, conhecida como o mais astuto dos animais. “Nos recessos do meu cérebro estão armazenadas 300 histórias e piadas. Quando eu as apresentar ao leão, seu humor será transformado.”

Uma onda de alívio percorreu o grupo, e todos marcharam até a toca do leão na floresta, onde a raposa o acalmaria de modo a restaurar o relacionamento amigável entre o leão e seus súditos.

A Raposa se Esquece

Durante a jornada através das trilhas da floresta, a raposa de repente voltou-se para um dos seus amigos e disse: “Sabe, esqueci 100 das minhas histórias divertidas.”

Rumores sobre o lapso de memória da raposa espalharam-se imediatamente. Muitos animais ficaram abalados, mas logo se ouviu a voz calma do Sr. Urso.

“Nada de preocupações,” disse ele. “Duzentas histórias de uma raposa inteligente são mais do que suficientes para deixar aquele leão arrogante rolando de rir.”

“Essas bastarão para fazer o trabalho,” concordou o Sr. Lobo.

Pouco depois, quando a enorme fila de animais estava se aproximando do leão, a raposa de repente voltou-se para um amigo, “Esqueci mais 100 das minhas anedotas,” disse ela. “Elas simplesmente sumiram da minha cabeça.”

O medo dos animais tornou-se mais forte, mas logo chegou a voz calma do Sr. Cervo.

“Não se preocupem,” assegurou ele. “Cem histórias da raposa conseguem alegrar a imaginação de nosso rei simplório.”

“Sim, 100 piadas acalmarão o leão,” concordou o Sr. Tigre.

Momentos depois, todas as centenas de animais estavam na toca do leão, Este se levantou em toda a sua majestade e glória, lançando um olhar feroz a todos os súditos, o que fez passar um tremor pelo corpo deles.

O Momento do Encontro

Como tinha chegado o momento da verdade, todos os animais olharam com olhos insistentes para sua representante, a raposa, para que esta se aproximasse do leão e cumprisse a importante missão de acalmá-lo.

Naquele mesmo instante. a raposa virou-se para os animais e disse: “Desculpem, mas acabo de esquecer minhas últimas 100 histórias. Nada tenho a dizer ao rei.”

Os animais ficaram furiosos. “Você não passa de uma mentirosa,” gritaram. “Decepcionou-nos por completo. O que faremos agora?”

“Meu trabalho,” respondeu calmamente a raposa, “era persuadir vocês a fazer a jornada até a casa do leão. Cumpri minha missão. Vocês estão aqui. Agora, que cada um de vocês descubra a própria voz e reabilite seu relacionamento pessoal com o rei.”

Falta de um Relacionamento Pessoal

Essa história, concluiu o Baal Shem Tov, ilustra um problema comum na religião institucionalizada. Vamos à sinagoga em Rosh Hashaná e Yom Kipur, ou em qualquer outra ocasião do ano, e confiamos nas “raposas” – os cantores e os rabinos – para servirem como nossos representantes perante o Rei dos Reis.

“O sermão do rabino hoje foi inacreditável,” muitas vezes dizemos após os serviços. “Ele é realmente sensacional.” Ou “Aquele cantor? Sua vibração derreteu minha alma.” Estes religiosos muitas vezes se tornam as “raposas” que sabem como fazer o trabalho por nós.

Porém, mais cedo ou mais tarde, entendemos que as raposas, com todo o devido respeito, não têm realmente de falar com o rei em meu nome e no seu. Cada um de nós deve descobrir a própria voz e sua paixão e espírito interior, e falar com D’us de maneira única e distinta.

Cantores e rabinos durante as Grandes Festas (e no restante do ano) deveriam se ver como a raposa do Baal Shem Tov: sua função é persuadir e inspirar as pessoas a deixarem seus próprios domínios e embarcar numa jornada rumo a alguma coisa mais profunda e mais real. Porém cada um de nós deve, em última análise, entrar sozinho no espaço de D’us.

Portanto neste Rosh Hashaná e em Yom Kipur, não confie nas raposas. Fale diretamente a D’us. Com suas próprias palavras, com sua própria alma. De coração para coração, do seu lugar mais verdadeiro para Seu lugar mais verdadeiro. Porque nesse Rosh Hashaná e Yom Kipur D’us está esperando que VOCÊ fale diretamente com Ele, sincera e intimamente. Você é filho de D’us e seu Pai deseja ouvir tudo que está em sua mente.

Gmar chatimá tová!

     
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