Quantos de nós fizeram uma simples pergunta: O que Col Nidrê tem a ver com Yom Kipur?
 
     
  Col Nidrê - Uma renúncia às promessas
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  Por Rabino Herschel Greenberg  
     
 

Que judeu não se inspira por esta mais solene prece? E qual alma judaica não se emociona quando o chazan, cantor, mesmo que baixinho, começa a entoar estes antigos versos em sua melodia tradicional? Poucas outras ocasiões podem evocar tão profunda emoção espiritual no coração de um judeu.

Porém, quantos de nós investigaram sob a superfície desta prece?

Quantos de nós fizeram uma simples pergunta: o que Col Nidrê tem a ver com Yom Kipur? Por que, poderíamos perguntar, o mais santo e solene dia do ano é iniciado com uma declaração a qual parece faltar o caráter espiritual?

Uma explicação sobre a natureza de Col Nidrê com uma certa inclinação psicológica pode ser sugerida com base nos ensinamentos da Chassidut. Promessas e juramentos são métodos pelos quais encorajamos a nós mesmos a seguir um código de comportamento mais rigoroso. Se alguém acha difícil lidar com as indesejáveis pressões externas pelo caminho "natural", ao exercitar a força de vontade e sentido inatos de moralidade e retidão, pode ser compelido a fazer um voto a fim de sedimentar as defesas naturais contra o mal.

Uma promessa é, portanto, um meio de ganhar força na luta perene para a supremacia do bem sobre o mal. Dá ao indivíduo um impulso psicológico. E, como lemos nos ensinamentos de Cabalá e Chassidut, a declaração de um juramento instila novas energias espirituais não automaticamente encontradas dentro do alcance humano.

Contudo, em Yom Kipur não há necessidade para estes juramentos e promessas. Nesta época de reverência, estas mesmas forças psicológicas e espirituais engendradas pelo juramento estão a nosso alcance, simplesmente pela virtude da santidade do dia. Yom Kipur significa que não dependemos de métodos artificiais para despertar o espírito judaico. Por conseguinte, declaramos nulos e inválidos todas as promessas e juramentos. E, ao fazermos isto, afirmamos nossa ligação natural com D'us, que é sentida por todo judeu neste mais santo dos dias.

A literatura chassídica Chabad discute explicitamente o papel de Col Nidrê de várias maneiras diferentes. Em Licutê Torá o primeiro Rebe de Chabad explica que nêder (promessa) representa a ligação da alma do indivíduo a elementos indesejáveis. O vocábulo usado na Torá para descrever um certo tipo de promessa, "assur", pode ser traduzido como "amarrado" ou "algemado".

Com freqüência, a alma Divina é amarrada e emaranhada pelos limites do corpo e da alma física e animalesca. Isso evita que a alma atinja a ascensão desejada às esferas superiores. Em Yom Kipur, pela teshuvá (sincero arrependimento e retorno a D'us) colocamos em prática a liberação de nossa alma de sua armadilha corpórea. Isto, então, é um dos significados da anulação das promessas em Yom Kipur; permitir que a alma se liberte.

     
 
A maioria das proibições da Torá nunca pode ser cancelada ou posta de lado. A exceção notável a esta regra são as proibições criadas pela fala: a promessa.
 
     

O Tsemach Tsêdec (terceiro Rebe de Chabad), em sua copiosa obra Or Hatorá, lança luz sobre a recitação de Col Nidrê no princípio de Yom Kipur de maneira diferente. Ele se refere a um dos fenômenos mais incríveis inerente ao processo de anulação de promessas. Quando a promessa é rescindida pelo chacham (sábio) ou pelo Bet Din (Tribunal Rabínico), o que era anteriormente proibido transforma-se num item ou ato permissível. Ao anular as promessas em Yom Kipur, ocorre uma transformação recíproca: o próprio D'us transforma nossos pecados em méritos.

A realização suprema de Yom Kipur traz à tona apenas isto: a remoção total de qualquer traço mau dentro de nós mesmos, até o ponto em que a "escuridão é transformada em luz". Assim, Col Nidrê recitada no início de Yom Kipur faz mais do que simbolizar a transformação do mal em bem; introduz as próprias forças necessárias para fazer aflorar esta metamorfose. Apenas quando geramos aquelas energias de transformação pela anulação das promessas é que D'us permite a forças semelhantes transformarem nossos pecados em méritos.

Até este ponto, as explicações sobre Col Nidrê oferecidas pelos Rebes de Chabad aqui citadas, concentram-se em certos elementos no processo de anulação das promessas. O foco está no "fenômeno da transformação" inerente ao processo de anular as promessas.

