Unidade em Três Dimensões
índice
  Por Rabino Simon Jacobson – Baseado nos ensinamentos do Rebe  
 


Em sucot habitareis por sete dias; todos os cidadãos de Israel habitarão em sucot.

Vayicrá 23:42

É correto que todos de Israel habitem numa única sucá

Talmud, Sukkah 27 b

Quando algo é seu? Quando você o controla? Quando tem direito legal e moral de usá-lo? Quando é somente seu, com exclusão de todos os outros? A posse pode significar muitas coisas, dependendo do indivíduo e das circunstâncias sociais que o definem.

Uma diferença legal entre as duas observâncias mais importantes da Festa de Sucot – habitar na sucá e comprar as “Quatro Espécies” – é um exemplo das possíveis definições diferentes de propriedade. A respeito dessas duas mitsvot, a Torá estipula que o objeto da mitsvá deve ser “seu”; porém a definição de “seu” varia de mitsvá para mitsvá.

No caso das Quatro Espécies a Torá declara:
Vocês pegarão para si mesmos no primeiro dia [da Festa] o esplêndido fruto de uma árvore (etrog), ramos de tamareira (lulav), o galho de uma árvore frondosa (hadas) e aravot do regato…”

Nossos Sábios explicam que as palavras “Vocês pegarão para si mesmos…” são para nos ensinar que estas devem ser de propriedade absoluta de seu usuário: aquele que usa um etrog roubado (ou lulav, hadas ou aravá), ou um etrog emprestado, ou mesmo um etrog que possua em sociedade com outra pessoa, não cumpriu a mitsvá de segurar as Quatro Espécies no primeiro dia de Sucot.

Sobre a mitsvá da sucá, a Torá também estipula que “Vocês farão, para si mesmos, uma festa de Sucot.” Mas aqui, as palavras “para vocês” são mais amplamente definidas. Neste caso, diz o Talmud, o versículo vem somente para excluir uma sucá roubada; uma emprestada ou de propriedade dividida é considerada suficientemente “sua” para satisfazer as exigências da mitsvá.

Para apoiar a interpretação mais ampla de propriedade quando aplicada à sucá, o Talmud cita outra das declarações da Torá sobre a mitsvá de habitar na sucá. Em Vayicrá 23:42 lemos: “Em sucot, habitareis por sete dias; todos os cidadãos de Israel deverão habitar em sucot.”

Neste versículo, a palavra sucot, plural de sucá, é escrita sem a letra vav. Isso significa que a palavra também pode ser lida como sucat, “a sucá [de]”, e o versículo entendido como dizendo que “todos os cidadãos de Israel deverão habitar na sucá.” Explica o Talmud: a Torá deseja sugerir que a nação inteira de Israel pode, e deveria, habitar numa única sucá! Além de enfatizar a irmandade e igualdade de todos os judeus, isso também tem a implicação legal de que uma sucá não precisa ser exclusivamente “sua” a fim de que você possa cumprir a mitsvá de habitar nela. Se todos de Israel pudessem habitar em uma única sucá, então a exigência de fazê-la “para si mesmo” não poderia ser entendida no sentido restrito de propriedade exclusiva, mas no sentido do direito do uso de algo.

Por que o “seu” do morador da sucá difere do “seu” de alguém engajado na mitsvá de segurar as Quatro Espécies? Obviamente, há uma diferença intrínseca entre essas duas observâncias de Sucot – uma diferença que se estende até a própria identidade e auto-definição de seu observador.

A Alegria de Dar
Sucot é a Festa que celebra a unidade judaica. Unidade é o tema subjacente dos três preceitos da Festa: júbilo, segurar as Quatro Espécies, e habitar na sucá.

Todas as festas são mencionadas como “ocasiões para júbilo” (moadim Hulesimcha), mas a Torá enfatiza a importância do júbilo para a Festa de Sucot mais que com qualquer outra festa. Assim, somente a Festa de Sucot é definida, em nossas preces do dia, como “zeman simchateinu”, “O Tempo do Nosso Júbilo” (Pêssach é sub-intitulado “O Tempo da Nossa Liberdade”, e Shavuot, “A Época da Outorga da Nossa Torá”). De fato, há um júbilo singular associado com Sucot – uma alegria que atinge o auge na “retirada das águas”, celebração feita durante a Festa.

E alegria, para o judeu, é um exercício de empatia e preocupação comunal. “Vocês devem se rejubilar em sua festa”, conclama a Torá, “você, seu filho, sua filha, seu servo, sua serva, o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva…” Nas palavras de Maimônides: “Quando alguém come e bebe, deve também alimentar o estrangeiro, o órfão, a viúva, e os outros pobres desafortunados. Aquele que tranca as portas de seu pátio, festeja e bebe com seus filhos e sua esposa mas não alimenta os pobres e os amargurados – esta não é a alegria da mitsvá, mas a alegria do estômago.”

A festividade egoísta é divisiva, acentuando as diferenças entre os que têm e aqueles que não têm, entre os estômagos cheios e vazios da sociedade. Porém a alegria da mitsvá, alegria como definida na Torá, une. Amo e servo, homem de família e o solitário, rico e pobre, todos são unidos pelo júbilo compassivo e doador da festa judaica.

