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Este
dia é o início de Tuas obras, uma lembrança do primeiro
dia.
Da
prece Mussaf para Rosh Hashaná
Na verdade,
Rosh Hashaná assinala não o início da Criação
do Universo, mas D’us criando o Homem. O aniversário do primeiro
dia da Criação é 25 de Elul; o 1º dia de Tishrei,
a data observada como Rosh Hashaná, é o sexto dia da criação,
no qual o primeiro homem e a primeira mulher, Adam e Eva, foram criados.
Apesar disso, dizemos sobre Rosh Hashaná: "Zé hayom
techilat ma’asecha" – "Este dia é o início
de Tuas obras." Este dia, porque embora o homem seja a última
das criações em ordem cronológica, ele é o
primeiro em termos de função e propósito. Pois somente
o homem possui a qualidade única que dá significado e objetivo
à Criação de D’us.
Agente Livre
Sem o homem, o universo é uma mera máquina. Todo mineral,
planta e animal se comporta segundo um férreo conjunto de leis
ditadas por sua natureza inata, e não tem inclinação
nem capacidade para se comportar de modo diferente. Somente o homem reflete
seu Criador no sentido de possuir livre arbítrio; somente o homem
pode querer e agir contrariamente à sua natureza; somente o homem
pode fazer de si mesmo algo diferente daquilo que é, transcendendo
os próprios parâmetros do ser no qual nasceu.
Portanto, apenas as ações do homem têm verdadeiro
significado. O trabalho da formiga ou a lealdade da pomba não são
mais "morais" que a crueldade do gato ou a falsidade da cobra.
A majestade dos Alpes cobertos de neve não é mais virtuosa
que o odor de um pântano putrefato. Pois suas qualidades e características
são apenas o resultado da maneira pela qual foram formados e programados
por seu Criador. Porém quando o homem age de maneira virtuosa,
elevando acima de seu egoísmo instintivo para servir seu Criador,
ou quando age de maneira não-virtuosa, corrompendo sua natureza
de uma forma que nenhum animal ou objeto jamais poderia, e depois se arrepende
daquilo e até o converte numa força para o bem – algo
com um verdadeiro significado aconteceu. O homem libertou-se do universo
"programado" que D’us criou, e expandiu-o de maneiras
que seu potencial implícito não poderia ter gerado ou previsto.
O homem, nas palavras de nossos Sábios, tornou-se "um parceiro
de D’us na criação".
Os outros elementos não humanos da criação se realizam
através do homem, quando o homem os envolve no cumprimento de uma
mitsvá – um ato que cumpre uma ordem Divina. Por exemplo,
a pessoa que preenche um cheque para caridade tem muitos participantes
nesta ação; o papel e a tinta do cheque; os recursos naturais
e as forças que ele utilizou para ganhar o dinheiro que está
doando; até a montanha de onde foi extraído o mármore
da fachada do banco que processa o cheque foi rconectada. Estes e outros
inumeráveis elementos moralmente neutros foram elevados para serem
incluídos num ato humano criativo, transcendente, por meio deles
realizando o propósito de sua criação.
É por isso que Rosh Hashaná é "o início
de Tuas obras". Neste dia, o primeiro ser humano abriu os olhos,
contemplou a si mesmo e ao mundo, e escolheu devotá-los ao serviço
de seu Criador. Sua primeira ação foi envolver toda a Criação
em sua submissão a D’us. Nas palavras do Zôhar:
Quando Adam ergueu-se sobre seus pés, viu que todas as criaturas
o temiam e seguiam como servos fazem com seu amo. Ele então disse-lhes:
"Vocês e eu, ‘venham, vamos adorar e nos inclinar, vamos
nos ajoelhar perante D’us, nosso Criador.’"
Em todo Rosh Hashaná, repetimos o chamado de Adam. Intensificamos
nossa consciência de nosso Criador, reiteramos nossa aceitação
de Sua soberania, e reunimos todos os nossos recursos para a tarefa de
torná-Lo uma presença tangível em nossa vida. Como
proclamamos numa passagem central das preces de Rosh Hashaná:
"D’us nosso e D’us de nossos pais; Reina sobre o mundo
inteiro em Tua glória… Que cada objeto saiba que Tu o fizeste,
que cada criatura entenda que Tu a criaste, e que cada coisa que tem o
sopro da vida em suas narinas declare: D’us, o D’us de Israel,
é Rei, e Seu reinado tem domínio sobre tudo."
