|
Em sucot habitareis por sete dias; todos os cidadãos de Israel
habitarão em sucot.
Vayicrá 23:42
É correto que todos de Israel habitem numa única
sucá
Talmud, Sukkah 27 b
Quando algo é seu? Quando você o controla?
Quando tem direito legal e moral de usá-lo? Quando é somente
seu, com exclusão de todos os outros? A posse pode significar muitas
coisas, dependendo do indivíduo e das circunstâncias sociais
que o definem.
Uma diferença legal entre as duas observâncias mais importantes
da Festa de Sucot – habitar na sucá e comprar as “Quatro
Espécies” – é um exemplo das possíveis
definições diferentes de propriedade. A respeito dessas
duas mitsvot, a Torá estipula que o objeto da mitsvá deve
ser “seu”; porém a definição de “seu”
varia de mitsvá para mitsvá.
No caso das Quatro Espécies a Torá declara:
Vocês pegarão para si mesmos no primeiro dia [da Festa] o
esplêndido fruto de uma árvore (etrog), ramos de tamareira
(lulav), o galho de uma árvore frondosa (hadas) e aravot do regato…”
Nossos Sábios explicam que as palavras “Vocês pegarão
para si mesmos…” são para nos ensinar que estas devem
ser de propriedade absoluta de seu usuário: aquele que usa um etrog
roubado (ou lulav, hadas ou aravá), ou um etrog emprestado, ou
mesmo um etrog que possua em sociedade com outra pessoa, não cumpriu
a mitsvá de segurar as Quatro Espécies no primeiro dia de
Sucot.
Sobre a mitsvá da sucá, a Torá também estipula
que “Vocês farão, para si mesmos, uma festa de Sucot.”
Mas aqui, as palavras “para vocês” são mais amplamente
definidas. Neste caso, diz o Talmud, o versículo vem somente para
excluir uma sucá roubada; uma emprestada ou de propriedade dividida
é considerada suficientemente “sua” para satisfazer
as exigências da mitsvá.
Para apoiar a interpretação mais ampla de propriedade quando
aplicada à sucá, o Talmud cita outra das declarações
da Torá sobre a mitsvá de habitar na sucá. Em Vayicrá
23:42 lemos: “Em sucot, habitareis por sete dias; todos os cidadãos
de Israel deverão habitar em sucot.”
Neste versículo, a palavra sucot, plural de sucá, é
escrita sem a letra vav. Isso significa que a palavra também pode
ser lida como sucat, “a sucá [de]”, e o versículo
entendido como dizendo que “todos os cidadãos de Israel deverão
habitar na sucá.” Explica o Talmud: a Torá deseja
sugerir que a nação inteira de Israel pode, e deveria, habitar
numa única sucá! Além de enfatizar a irmandade e
igualdade de todos os judeus, isso também tem a implicação
legal de que uma sucá não precisa ser exclusivamente “sua”
a fim de que você possa cumprir a mitsvá de habitar nela.
Se todos de Israel pudessem habitar em uma única sucá, então
a exigência de fazê-la “para si mesmo” não
poderia ser entendida no sentido restrito de propriedade exclusiva, mas
no sentido do direito do uso de algo.
Por que o “seu” do morador da sucá difere do “seu”
de alguém engajado na mitsvá de segurar as Quatro Espécies?
Obviamente, há uma diferença intrínseca entre essas
duas observâncias de Sucot – uma diferença que se estende
até a própria identidade e auto-definição
de seu observador.
A Alegria de Dar
Sucot é a Festa que celebra a unidade judaica. Unidade
é o tema subjacente dos três preceitos da Festa: júbilo,
segurar as Quatro Espécies, e habitar na sucá.
Todas as festas são mencionadas como “ocasiões para
júbilo” (moadim Hulesimcha), mas a Torá enfatiza a
importância do júbilo para a Festa de Sucot mais que com
qualquer outra festa. Assim, somente a Festa de Sucot é definida,
em nossas preces do dia, como “zeman simchateinu”, “O
Tempo do Nosso Júbilo” (Pêssach é sub-intitulado
“O Tempo da Nossa Liberdade”, e Shavuot, “A Época
da Outorga da Nossa Torá”). De fato, há um júbilo
singular associado com Sucot – uma alegria que atinge o auge na
“retirada das águas”, celebração feita
durante a Festa.
E alegria, para o judeu, é um exercício de empatia e preocupação
comunal. “Vocês devem se rejubilar em sua festa”, conclama
a Torá, “você, seu filho, sua filha, seu servo, sua
serva, o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva…”
Nas palavras de Maimônides: “Quando alguém come e bebe,
deve também alimentar o estrangeiro, o órfão, a viúva,
e os outros pobres desafortunados. Aquele que tranca as portas de seu
pátio, festeja e bebe com seus filhos e sua esposa mas não
alimenta os pobres e os amargurados – esta não é a
alegria da mitsvá, mas a alegria do estômago.”
A festividade egoísta é divisiva, acentuando as diferenças
entre os que têm e aqueles que não têm, entre os estômagos
cheios e vazios da sociedade. Porém a alegria da mitsvá,
alegria como definida na Torá, une. Amo e servo, homem de família
e o solitário, rico e pobre, todos são unidos pelo júbilo
compassivo e doador da festa judaica.
