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Vemos no vinho uma alusão à
possibilidade de crescimento e aperfeiçoamento ilimitados.
Ao abrir o Livro de Esther, entra-se num banquete de proporções
reais, que dura 180 dias e inclui participantes de 127 províncias.
Ricos e pobres, jovens e velhos, todos foram convidados ao festim real,
os homens à festa do Rei Achashverosh e as mulheres à da
Rainha Vashti.
Porém o nome para a festividade é peculiar – “mishteh”,
mal traduzido significa festa de bebida. E quais eram as bebidas à
disposição? Somente vinho! Em uma das muitas referências
textuais ao vinho, o Livro de Esther registra: “O vinho real foi
servido em abundância.” (Esther 1:7)
Os Sábios do Talmud fizeram uma pergunta sobre essa passagem: Como
qualificamos o termo “abundância”? Eles responderam
que cada convidado bebia vinho mais velho que ele próprio. (Meguilla
12 a)
O Maharal de Praga, um dos mais notáveis filósofos e cabalistas
do Judaísmo, nos oferece uma fascinante reflexão sobre a
declaração dos Rabinos:
Por que eles fizeram isso [servir a cada convidado vinho mais velho que
ele]? Porque há uma conexão essencial entre o vinho e uma
pessoa; o tempo todo em que a pessoa envelhece, seus pensamentos se tornam
mais claros. O mesmo ocorre com o vinho; o vinho é singular no
sentido em que se torna melhor…
Embora o comentário do Maharal possa ser entendido literalmente,
ele também está sugerindo uma ideia profunda sobre a natureza
do vinho. Tudo no mundo deteriora no decorrer do tempo, mas o vinho é
singular porque se torna melhor. Essa qualidade notável sugere
o propósito de D'us para toda a Criação.
O homem não deveria morrer; como um vinho bom, D'us pretendia que
o homem melhorasse constantemente com a idade. Porém nossa tradição
mística relata que quando Adam e Eva comeram da Árvore do
Conhecimento do Bem e do Mal, a morte entrou no mundo. O corpo físico
que abriga a centelha do Divino tornou-se destinado a voltar para sua
fonte: o próprio chão sobre o qual caminhamos. Mas houve
uma pista que D'us nos deixou para ilustrar Seu desejo inicial, e esta
é o vinho. O vinho desenvolve melhor textura e sabor com a idade.
No vinho nós vemos uma alusão à possibilidade de
crescimento e aperfeiçoamento ilimitados, que era a intenção
no início da Criação.
Note que o Maharal compara o vinho aos pensamentos do homem e não
ao próprio homem. Há um aspecto do ser humano que manteve
seu estado puro após a queda do Éden; segundo o Maharal,
é o nosso intelecto avançado. Esta é a centelha do
Divino dentro de todos nós, e uma das qualidade unicas que define
a nossa humanidade. Nosso intelecto não está enraizado no
âmbito do físico, mas sim no espiritual; portanto, se não
estivesse limitado às restrições do corpo, continuaria
a se desenvolver infinitamente. É por isso que os pensamentos do
homem, ou intelecto, e não o homem em si, são comparados
ao vinho, uma metáfora para evolução infinita.
Ao examinar uma famosa declaração feita pelos Sábios
do Talmud com a interpretação do Maharal, podemos entender
outro aspecto oculto do vinho.
“Quando entra o vinho, segredos são revelados.” (Eruvin
65 a)
Vinho [em hebraico “yayin”] vem de um local escondido; portantoseu
valor numérico é 70, o mesmo da palavra “segredo”[em
hebraico, “sod].
(Hidushei Aggadah, Sanhedrin)
Para o Maharal, que desenvolveu uma abordagem numérica em seu estudo
de toda a Tradição Oral e Escrita, os números contêm
significado especial. Uma conexão numérica entre duas palavras
em hebraico não é simplesmente uma conexão ao acaso;
ilustra um vínculo conceitual profundo.
O principal não é amortecer nossos sentidos, mas sim sintonizá-los
com a realidade oculta que normalmente está escondida dos nossos
olhos…
No sistema do Maharal, múltiplos de 10 não mudam o caráter
do número; portanto podemos entender o 70 como um sete grande.
Mas, antes de entendermos o número sete, vamos falar sobre o número
seis. No mundo físico tridimensional, tudo tem seis lados, como
nos lados de um cubo’ o número seis se relaciona com os seis
lados da existência física na qual vivemos. O sete, no entanto,
é o ponto no centro do cubo; é o local oculto onde tudo
no mundo físico tem sua fonte espiritual. É o ponto que
representa unidade e a essência interior de toda a existência.
Agora podemos entender a declaração do Maharal de que o
vinho vem do lugar de ocultação. O valor numérico
da palavra para vinho aponta para a essência oculta, interior, da
Criação. Também ilustra nossa tarefa designada no
mundo, trazer o sete, o ideal fugidio, até o seis, a natureza física
da existência. Este é o motivo pelo qual o vinho está
presente em quase todo evento importante do ciclo de vida judaico, bem
como em todo Shabat e toda festa. Nesses momentos importantes, o vinho
é colocado no centro da mesa e nos lembra do nosso potencial oculto
e infinito.
No final do Livro de Esther, Mordechai anuncia que os dias 14 e 15 do
mês de Adar devem ser celebrados como “dias de moshteh e júbilo”.
As celebrações devem, como a festa do Rei Achashverosh e
da Rainha Vashti, incluir vinho. Mas ao contrário da festa real,
Purim não é sobre beber para ficar bêbado. A ideia
não é amortecer nossos sentidos, mas sintonizá-los
com a realidade oculta que normalmente é escondida aos nossos olhos.
Ao beber vinho em Purim, temos a capacidade de ver através dos
seis lados do físico diretamente até o centro, até
a essência absoluta de nós mesmos e as possibilidades ilimitadas
que nos cercam. Quando entra o vinho, os segredos são realmente
revelados.
(Baseado nos ensinamentos do Maharal de Praga)
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