Assim a "Cabeça do Ano" coincide não com o primeiro
dia da Criação, quando D’us fez existir o tempo, o
espaço e a matéria, ou no terceiro dia, no qual Ele criou
a vida; ou no quarto dia, quando Ele criou as criaturas de instinto e
sentimento; mas no dia no qual D’us fez o homem "à Sua
imagem e semelhança", concedendo-lhe a capacidade Divina de
querer, escolher e criar. Pois este é o dia no qual o propósito
de todo componente de Sua criação – mineral, vegetal,
animal e humano – começou sua efetivação nos
atos do primeiro homem e da primeira mulher.
Este e… assim
A diferença entre estes dois "primeiros dias" –
o início da criação física em 25 de Elul e
o início da implementação do homem da sua função
quintessencial em Rosh Hashaná – é expressa na diferença
entre duas palavras hebraicas associadas com estas datas: zé ("este")
e ko ("assim").
Zé implica uma associação clara e direta com seu
objeto. Quando a Torá nos diz que nossos ancestrais, com sua miraculosa
travessia do Mar Vermelho, proclamaram "Zé ke-ili", "Este
é o meu D’us", nossos Sábios interpretam isso
como se fosse "como aquele que aponta com seu dedo e diz: "Este!"
Em contraste, a palavra ko, que significa "assim" ou "como
isso", implica uma referência mais ambígua. O Midrash
afirma que como, via de regra, um profeta recebe sua comunicação
do Todo Poderoso por meio de alusão e metáfora, "todos
os profetas profetizaram com ko", começando suas profecias
com a proclamação: "Ko amar Hashem" – "Assim
disse D’us…" (Somente Moshê, a quem D’us
falou "boca a boca, claramente, e não por enigmas", pôde
dizer "Zé hadavar asher tzivá Hashem" –
"Esta é a coisa que D’us ordenou.")
"Ko" é também a data do início da criação.
No idioma sagrado, as letras do alef-bet também servem como números;
como resultado, toda palavra tem um valor numérico, e muitos números
também formam uma palavra. O número 25 (kaf-hei) escreve
a palavra ko.
A
"Cabeça do Ano" coincide não com o primeiro
dia da Criação, quando D’us fez existir o
tempo, o espaço e a matéria, ou no terceiro dia,
no qual Ele criou a vida; ou no quarto dia, quando Ele criou as
criaturas de instinto e sentimento; mas no dia no qual D’us
fez o homem "à Sua imagem e semelhança".
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O mundo
criado a 25 de Elul é uma manifestação da Divindade.
Como o salmista proclama:
"Quando eu vejo Teus céus, a obra de Teus dedos, a lua e as
estrelas que Tu ordenaste…"
D’us escolheu expressar-Se em Sua criação, assim como
a mente e o caráter de um artista podem ser discernidos em sua
obra. Porém se o mundo pré-Adam proclama seu Criador, faz
isso através de uma tela de evocação e insinuação.
É uma expressão "ko" do Divino, uma intimação
que obscurece mesmo quando revela.
Somente na consciência e nas realizações do homem
pode haver uma revelação zé da Divindade. Somente
numa mente capaz de olhar além do véu da natureza e do ser,
somente numa vontade não abalada incorrigivelmente pelo instinto
e pelo ego, pode a Divina realidade habitar inequivocamente. Somente em
nossas escolhas e ações D’us pode ser feito real em
nosso mundo.
Com a criação do homem em 1º de Tishrei, o mundo tornou-se
mais que uma entidade ko, mais que uma alusão a seu Criador. Ao
escolher subordinar-se ao Todo Poderoso, devotando sua mente a buscar
Sua verdade, seu coração a amar e temê-Lo, e sua vida
para implementar Sua vontade, o homem fez de sua alma e de seu mundo "uma
morada para D’us".
Portanto Rosh Hashaná, o aniversário do homem e a afirmação
anual de seu papel, é o dia no qual dizemos: zé, "este"
é o dia que assinala "o início de Tuas obras".
A vida como um mineral
O homem, dizem nossos Sábios, é um universo em miniatura.
Assim, como a criação como um todo compreende os fatores
ko e zé – do mundo pré-humano criado em 25 de Elul
e o elemento humano introduzido em 1º de Tishrei – assim também
é dentro do ser humano. E como todos os elementos do macro-universo
cumprem seu propósito na criação através das
ações do homem, assim também todas as camadas do
"universo" humano atingem sua realização através
de seu elemento distintamente humano, através do homem no homem.
Nossos Sábios categorizam a inteireza da criação
como consistindo de quatro "mundos" ou "reinos": o
"inanimado" ou mineral; o reino vegetal; o reino animal e o
reino "falante" – o ser humano.
O homem, também incorpora estes quatro "reinos" dentro
de si mesmo. Há ocasiões e processos em nossa vida nos quais
nos assemelhamos ao reino mineral. Podemos estar adormecidos, ou em férias,
ou nos divertindo, ou engajados em qualquer uma das formas de repouso
e recreação às quais devotamos uma porção
significativa de nosso tempo.