Isto salienta a importância do início do mais santo dos dias do ano com Col Nidrê. Porém, há mais um enfoque para a questão global com relação ao papel de Col Nidrê em Yom Kipur, centrado em toda a anatomia do processo de anulação de promessas. Mais uma vez esta análise foi tirada, e livremente adaptada, da obra chassídica Or Hatorá do Tsemach Tsêdec.

Segundo esta explicação, a maioria das proibições da Torá nunca pode ser cancelada ou posta de lado. A exceção notável a esta regra são as proibições criadas pela fala: a promessa.

Este tipo de interdição pode ser transformada pelo sábio, como indicado na Torá. A razão pode ser compreendida na relação da fala (que cria a proibição) com a faculdade de chochmá (sabedoria; o atributo do sábio, chacham, que tem o poder de renunciar à promessa pela fala).

A Chassidut explica como a faculdade da fala não é uma capacidade intelectual. Nem é inerente aos órgãos da fala produzir todos os sons diferentes de todas as letras e vogais. Pelo contrário, é a própria vontade da alma manifesta no "intelecto oculto" da alma (conhecido na literatura cabalística e chassídica como a faculdade de chochmá, em contraste com o intelecto compreensível, conhecido como a faculdade de biná), que é a fonte e base da fala. A habilidade da fala supera, e muito, o intelecto que decide o que dizer.

Como tal, a fim de cancelar os efeitos decorrentes da faculdade da fala, a Torá afirma que o sábio - o indivíduo que personifica e em que é dominante este transcendente "intelecto oculto" conhecido como chochmá - deve ser evocado. Apenas ao envolver a faculdade de chochmá, o manancial da fala, podem ser neutralizados os efeitos da fala.

Com esta breve análise, o Tsemach Tsêdec segue para esclarecer o papel de renunciar às promessas no início de Yom Kipur, o dia em que pedimos a D'us para perdoar nossas iniqüidades passadas. Visto que todas as proibições derivam das declarações da Torá, da faculdade Divina da fala, por assim dizer, é possível neutralizar os efeitos destas proibições ao atingir o aspecto da Divindade que transcende o âmbito da fala e intelecto. Cumprimos os mandamentos de D'us porque Ele assim nos ordenou.

Contudo, o próprio D'us não precisa deles e não é afetado por nosso cumprimento ou não. Como afirma o Midrash, as mitsvot são dadas para nos refinar. Dentro do quadro do intelecto de D'us que dita a necessidade e a eficácia das mitsvot, sua violação é um assunto sério. Provoca uma alteração cósmica, bem como uma degradação pessoal, mas não afeta, de qualquer modo, o próprio D'us. Ele está além dos domínios do intelecto.

É este o nível de Divindade que introduzimos em Yom Kipur, quando anulamos as promessas em Col Nidrê; o nível tão transcendente que nenhuma violação da Torá tem qualquer referência, como se nunca tivesse ocorrido. Este processo é um reflexo espelhado do processo de anulação de promessas. Renunciar a uma promessa é, portanto, uma introdução da faculdade transcendente supra-racional da alma (por meio do sábio).

Isto nos libera das estruturas das promessas geradas pela faculdade inferior da fala e intelecto revelado. Assim também, no processo de arrependimento em Yom Kipur está a revelação das mais sublimes manifestações de D'us, que depois anula todos os efeitos deletérios de nossas transgressões.

O paralelo pode ser levado mais um passo à frente. Como no caso da promessa, não basta ao sábio repudiar a promessa por si; deve haver também uma total renúncia da promessa pela própria pessoa que deve demonstrar absoluto arrependimento por ter feito a promessa; do mesmo modo, a manifestação destas forças transcendentes da Divindade em Yom Kipur devem ser acompanhadas por remorso sincero por todas as más ações passadas.

Col Nidrê, mais do que qualquer outra prece talvez, nos introduz às várias dimensões de teshuvá, com o cancelamento simultâneo e transformação dos pecados.

Possa D'us nos conceder nossos mais sinceros desejos expressos durante Col Nidrê e possamos ser inscritos e selados para um ano bom e doce.

Tradução da Prece de Col Nidrê

Todas as promessas, proibições [auto-impostas], juramentos, consagrações, restrições, interdições, ou [quaisquer outras] expressões equivalentes de promessa, que possamos prometer, jurar, dedicar [para uso sagrado], ou proibirmo-nos, desde esse Yom Kipur até o próximo Yom Kipur, que venha a nos para bem, [desde já] nos arrependemos de todos eles; assim sendo estão todos absolvidos, perdoados, cancelados, declarados nulos e sem valor, sem força nem efeito. Que nossas promessas não sejam consideradas promessas; que nossas proibições [auto-impostas] não sejam consideradas proibições; e que nossos juramentos não sejam considerados juramentos.

     
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