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Yossef Groner é
um rabino de Chabad em Charlotte, na Carolina do Norte. Seu sotaque é
totalmente do Brooklyn, mas se você prestar atenção
conseguirá ouvir um ligeiro arrastar sulista. Quinze anos morando
na Carolina do Norte devem ter causado algum efeito sobre o sociável
rabino.
É a semana seguinte a Rosh Hashaná, e Groner está
preparando seu discurso de Yom Kipur. Ele recebe um chamado de um certo
Harvey Yelnick. O nome soa vagamente familiar, mas não muito significativo
para o rabino.
“Rabino Groner falando,” diz ele, recostando-se com um sorriso,
a mão direita segurando o fone e a outra ajeitando sua kipá
de veludo azul pousada sobre o cabelo que começa a rarear.
“Olá, rabino, aqui é Harvey Yelnick, você não
me conhece, mas tenho de dizer, vocês nem sequer sabem aquilo que
fazem. Não o conheço pessoalmente, mas preciso lhe agradecer.”
“Bem, seja bem-vindo,” diz Groner, “parece que você
quer contar uma história…”
“Sim, de fato. É sobre minha filha, Debra.”
Debra tem trinta anos, relata Yelnick, e mora em Los Angeles. Ela tem
um belo emprego, adora o clima da cidade e as pessoas de lá. O
problema é que todo ano antes de Rosh Hashaná ela faz pé
firme sobre não ir à sinagoga para as Grandes Festas. Este
ano, pouco antes de Rosh Hashaná, Yelnick telefona para ela para
desejar-lhe um ano bom e dar-lhe sua cutucada anual. Debra é uma
boa filha, mas também é sincera:
“Papi, não vou a nenhuma sinagoga este ano. Estou fora disso.
Não significa nada para mim. Eu não entendo, não
me interesso – nada disso faz a minha cabeça. Por que eu
deveria pagar duzentos e cinqüenta dólares para escutar algum
rabino pregando sobre a paz mundial quando poderia estar no escritório
terminando um serviço? Neste Rosh Hashaná pretendo trabalhar.
Para mim, o Judaísmo está morto.”
As palavras de Debra são como um punhal no coração
do pai. Yelnick sente profundamente pela filha, mas sabe que ela é
teimosa. Quando toma uma decisão, não adianta tentar mudá-la.
Yelnick desliga o telefone com o coração pesado. Ele não
se considera o judeu mais religioso do mundo, mas uma vez por ano, em
Rosh Hashaná, o lugar de um judeu é na sinagoga. Onde ele
terá errado na educação da filha? Por que não
conseguiu passar a ela o mesmo sentimento que tinha pela fé judaica?
Ao sentar-se em sua sinagoga naquele Rosh Hashaná, Harvey recita
uma prece adicional por sua filha – e por todos os filhos e filhas
de Israel lá fora, em Los Angeles, Chicago, Tel Aviv, vivendo alheios
à santidade do dia, perdidos para a tradição do seu
povo.
Na Costa Oeste, Debra Yelnick está caminhando pelo Wilshire Boulevard,
esquecida da santidade do dia. Está a três quadras de seu
escritório na esquina da Rua Poinsettia, e procura seu celular
para acessar a caixa de recados. Decide não fazê-lo quando
avista um chassid que caminha rapidamente em sua direção.
Resolve esperar que ele passe antes de fazer a chamada. Pensa que nada
tem em comum com este correligionário, que seus mundos são
díspares e desconectados. Ela pára num farol vermelho e
vê o chassid se encaminhando a um homem sem-teto sentado sob o toldo
de uma loja de tapetes persas. O chassid deseja bom dia ao homem e pergunta
se é judeu. A face do sem-teto se ilumina, ele diz sim, e que se
chama David.
Já ouviu o shofar hoje, David? pergunta o chassid. Creio que não,
responde David. Não se preocupe, diz o chassid, enquanto retira
um chifre de carneiro de dentro do casaco. Remove a kipá por sob
o chapéu e a coloca no cabelo seco e crescido de David.
O chassid leva o shofar aos lábios – e Debra às lágrimas.
O farol ficou verde, mas ela não vai a lugar algum. O grito do
shofar reverberando em Wilshire Boulevard exige sua total atenção.
Ela ouve em seu som primitivo algo que jamais ouvira antes: o grito de
uma alma chorando, a voz de uma princesa ansiando por retornar ao palácio.
O escritório na rua ao lado agora é o menor dos interesses
em sua mente. Enquanto ela volta para casa, considerando suas opções
de sinagoga – talvez aquela moderna, em Venice – ela “processa”
a experiência que acaba de viver. Aqui está um homem sem-teto,
que a maioria das pessoas tenta evitar com medo de pegar alguma doença
caso chegue perto. Porém o chassid faz exatamente o contrário
– ele caminha até o homem e o trata como um ser humano. Diz
a ele que é um judeu como qualquer outro. Rosh Hashaná e
a mitsvá do shofar são seu legado, tanto quanto do rabino
mais importante.
Ela viu a unidade judaica em ação, ela viu um homem que
valorizou um estranho e acreditou no poder de uma mitsvá. Ela viu
que o Judaísmo estava muito, muito vivo…
“Então, rabino,” conclui Yelnick, “eu queria
apenas lhe agradecer.”
Groner apalpa a gravata. É de um verde azulado, num estilo que
saiu de moda há vinte anos. Sua orelha está vermelha por
segurar o fone tanto tempo. Finalmente ele fala:
“Bem, não sei bem o que eu fiz, mas agradeço a você
por me contar esta linda história. Espero que qualquer dia desses
possamos nos conhecer, Harvey.”
“Certamente, rabino, certamente. Quando minha filha me ligou depois
de Rosh Hashaná e me contou a história, quase chorei. Foi
o melhor presente que D’us poderia ter me dado. Não sabe
como estou grato, Rabino Groner, não sabe o quanto estou agradecido…” |
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