Obviamente, estamos fisicamente vivos nestas horas; podemos até
estar nos forçando e empregando nossas faculdades mais aguçadas.
Porém espiritualmente, somos uma pedra inanimada. A "vida",
no seu sentido supremo, é o esforço para transcender o próprio
estado atual – crescer e ir além daquilo que se é
– ao passo que a função de nossos processos "minerais"
é sustentar em vez de produzir, converter em vez de criar.
Também
há ocasiões nas quais estamos em nosso modo "vegetal"
– quando nosso foco está no auto-crescimento e desenvolvimento.
Com estas atividades, exibimos sinais de vida espiritual, em oposição
à inércia de nossas horas "minerais". Mesmo assim,
como estão confinados ao melhoramento do ser, estes representam
uma vitalidade limitada, "botânica": estamos crescendo
para cima, florescendo e dando frutos; porém permanecemos enraizados
ao "local" onde a natureza nos plantou.
Uma vitalidade mais dinâmica é exibida pelo "animal"
dentro de nós – os instintos, paixões e sensibilidades
através dos quais nos relacionamos com os outros. Com nossas faculdades
para amar, respeitar e sentir outras emoções, percorremos
o terreno além do estreito espectro do ser, transcendendo o crescimento
meramente vertical de nosso elemento vegetal.
Porém, somos mais que a soma de nossa vida mineral, vegetal e animal;
mais que repouso, crescimento e sentimentos. O homem no homem, nossas
qualidades humanas básicas, são nosso intelecto e nossa
espiritualidade.
Com nossa capacidade única para o raciocínio independente
e inteligência discriminatória, transcendemos o mundo auto-definido
do instinto e sentimento para nos contemplar pelo lado de fora, e nos
mudar da maneira adequada. Assim o ser intelectual está realmente
"vivo" – constantemente reavaliando e redefinindo suas
percepções e sensibilidades.
Ainda mais transcendente que o intelecto é nosso ser espiritual,
a "centelha de Divindade" dentro de nós que nos torna
o auge da criação de D’us. O intelecto é "livre"
e "objetivo", mas somente em relação às
emoções subjetivas; em última análise o intelecto
é definido e confinado pela natureza e leis da razão. O
Divino dentro de nós, no entanto, não conhece limites, sobrepujando
todas as restrições e limitações que poderiam
inibir nosso relacionamento com nosso Criador.
É quando engajamos nossas faculdades intelectuais e espirituais
que somos realmente nosso "eu" humano. É nesses momentos
– quando empregamos nossa mente para literalmente nos recriar por
meio da autocrítica e refinamento de nosso caráter e comportamento,
e quando transcendemos todas as inibições do ego, sentimento
e até intelecto para servir a D’us sem restrição
ou equívoco – que fazemos jus ao nosso papel como parceiros
de D’us na Criação, como a única de Suas criaturas
que possui a liberdade de originar e criar.
A primazia do homem
Aqui está a dupla lição de Rosh Hashaná, o
dia que enfatiza a centralidade do homem na criação.
No nível macrocósmico, Rosh Hashaná nos ensina que
"Todo homem é obrigado a dizer: ‘O mundo inteiro foi
criado para me servir, e eu fui criado para servir a Meu Criador.’"
Este nosso "privilégio" de explorar os recursos naturais
para servirem às nossas próprias necessidades é também
um dever e uma responsabilidade, pois é através de sua contribuição
a nosso vida que todos os elementos da criação podem se
elevar das limitações de sua existência "robótica"
para partilharem a espiritualidade e a transcendência de um ato
humano. Quando nos provamos dignos desta tarefa, não somente nos
elevamos acima de nosso estado criado como também elevamos o universo
inteiro conosco; quando não conseguimos fazê-lo, D’us
não o permita, não apenas rebaixamos nossa própria
humanidade como também arrastamos conosco tudo aquilo que é
parte de nossa existência.
O mesmo se aplica ao universo microcósmico – a vida do homem.
Nossos esforços "minerais" "vegetais" e "animais"
são importantes – na verdade indispensáveis –
componentes de nossa vida; porém devemos nos lembrar que também
nesse mundo interior, tudo foi criado "para o meu bem" –
para servir ao humano em mim.
Quando a meta de nossas atividades recreativas, auto-refinadoras e experimentais
é para possibilitar nossa vida intelectual e espiritual, elas também
se tornam parceiras do nosso esforço transcendental para nos refazermos,
e ao mundo que habitamos, à imagem Divina impressa dentro de nós;
eles, também, se tornam esforços humanos, participantes
na realização do potencial Divino investido no homem.
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