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Um olhar mais
profundo sobre Chana
A história começa no ano 2830 quando o marido de Chana,
Elkanah, leva sua família numa peregrinação a Shiloh,
o local do Tabernáculo, o centro espiritual temporário que
precedeu o Templo. Elkanah é casado também com outra mulher,
Penina. Chana, sem filhos, sofre humilhações por parte da
sua rival mais afortunada, que tem muitos filhos.
Solenemente, Chana entra no local sagrado em silêncio, oferecendo
preces sinceras por um filho. Eli, o Sumo Sacerdote, desacostumado a preces
tão sinceras e silenciosas, pensou que ela estivesse embriagada.
“Durante quanto tempo ficará bêbada? Trate de ficar
sóbria!”, Eli repreende Chana.
Chana responde: “Não, meu senhor, sou uma mulher de espírito
triste. Não bebi vinho nem licores, mas abri minha alma perante
D’us.”
Eli conclui: “Vá em paz, e que o D’us de Israel conceda
seu pedido.”
No ano seguinte nasce Shmuel, filho de Chana. Quando é desmamado,
Chana o leva ao Tabernáculo para ser ensinado por Eli. Shmuel cresce
e se torna o destemido Profeta que coroou os primeiros reis de Israel,
Shaul e David.
Você se relaciona com D’us
como um pai ou como um rei?
O tema principal de Rosh Hashaná é a aceitação
e reconhecimento da soberania Divina sobre a Criação.
Chana nos ensinou como nos relacionarmos com nosso Criador sob uma perspectiva
inteiramente feminina. Esta conscientização serve como base
de todo o Judaísmo. D’us deseja interagir com nossa realidade
como Soberano do Universo. Nós, por nossa vez, expressamos nossa
percepção de que a própria essência de nosso
ser é dependente de sua Divina origem. “Governa sobre o mundo
inteiro em Tua glória,” rezamos na Liturgia de Rosh Hashaná.
Vemos D’us como nosso Rei. Embora benevolente, Ele permanece a uma
distância infinita de nós, dando-nos responsabilidade e coragem
para tomarmos as decisões corretas em nossa vida. Ele espera que
combatamos o mal e repreende nossas fraquezas ou oscilacões. Ordena
firmemente que superemos as tentações, que “ouçamos
os mandamentos” e que escolhamos as bênçãos
em vez de nos afastar do caminho, percebendo que tudo que Ele faz é
em nosso supremo benefício.
Sob essa perspectiva, escuridão, desafio e desejo existem apenas
para vencermos e transcender, para despertar nossas forças e convicções
interiores, percebendo sua verdadeira pequenez e insignificância
no quadro geral das coisas.
Na haftará de Rosh Hashaná, lemos sobre a experiência
e perspectiva de uma mulher, Chana, a profetisa, que revelou muitas das
leis básicas da prece – a interface entre as realidades físicas
e espirituais. Ela também nos ensinou como nos relacionar com nosso
Criador sob uma perspectiva inteiramente feminina. A vermos D’us
não somente como nosso Rei e Soberano, mas também como um
Pai.
“Vós sois filhos do Eterno, vosso D’us.”
“Avinu Malkeinu, Nosso Pai, nosso Rei, seja bondoso conosco e nos
responda…”
D’us age como rei e também como pai. Eles demonstra os dois
tipos de amor: protege e ajuda, além de disciplinar e ensinar.
Os dois paradigmas, de Rei e de Pai, são genuínos e poderosos.
Porém eles se movem em direções opostas. Um Rei estabelece
uma distância definida e uma autoridade sobre seu súdito.
O amor paterno, por outro lado, é caracterizado pelo apego e proximidade.
Ao mesmo tempo que D’us como nosso Rei decreta a lei Divina, D’us
como nossa Mãe, como a Shechiná (Presença Divina
ou expressão “feminina” de D’us) fornece ajuda
Divina. A Shechiná – “Aquela que vem habitar com eles
sua impureza” (Vayicrá 16:16) – está sempre
presente, ministrando e facilitando para o seu filho. A Shechiná
vem para ficar junto com seus filhos. Nada, nem o aspecto material do
nosso mundo, nem nossa natureza física, pode romper o vínculo
inabalável entre Mãe e filho.