Apesar disso, até o júbilo mais generoso não pode ser citado como atingindo uma “unidade” no sentido mais supremo da palavra; quando muito, introduz uma conexão entre dois indivíduos disparatados. O pobre permanece separado do rico por um golfo de status e diferença econômica, como o servo do amo e o estrangeiro do morador local. Corações alegres e mãos doadoras se estendem sobre estes golfos, mas a divisão e a distância continuam.

Portanto, para inspirar uma unidade mais profunda e verdadeira, o judeu adquire as Quatro Espécies em Sucot.

Sabor de Conhecimento e Odor de Ação

O Midrash explica que as Quatro Espécies representam quatro classes espirituais dentro da comunidade, O etrog, que tem tanto um sabor delicioso quanto um aroma agradável, representa o indivíduo perfeito – aquele que tanto tem conhecimento de Torá quanto está repleto de boas ações. O lulav, cujo fruto (tâmaras) tem sabor, mas não tem cheiro, personifica o indivíduo instruído mas deficiente – o erudito que devota a vida à procura da sabedoria Divina, mas despreza a esfera ativa da vida judaica. O delicioso aroma e a falta de sabor do hadas descrevem o indivíduo ativo, mas ignorante. Finalmente, a aravá sem sabor e sem cheiro representa o judeu que carece de toda a expressão externa de seu Judaísmo.

Em Sucot, o lulav, hadas, aravá e etrog são amarrados e unidos, reiterando a unidade subjacente de um povo diverso. Por mais que algo divida o erudito do ignorante e o mais observante do menos observante, Sucot é um tempo em que todos são colocados juntos na mão única da identidade judaica.

Então quando a alegria de Sucot introduz um relacionamento unificante de dar e receber entre vários segmentos da comunidade de Israel, as Quatro Espécies levam essa unidade um passo adiante, integrando-nos numa só entidade. Ao segurar na mão as Quatro Espécies, reiteramos que, apesar de nossas disparidades, somos todos um.

O Lar Envolvente

Apesar de nossas diferenças, somos todos um. Pois as disparidades permanecem, como até as Quatro Espécies unificadoras expressam.

O lulav coroa acima do lote em erudição e sabedoria. O hadas exala seu perfume de boas obras, enquanto o aravá é marcado pela óbvia ignorância e falta de frutos. O etrog, é claro, ofusca todos eles com sua sublime perfeição.

Até quando elas simbolizam a unidade dos vários segmentos de Israel, as Quatro Espécies sublinham as diferenças entre elas – na verdade, enfatizam essas mesmas diferenças como os componentes complementares de um único povo.

Há, porém, uma forma ainda mais elevada de unidade que é concretizada pela Festa de Sucot. É a unidade da sucá – a unidade incorporada pela estrutura merecedora de acomodar um povo inteiro dentro de suas paredes. “A nação inteira de Israel pode, e deveria, habitar uma única sucá.” Pois a sucá representa uma unidade tão profunda e abrangente que todas as distinções empalidecem perante ela.

“A sucá é a única mitsvá na qual a pessoa entra com suas botas enlameadas”, declara o dito chassídico, e isso expressa a própria essência da sucá. Quando alguém entra na sucá, suas paredes e telhado o abrangem inteiramente, igualmente envolvem sua integridade. Sua mente está tanto na sucá quanto seus pés; seu coração é simplesmente outro ocupante de seu espaço, como são as suas “botas enlameadas”. Portanto quando a nação inteira de Israel habita numa única sucá, a unidade expressa transcende todas as diferenças e distinções entre eles.

Esta não é a unidade que é criada pelo nosso amor e compaixão um pelo outro. Também não é a unidade mais profunda que brota da maneira pela qual nossos papéis individuais, nossos talentos e forças complementam e preenchem uns aos outros, formando os órgãos e membros de um corpo único, integrado. Em vez disso, a sucá traz à luz a unidade implícita em nosso próprio ser – a unidade simples e absoluta de um povo enraizado na unidade profundamente singular de seu Criador e Fonte.

O Ser e os Seres
Isso explica as maneiras diferentes pelas quais nossos Sábios interpretam a exigência da Torá de “para si mesmo” a respeito das imitsvot das Quatro Espécies e da sucá. O judeu que segura as Quatro Espécies está se unindo com seus irmãos numa maneira que preserva – de fato, utiliza – sua identidade como indivíduo. Daí o uso da palavra “lachem” pela Torá, “para si mesmos” (no plural); ao dirigir-se ao povo de Israel quando eles se relacionam com as Quatro Espécies, a Torá está falando a muitos indivíduos, cada qual com sua contribuição única ao todo comunitário. Nesse contexto, “seu” é algo que é único ao seu ser individual; um objeto emprestado ou possuído em conjunto não é “seu”.

Sobre a construção da sucá, porém, a Torá fala conosco no singular “lecha” (“para si mesmo”). Pois a mitsvá da sucá aborda a unidade intrínseca de Israel – uma unidade na qual todos são apenas um, sem emendas. Aqui “para si mesmo” é o ser singular de Israel; desde que o seu uso de uma sucá não viole a integridade dessa unidade (como faz o uso de uma sucá roubada), a sucá de seu próximo não é menos sua que a sua própria.

     
   
top