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Outro
dia eu estava sentado com um amigo – famoso editor de um jornal
local – bebericando uma xícara de café e filosofando
sobre assuntos sagrados como a outra vida, cadish por um ente querido,
e prece.
A conversa ficou
animada e bastante emotiva quando meu amigo expressou profunda frustração
pela sua inabilidade de encontrar uma ocasião apropriada e uma
maneira significativa pela qual expressar-se a D’us. Ele tinha pesquisado
diversas "correntes" do Judaísmo e os diferentes estilos
dentro delas, porém não parecia haver nenhum "casamento
perfeito", nada que se adequasse às suas necessidades espirituais.
Minha primeira reação foi: "Ora, fico triste por você".
Eu realmente estava. Porque qualquer pessoa que tenha tido a oportunidade
de rezar – realmente rezar – sabe que não há
nada igual no mundo. As preocupações comuns, mundanas, caem
por terra; a pessoa literalmente toma um banho espiritual e sai sentindo-se
refrescada e revigorada, com uma nova energia para enfrentar o mundo,
libertada das amarras físicas, mentais, emocionais, financeiras
e outras, que inibem a verdadeira e completa felicidade. Descompressão
para o corpo e para a alma.
Mas o meu amigo se sentia inibido. O que realmente queria, explicou ele,
era poder escolher as preces, ou fazer as suas próprias orações,
adaptar a experiência de prece que fosse mais significativa para
ele. Então eu perguntei: "Qual é a sua prece favorita?"
O
que realmente queria, explicou ele, era poder escolher as preces,
ou fazer as suas próprias orações, adaptar
a experiência de prece que fosse mais significativa para
ele. Então eu perguntei: "Qual é a sua prece
favorita?"
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Ele
respondeu que era "Hin’ni He’Ani Mima’as…"
– a prece entoada pelo cantor pouco antes de Mussaf em Rosh Hashaná
e Yom Kipur. (A origem desta prece não é conhecida, mas
muitos a atribuem ao grande Rabi Yaacov ben Meir, conhecido como "Rabeinu
Tam".)
Em sua comovente prece, o cantor basicamente pronuncia sua falta de merecimento
para
liderar a congregação na prece Mussaf que virá a
seguir. Ela inclui muitas declarações auto-depreciativas
destinadas a humilhar o líder perante a congregação,
tais como:
"Vejam, eu sou deficiente em atos meritórios, tremendo e reverente
perante Aquele entronizado pelas preces de Israel… Aceitem minha
prece como se eu fosse um homem avançado em anos, cuja conduta
na juventude é imaculada e cuja voz é suave…"
Eu disse ao meu amigo que sua escolha era quase irônica. "Sua
frustração com a prece é que você não
está conseguindo nada de significativo com ela" – disse
eu – "porém sua prece favorita é aquela no qual
o suplicante implora a D’us para aceitar a prece que ele não
é digno de conduzir: uma prece basicamente dizendo que aquela prece
não é sobre você. A liberdade e entusiasmo oferecidos
pela prece estão justamente na humildade que ela evoca –
na percepção de que a prece não é sobre a
pessoa que reza sentindo-se bem a respeito dela, mas sobre entrar em comunhão
com D’us. Somente então a pessoa atinge, embora inadvertidamente,
a liberdade, libertação e esperança que a prece incorpora."
Este foi um pensamento que eu não tinha apreciado totalmente até
que tivemos esta conversação, embora, como um conceito,
eu certamente a tenha estudado na yeshivá. Meu amigo, editor "secular",
ensinou-me uma lição que eu jamais tinha conseguido entender
por completo durante toda a minha vida de estudos de Torá: a prece
não é sobre mim e sobre eu "me sentir bem", é
sobre D’us e minha conexão com Ele.
A conclusão
da prece Hin’ni é mais compulsiva: "Que seja Tua vontade,
ó D’us… que os anjos levem minha prece perante o trono
de Tua Glória e a divulguem a Ti, pelo mérito de todos os
justos… Bendito sejas Tu, que escutas a prece."