A prece é uma demonstração de como fundimos os dois
paradigmas de D’us como Rei e como Pai.
Como podemos pedir a Ele para mudar Seu plano?
A prece é uma atividade paradoxal. Por um lado, um elemento básico
da prece é o reconhecimento de toda a bondade imerecida que nosso
Rei nos concedeu e a articulação de nossa apreciação,
agradecimentos e louvor por tudo isso.
Reconhecemos que como a origem de tudo está a suprema Bondade,
assim também, tudo que nos acontece deve ser inteiramente bom.
Portanto, o mandamento da prece é para expressar nossas necessidades
e desejos materiais e espirituais. Sempre que sentirmos que algo está
faltando em nossa vida, somos ordenados a rezar a D’us e pedir a
Ele que corrija aquelas coisas que, sob a nossa perspectiva, deram errado.
Porém, se tudo se origina do nosso generoso Rei, que é supremo
em bondade e sabe melhor do que nós o que é bom para nós,
como podemos pedir a Ele para mudar Seu plano? Ou como podemos “exigir”
mais bondade de nosso Rei benevolente quando sabemos o quanto somos indignos?
A prece é D’us nos permitindo não somente relacionarmo-nos
com Ele como Rei transcendental num nível espiritual, mas também
como um Pai carinhoso. A prece é D`us dizendo, mostra-me como as
coisa parecem sob o seu ponto de vista, de dentro do seu mundo. Quando
nos permitimos não deixar de lado nossas emoções,
desejos medos e inseguranças, mas nos concentramos neles, que os
colocamos em perspectiva e os validamos.
A prece é perceber que o amor maternal do nosso Criador abalará
o próprio mundo para levar realização ao Seu filho.
É perceber que neste nível, o físico e o espiritual
não entram em conflito.
Talvez seja assim que entendemos as fascinantes palavras lidas na haftará
de Rosh Hashaná:
“Eu não preciso transcender meus desejos, Ele anseia por
ouvir tudo sobre eles.” Quando Eli acusa Chana de embriaguez, suas
palavras devem ser entendidas em sentido figurado. Ele na verdade não
acreditava que Chana estava embriagada ou ele a teria removido imediatamente
do local por respeito ao Templo.
Eli estava perguntando a Chana: “Por quanto tempo ficará
intoxicada pelos próprios desejos? Quanto tempo ficará tão
absorvida nas próprias necessidades, embriagada com os seus desejos?”
“Prece,” Eli estava corrigindo Chana, “é para
dar-lhe mais perspectiva espiritual, na qual você pode elevar-se
acima do materialismo de nosso mundo e expressar gratidão ao seu
Rei. Em vez disso, você se tornou obcecada pelos seus desejos pessoais.
“Eleve-se acima da sua situação. É hora de
você adquirir uma perspectiva mais ampla, na qual possa apreciar
a bondade de nosso Rei.”
A isso, Chana respondeu: “Não, não estou embriagada
com preocupações pessoais. Abri a minha alma desde o âmago
do meu ser, das profundezas da minha alma.
“A partir desse lugar profundo, vejo meu Criador não como
um Ser estranho, distante, preocupado apenas com o aspecto espiritual
de Seus súditos.
“Eu o vejo como um Pai amoroso que compartilha a minha dor, e chora
junto comigo, segurando minha mão em toda hora de trevas e sofrimento.
“Não preciso transcender os meus desejos, Ele anseia por
ouvir tudo sobre eles.”
Chana, uma mulher, precisou ensinar essa perspectiva. Ela nos ensinou
que a prece, o arquétipo feminino, tem empatia. É uma súplica
vinda do nosso íntimo, das profundezas do nosso coração,
conectando-nos com o desejo Divino de forjar uma conexão conosco.
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