Apesar disso, até o júbilo mais generoso não pode
ser citado como atingindo uma “unidade” no sentido mais supremo
da palavra; quando muito, introduz uma conexão entre dois indivíduos
disparatados. O pobre permanece separado do rico por um golfo de status
e diferença econômica, como o servo do amo e o estrangeiro
do morador local. Corações alegres e mãos doadoras
se estendem sobre estes golfos, mas a divisão e a distância
continuam.
Portanto, para inspirar uma unidade mais profunda e verdadeira, o judeu
adquire as Quatro Espécies em Sucot.
Sabor de Conhecimento e Odor de Ação
O Midrash explica que as Quatro Espécies representam quatro classes
espirituais dentro da comunidade, O etrog, que tem tanto um sabor delicioso
quanto um aroma agradável, representa o indivíduo perfeito
– aquele que tanto tem conhecimento de Torá quanto está
repleto de boas ações. O lulav, cujo fruto (tâmaras)
tem sabor, mas não tem cheiro, personifica o indivíduo instruído
mas deficiente – o erudito que devota a vida à procura da
sabedoria Divina, mas despreza a esfera ativa da vida judaica. O delicioso
aroma e a falta de sabor do hadas descrevem o indivíduo ativo,
mas ignorante. Finalmente, a aravá sem sabor e sem cheiro representa
o judeu que carece de toda a expressão externa de seu Judaísmo.
Em Sucot, o lulav, hadas, aravá e etrog são amarrados e
unidos, reiterando a unidade subjacente de um povo diverso. Por mais que
algo divida o erudito do ignorante e o mais observante do menos observante,
Sucot é um tempo em que todos são colocados juntos na mão
única da identidade judaica.
Então quando a alegria de Sucot introduz um relacionamento unificante
de dar e receber entre vários segmentos da comunidade de Israel,
as Quatro Espécies levam essa unidade um passo adiante, integrando-nos
numa só entidade. Ao segurar na mão as Quatro Espécies,
reiteramos que, apesar de nossas disparidades, somos todos um.
O Lar Envolvente
Apesar de nossas diferenças, somos todos um. Pois as disparidades
permanecem, como até as Quatro Espécies unificadoras expressam.
O lulav coroa acima do lote em erudição e sabedoria. O hadas
exala seu perfume de boas obras, enquanto o aravá é marcado
pela óbvia ignorância e falta de frutos. O etrog, é
claro, ofusca todos eles com sua sublime perfeição.
Até quando elas simbolizam a unidade dos vários segmentos
de Israel, as Quatro Espécies sublinham as diferenças entre
elas – na verdade, enfatizam essas mesmas diferenças como
os componentes complementares de um único povo.
Há, porém, uma forma ainda mais elevada de unidade que é
concretizada pela Festa de Sucot. É a unidade da sucá –
a unidade incorporada pela estrutura merecedora de acomodar um povo inteiro
dentro de suas paredes. “A nação inteira de Israel
pode, e deveria, habitar uma única sucá.” Pois a sucá
representa uma unidade tão profunda e abrangente que todas as distinções
empalidecem perante ela.
“A sucá é a única mitsvá na qual a pessoa
entra com suas botas enlameadas”, declara o dito chassídico,
e isso expressa a própria essência da sucá. Quando
alguém entra na sucá, suas paredes e telhado o abrangem
inteiramente, igualmente envolvem sua integridade. Sua mente está
tanto na sucá quanto seus pés; seu coração
é simplesmente outro ocupante de seu espaço, como são
as suas “botas enlameadas”. Portanto quando a nação
inteira de Israel habita numa única sucá, a unidade expressa
transcende todas as diferenças e distinções entre
eles.
Esta não é a unidade que é criada pelo nosso amor
e compaixão um pelo outro. Também não é a
unidade mais profunda que brota da maneira pela qual nossos papéis
individuais, nossos talentos e forças complementam e preenchem
uns aos outros, formando os órgãos e membros de um corpo
único, integrado. Em vez disso, a sucá traz à luz
a unidade implícita em nosso próprio ser – a unidade
simples e absoluta de um povo enraizado na unidade profundamente singular
de seu Criador e Fonte.
O Ser e os Seres
Isso explica as maneiras diferentes pelas quais nossos Sábios interpretam
a exigência da Torá de “para si mesmo” a respeito
das imitsvot das Quatro Espécies e da sucá. O judeu que
segura as Quatro Espécies está se unindo com seus irmãos
numa maneira que preserva – de fato, utiliza – sua identidade
como indivíduo. Daí o uso da palavra “lachem”
pela Torá, “para si mesmos” (no plural); ao dirigir-se
ao povo de Israel quando eles se relacionam com as Quatro Espécies,
a Torá está falando a muitos indivíduos, cada qual
com sua contribuição única ao todo comunitário.
Nesse contexto, “seu” é algo que é único
ao seu ser individual; um objeto emprestado ou possuído em conjunto
não é “seu”.
Sobre a construção da sucá, porém, a Torá
fala conosco no singular “lecha” (“para si mesmo”).
Pois a mitsvá da sucá aborda a unidade intrínseca
de Israel – uma unidade na qual todos são apenas um, sem
emendas. Aqui “para si mesmo” é o ser singular de Israel;
desde que o seu uso de uma sucá não viole a integridade
dessa unidade (como faz o uso de uma sucá roubada), a sucá
de seu próximo não é menos sua que a sua própria. |
|