Purim e o Segredo do Vinho  
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  Por Jonathan Udren  
 

Vemos no vinho uma alusão à possibilidade de crescimento e aperfeiçoamento ilimitados.

Ao abrir o Livro de Esther, entra-se num banquete de proporções reais, que dura 180 dias e inclui participantes de 127 províncias. Ricos e pobres, jovens e velhos, todos foram convidados ao festim real, os homens à festa do Rei Achashverosh e as mulheres à da Rainha Vashti.

Porém o nome para a festividade é peculiar – “mishteh”, mal traduzido significa festa de bebida. E quais eram as bebidas à disposição? Somente vinho! Em uma das muitas referências textuais ao vinho, o Livro de Esther registra: “O vinho real foi servido em abundância.” (Esther 1:7)

Os Sábios do Talmud fizeram uma pergunta sobre essa passagem: Como qualificamos o termo “abundância”? Eles responderam que cada convidado bebia vinho mais velho que ele próprio. (Meguilla 12 a)

O Maharal de Praga, um dos mais notáveis filósofos e cabalistas do Judaísmo, nos oferece uma fascinante reflexão sobre a declaração dos Rabinos:

Por que eles fizeram isso [servir a cada convidado vinho mais velho que ele]? Porque há uma conexão essencial entre o vinho e uma pessoa; o tempo todo em que a pessoa envelhece, seus pensamentos se tornam mais claros. O mesmo ocorre com o vinho; o vinho é singular no sentido em que se torna melhor…

Embora o comentário do Maharal possa ser entendido literalmente, ele também está sugerindo uma ideia profunda sobre a natureza do vinho. Tudo no mundo deteriora no decorrer do tempo, mas o vinho é singular porque se torna melhor. Essa qualidade notável sugere o propósito de D'us para toda a Criação.

O homem não deveria morrer; como um vinho bom, D'us pretendia que o homem melhorasse constantemente com a idade. Porém nossa tradição mística relata que quando Adam e Eva comeram da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, a morte entrou no mundo. O corpo físico que abriga a centelha do Divino tornou-se destinado a voltar para sua fonte: o próprio chão sobre o qual caminhamos. Mas houve uma pista que D'us nos deixou para ilustrar Seu desejo inicial, e esta é o vinho. O vinho desenvolve melhor textura e sabor com a idade. No vinho nós vemos uma alusão à possibilidade de crescimento e aperfeiçoamento ilimitados, que era a intenção no início da Criação.

Note que o Maharal compara o vinho aos pensamentos do homem e não ao próprio homem. Há um aspecto do ser humano que manteve seu estado puro após a queda do Éden; segundo o Maharal, é o nosso intelecto avançado. Esta é a centelha do Divino dentro de todos nós, e uma das qualidade unicas que define a nossa humanidade. Nosso intelecto não está enraizado no âmbito do físico, mas sim no espiritual; portanto, se não estivesse limitado às restrições do corpo, continuaria a se desenvolver infinitamente. É por isso que os pensamentos do homem, ou intelecto, e não o homem em si, são comparados ao vinho, uma metáfora para evolução infinita.

Ao examinar uma famosa declaração feita pelos Sábios do Talmud com a interpretação do Maharal, podemos entender outro aspecto oculto do vinho.
“Quando entra o vinho, segredos são revelados.” (Eruvin 65 a)

Vinho [em hebraico “yayin”] vem de um local escondido; portantoseu valor numérico é 70, o mesmo da palavra “segredo”[em hebraico, “sod].
(Hidushei Aggadah, Sanhedrin)

Para o Maharal, que desenvolveu uma abordagem numérica em seu estudo de toda a Tradição Oral e Escrita, os números contêm significado especial. Uma conexão numérica entre duas palavras em hebraico não é simplesmente uma conexão ao acaso; ilustra um vínculo conceitual profundo.

O principal não é amortecer nossos sentidos, mas sim sintonizá-los com a realidade oculta que normalmente está escondida dos nossos olhos…

No sistema do Maharal, múltiplos de 10 não mudam o caráter do número; portanto podemos entender o 70 como um sete grande. Mas, antes de entendermos o número sete, vamos falar sobre o número seis. No mundo físico tridimensional, tudo tem seis lados, como nos lados de um cubo’ o número seis se relaciona com os seis lados da existência física na qual vivemos. O sete, no entanto, é o ponto no centro do cubo; é o local oculto onde tudo no mundo físico tem sua fonte espiritual. É o ponto que representa unidade e a essência interior de toda a existência.

Agora podemos entender a declaração do Maharal de que o vinho vem do lugar de ocultação. O valor numérico da palavra para vinho aponta para a essência oculta, interior, da Criação. Também ilustra nossa tarefa designada no mundo, trazer o sete, o ideal fugidio, até o seis, a natureza física da existência. Este é o motivo pelo qual o vinho está presente em quase todo evento importante do ciclo de vida judaico, bem como em todo Shabat e toda festa. Nesses momentos importantes, o vinho é colocado no centro da mesa e nos lembra do nosso potencial oculto e infinito.

No final do Livro de Esther, Mordechai anuncia que os dias 14 e 15 do mês de Adar devem ser celebrados como “dias de moshteh e júbilo”. As celebrações devem, como a festa do Rei Achashverosh e da Rainha Vashti, incluir vinho. Mas ao contrário da festa real, Purim não é sobre beber para ficar bêbado. A ideia não é amortecer nossos sentidos, mas sintonizá-los com a realidade oculta que normalmente é escondida aos nossos olhos. Ao beber vinho em Purim, temos a capacidade de ver através dos seis lados do físico diretamente até o centro, até a essência absoluta de nós mesmos e as possibilidades ilimitadas que nos cercam. Quando entra o vinho, os segredos são realmente revelados.
(Baseado nos ensinamentos do Maharal de Praga)

       
   
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