De quem é a prece, afinal?
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  Por Nechemia Schusterman – Diretor do Chabad de Peabody, Massachussets  
 

Outro dia eu estava sentado com um amigo – famoso editor de um jornal local – bebericando uma xícara de café e filosofando sobre assuntos sagrados como a outra vida, cadish por um ente querido, e prece.

A conversa ficou animada e bastante emotiva quando meu amigo expressou profunda frustração pela sua inabilidade de encontrar uma ocasião apropriada e uma maneira significativa pela qual expressar-se a D’us. Ele tinha pesquisado diversas "correntes" do Judaísmo e os diferentes estilos dentro delas, porém não parecia haver nenhum "casamento perfeito", nada que se adequasse às suas necessidades espirituais.

Minha primeira reação foi: "Ora, fico triste por você". Eu realmente estava. Porque qualquer pessoa que tenha tido a oportunidade de rezar – realmente rezar – sabe que não há nada igual no mundo. As preocupações comuns, mundanas, caem por terra; a pessoa literalmente toma um banho espiritual e sai sentindo-se refrescada e revigorada, com uma nova energia para enfrentar o mundo, libertada das amarras físicas, mentais, emocionais, financeiras e outras, que inibem a verdadeira e completa felicidade. Descompressão para o corpo e para a alma.

Mas o meu amigo se sentia inibido. O que realmente queria, explicou ele, era poder escolher as preces, ou fazer as suas próprias orações, adaptar a experiência de prece que fosse mais significativa para ele. Então eu perguntei: "Qual é a sua prece favorita?"


O que realmente queria, explicou ele, era poder escolher as preces, ou fazer as suas próprias orações, adaptar a experiência de prece que fosse mais significativa para ele. Então eu perguntei: "Qual é a sua prece favorita?"

Ele respondeu que era "Hin’ni He’Ani Mima’as…" – a prece entoada pelo cantor pouco antes de Mussaf em Rosh Hashaná e Yom Kipur. (A origem desta prece não é conhecida, mas muitos a atribuem ao grande Rabi Yaacov ben Meir, conhecido como "Rabeinu Tam".)

Em sua comovente prece, o cantor basicamente pronuncia sua falta de merecimento para
liderar a congregação na prece Mussaf que virá a seguir. Ela inclui muitas declarações auto-depreciativas destinadas a humilhar o líder perante a congregação, tais como:

"Vejam, eu sou deficiente em atos meritórios, tremendo e reverente perante Aquele entronizado pelas preces de Israel… Aceitem minha prece como se eu fosse um homem avançado em anos, cuja conduta na juventude é imaculada e cuja voz é suave…"

Eu disse ao meu amigo que sua escolha era quase irônica. "Sua frustração com a prece é que você não está conseguindo nada de significativo com ela" – disse eu – "porém sua prece favorita é aquela no qual o suplicante implora a D’us para aceitar a prece que ele não é digno de conduzir: uma prece basicamente dizendo que aquela prece não é sobre você. A liberdade e entusiasmo oferecidos pela prece estão justamente na humildade que ela evoca – na percepção de que a prece não é sobre a pessoa que reza sentindo-se bem a respeito dela, mas sobre entrar em comunhão com D’us. Somente então a pessoa atinge, embora inadvertidamente, a liberdade, libertação e esperança que a prece incorpora."

Este foi um pensamento que eu não tinha apreciado totalmente até que tivemos esta conversação, embora, como um conceito, eu certamente a tenha estudado na yeshivá. Meu amigo, editor "secular", ensinou-me uma lição que eu jamais tinha conseguido entender por completo durante toda a minha vida de estudos de Torá: a prece não é sobre mim e sobre eu "me sentir bem", é sobre D’us e minha conexão com Ele.

A conclusão da prece Hin’ni é mais compulsiva: "Que seja Tua vontade, ó D’us… que os anjos levem minha prece perante o trono de Tua Glória e a divulguem a Ti, pelo mérito de todos os justos… Bendito sejas Tu, que escutas a prece."

