Rabino Chefe da Inglaterra, Jonathan Sacks  
  Tem alguém em casa?
   
índice
 

Há poucos meses, recebi um telefonema intrigante. Não havia um "Alô", nenhuma desculpa pelo número errado, nem mesmo uma oferta de seguro de vida ou uma pesquisa sobre o sabão em pó preferido; somente um som estranho, uma batida, um farfalhar e de vez em quando, um pequeno estalido. Anotei o número que tinha me discado e, depois de alguns minutos, liguei de volta, preparado para o que desse e viesse, desde chamar uma ambulância até ameaçar com a polícia por causa de um trote. Mas, outra vez, havia os mesmos sons irregulares, um farfalhar, batidas e estalidos, e nem sombra de alguém que fosse humano.

Tentei esquecer o assunto, mas vinte minutos depois, o telefone tocou. Cautelosamente, apanhei-o. Novamente, meu evasivo interlocutor tilintou e fez sons no telefone por uns bons cinco minutos. Esgotei toda minha gama de "Alôs", sendo desde "educado e gentil" passando por "rude e determinado" até "flagelo do sub-mundo do crime", mas tudo foi em vão. Aturdido, tomei nota do número e desliguei.

Algumas horas depois, aconteceu outra vez. Desta vez, tentei tudo que me foi possível para escutar algum tipo de interação racional, em vão tentando discernir um comportamento, um propósito, por detrás desta sinfonia caótica e abafada que tocava em meu telefone. Novamente, nada aconteceu.

Naquela noite, tomei coragem e disquei para meu estranho amigo uma vez mais. Desta vez, alguém atendeu, e depois de uns minutos um tanto confusos, ficou claro que alguém que tinha me ligado de um telefone celular estava carregando o aparelho para lá e para cá, juntamente com vários outros objetos. Estes tinham batido contra o aparelho, e vez por outra, apertado os botões para fazê-lo rediscar o último número chamado. Eu tinha passado boa parte de meu dia falando com uma mochila.

Uma vez por ano, D'us nos faz um chamado. Ele nos dá Rosh Hashaná, chamando-nos com o shofar, pedindo-nos para falar com Ele. Dá-nos Yom Kipur, quando somos elevados ao nível de anjos e podemos abrir os portões do céu com nossa resposta a Seu chamado. Em Sucot, somos convidados para ir a um aposento especial passar algum tempo valioso com D'us. Podemos contemplar o teto frágil da sucá, podemos refletir sobre a natureza efêmera de todos os esforços humanos, e podemos nos sentir felizes, pois o próprio D'us toma conta de nós. Em Shemini Atsêret, D'us está relutante em desligar o telefone, e nos mantém na linha por mais um dia. Em Simchat Torá, iniciamos novamente nossa odisséia através do ano, esperando ansiosamente pelo próximo chamado especial, confiantes de que podemos suportar a distância, desde que tenhamos a Sêfer Torá em nossos braços e sua mensagem em nosso coração.

D'us nos dá um telefonema. Mas Ele receberá uma resposta? E se Ele escutar o farfalhar incoerente de preocupações financeiras, o tilintar ao acaso de pensamentos sobre os problemas mundanos, a colisão incessante das distrações da televisão, da Internet e das conversas à toa?

Você atenderá o telefonema de D'us e aceitará Seu convite para conversar e estar com Ele - ou Ele falará somente com sua mochila?

   
top