A prece não diz: "Que seja Tua vontade, ó D’us,
que eu termine esta prece me sentindo completo, elevado e aliviado."
Esta é uma conseqüência de uma experiência de
prece bem sucedida. Este não é um direito, é uma
merecida recompensa.
Há uma famosa história dos mestres chassídicos na
qual um discípulo de um Rebe é
encarregado da impressionante responsabilidade de tocar o shofar em Rosh
Hashaná. Ora, em todas as congregações esta é
uma grande honra e responsabilidade, mas nos círculos místicos
é uma tarefa enorme que envolve meses de preparativos e intenso
estudo dos significados místicos e ramificações de
cada som emitido pelo shofar.
Desnecessário dizer, o discípulo passou muitas semanas de
intensa purificação e estudo dos textos cabalistas para
estar totalmente preparado. Ele fez anotações que pretendia
ter à mão na hora de tocar o shofar. Então chegou
o grande momento, e o trêmulo chassid procurou no bolso as anotações,
quando então percebeu que o papel no qual as escrevera tinha sumido.
Seu Rebe e toda a congregação estavam reunidos sob seus
talitot, esperando pelo maravilhoso momento no qual os seres humanos e
D’us se fundem num êxtase espiritual enquanto ouvem o som
sobre-humano do shofar. Não havia tempo para procurar mais o papel
desaparecido. Com o coração partido, ele tocou, o tempo
todo sentindo que realmente não era digno daquela incumbência,
e por isso a tragédia tinha se abatido sobre ele.
Depois do serviço aproximou-se do Rebe, chorando profusamente e
pedindo desculpas por ter desapontado a ele e a toda a comunidade. Para
sua total surpresa, havia um sorriso no rosto do Rebe. "Os sons do
shofar" – explicou o Rebe – "são como chaves,
cada nota uma chave que abre outro portão no caminho que leva aos
aposentos mais recônditos de D’us.
"Pedi a você para tocar o shofar, pois sabia que você
tinha a capacidade para estudar e preparar-se para utilizar cada chave
e levar a congregação através de cada portão
do palácio celestial, até que os aposentos reais fossem
atingidos.
"No entanto" – continuou o Rebe – "há
uma chave mestra, uma chave que abre todas as portas. Esta é a
chave de um ‘coração partido, humilde e subjugado’.
Esta é a chave que você estava usando quando tocou o shofar,
e graças aos seus esforços, o toque do shofar atingiu seu
objetivo da maneira mais eficiente possível."
Além de ser uma bela história, para mim ela destaca o ponto
que meus professores tentaram me transmitir, e que meu amigo conseguiu
fazê-lo. Ele afirma que a prece não é minha. Não
está lá para eu apreciar e extrair prazer instantâneo.
Pertence a D’us, e Ele nos recompensa com um "benefício
paralelo", um sentimento de plenitude, alívio e esperança.
No entanto, isso depende da maneira pela qual entramos na prece. Trata-se
de mim ou
d’Ele?
Meu amigo editor respondeu sua própria pergunta. Toda a premissa
de não encontrar um local de prece ou uma prece específica
que "fizesse aquilo para ele" estava equivocada. De fato, a
prece tem todas estas qualidades libertadoras, mas elas nascem da intensa
humildade e falta de expectativa sobre si mesmo. A verdadeira prece é
despojar-se de si mesmo e unir-se com D’us, e esta unificação
nos dá a qualidade Divina da tranqüilidade e plenitude. Não
o contrário.
Na verdade, a palavra talmúdica para prece é avodá,
literalmente "trabalho". É um trabalho rezar corretamente.
E é uma recompensa conectar-se pela prece e receber suas propriedades
terapêuticas.
Que D’us abençoe a todos nós, para que sejamos inscritos
para um ano novo feliz, com saúde e sucesso, repleto de preces
significativas.
Encontre uma sinagoga, encontre uma prece, e que este ano nos conecte
a todos.
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