A prece não diz: "Que seja Tua vontade, ó D’us, que eu termine esta prece me sentindo completo, elevado e aliviado." Esta é uma conseqüência de uma experiência de prece bem sucedida. Este não é um direito, é uma merecida recompensa.

Há uma famosa história dos mestres chassídicos na qual um discípulo de um Rebe é
encarregado da impressionante responsabilidade de tocar o shofar em Rosh Hashaná. Ora, em todas as congregações esta é uma grande honra e responsabilidade, mas nos círculos místicos é uma tarefa enorme que envolve meses de preparativos e intenso estudo dos significados místicos e ramificações de cada som emitido pelo shofar.

Desnecessário dizer, o discípulo passou muitas semanas de intensa purificação e estudo dos textos cabalistas para estar totalmente preparado. Ele fez anotações que pretendia ter à mão na hora de tocar o shofar. Então chegou o grande momento, e o trêmulo chassid procurou no bolso as anotações, quando então percebeu que o papel no qual as escrevera tinha sumido.

Seu Rebe e toda a congregação estavam reunidos sob seus talitot, esperando pelo maravilhoso momento no qual os seres humanos e D’us se fundem num êxtase espiritual enquanto ouvem o som sobre-humano do shofar. Não havia tempo para procurar mais o papel desaparecido. Com o coração partido, ele tocou, o tempo todo sentindo que realmente não era digno daquela incumbência, e por isso a tragédia tinha se abatido sobre ele.

Depois do serviço aproximou-se do Rebe, chorando profusamente e pedindo desculpas por ter desapontado a ele e a toda a comunidade. Para sua total surpresa, havia um sorriso no rosto do Rebe. "Os sons do shofar" – explicou o Rebe – "são como chaves, cada nota uma chave que abre outro portão no caminho que leva aos aposentos mais recônditos de D’us.

"Pedi a você para tocar o shofar, pois sabia que você tinha a capacidade para estudar e preparar-se para utilizar cada chave e levar a congregação através de cada portão do palácio celestial, até que os aposentos reais fossem atingidos.

"No entanto" – continuou o Rebe – "há uma chave mestra, uma chave que abre todas as portas. Esta é a chave de um ‘coração partido, humilde e subjugado’. Esta é a chave que você estava usando quando tocou o shofar, e graças aos seus esforços, o toque do shofar atingiu seu objetivo da maneira mais eficiente possível."

Além de ser uma bela história, para mim ela destaca o ponto que meus professores tentaram me transmitir, e que meu amigo conseguiu fazê-lo. Ele afirma que a prece não é minha. Não está lá para eu apreciar e extrair prazer instantâneo. Pertence a D’us, e Ele nos recompensa com um "benefício paralelo", um sentimento de plenitude, alívio e esperança.
No entanto, isso depende da maneira pela qual entramos na prece. Trata-se de mim ou
d’Ele?

Meu amigo editor respondeu sua própria pergunta. Toda a premissa de não encontrar um local de prece ou uma prece específica que "fizesse aquilo para ele" estava equivocada. De fato, a prece tem todas estas qualidades libertadoras, mas elas nascem da intensa humildade e falta de expectativa sobre si mesmo. A verdadeira prece é despojar-se de si mesmo e unir-se com D’us, e esta unificação nos dá a qualidade Divina da tranqüilidade e plenitude. Não o contrário.

Na verdade, a palavra talmúdica para prece é avodá, literalmente "trabalho". É um trabalho rezar corretamente. E é uma recompensa conectar-se pela prece e receber suas propriedades terapêuticas.

Que D’us abençoe a todos nós, para que sejamos inscritos para um ano novo feliz, com saúde e sucesso, repleto de preces significativas.

Encontre uma sinagoga, encontre uma prece, e que este ano nos conecte a todos.

     
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