Uma jornada de 49 dias
 
indice
 

A cidade era cercada por uma cadeia de colinas altas e escuras. Pesadas nuvens pairavam sobre o vale estreito, não permitindo que um único raio de sol passasse através delas. Os habitantes nasciam, viviam e morriam neste "vale de lágrimas", como o lugar era por vezes chamado. Não tinham a mínima noção de que fora dali havia lugares felizes, banhados pelo sol.

Certo dia de primavera, um prodigioso estranho apareceu vagando pelo vale. Observando a vida triste e atrofiada que tinham naquele local, contou-lhes sobre sua terra natal: um lugar ensolarado, com ar fresco, cheio de alegrias e canções. Ninguém conseguia acreditar que existisse tal lugar.

Certa manhã, antes do romper da aurora, o estranho levou-os até os limites do vale, e quando a brisa da manhã dissipou as nuvens escuras, viram à distância, como se iluminado por um lampejo de luz, um planalto coberto de verde, no topo de um monte distante banhado pela luz do sol nascente.

"Esta é a terra à qual os levarei", proclamou o estranho homem ao surpreso povo do vale. A visão do sol e de seus raios transmitiram esperança ao povo, que seguiu entusiasticamente seu líder. A jornada da saída do vale escuro e úmido foi longa e traiçoeira. Havia terras incultas, desertos de areia, colinas escarpadas a galgar. Ainda não havia sinal da montanha maravilhosa que era o destino deles.

De tempos em tempos, o líder refrescava a memória das pessoas, lembrando-as daquela gloriosa manhã em que tinham avistado a montanha com seus próprios olhos. Nestas ocasiões, podiam ver novamente o topo da montanha banhado pela luz do sol. E esta lembrança dava-lhes a força e a fé necessárias para sustentá-los até o glorioso dia no qual realmente chegariam ao pé da montanha.

O vale cósmico

Esta, dizem os mestres chassídicos, é a história de nossa vida cotidiana: o constante conflito, a escalada exaustiva da escada da perfeição, aprimorando a matéria prima de nosso ser, chegando perto, mas na verdade jamais atingindo a plenitude. É uma escada cuja base está fixada no escuro vale de um mundo onde D'us oculta sua face, e em cujo topo brincam raios nascidos de um manancial de luz.

E mesmo assim existem aqueles raros momentos de revelação. Momentos nos quais a face de D'us sorri através da névoa e vislumbramos a terra prometida, ponto culminante de nossa jornada.

A história de nossa vida diária é a história de uma viagem feita na escuridão, a história de um conflito interior com as forças da natureza dentro e fora de nós. Mas sem aqueles lampejos vindos do Alto - sem os raios de luz que afastam a escuridão, embora apenas pelo mais breve dos momentos - não poderíamos sobreviver à jornada, e atingir nossa meta definitiva.

A escalada do Sinai

O protótipo desta jornada é Sefirat Haômer, a contagem dos quarenta e nove dias de Pêssach a Shavuot.

Por 210 anos nossos ancestrais viveram na escuridão. Escravizados pelos egípcios, habitaram em uma névoa espiritual que obstruiu qualquer vestígio de manifestação Divina.

Então, certo dia, um prodigioso estranho apareceu no meio deles. Falou-lhes de uma promessa antiga, feita pelo D'us de seus antepassados, de que um dia eles iriam deixar este mundo sem sol. Falou sobre o topo de uma montanha, na qual D'us apareceria a eles, tomando-os para Si como Seu povo escolhido, outorgando-lhes Sua Torá, a revelação de Sua sabedoria e vontade. Mas a escuridão do mundo em que viviam parecia impregnável. Não tinham a menor idéia de como era este mundo ensolarado, menos ainda de como chegar lá.

Então, ao romper da meia-noite na véspera de Pêssach, abriu-se uma brecha nas nuvens de seu exílio e contemplaram a face de seu Criador. Naquela noite, D'us revelou-Se a eles e os redimiu. D'us, é claro, poderia simplesmente tê-los tirado do Egito e levado ao Monte Sinai naquela mesma noite. Porém, Ele desejava que fosse a jornada deles, a conquista deles. Então, após aquela visão momentânea, a face de D'us retrocedeu. Começaram então a árdua escalada do Sinai.

Os judeus estavam fora do Egito, mas o Egito estava ainda profundamente presente neles. Por sete semanas, lutaram para refinar os sete traços de sua alma, purificá-la e fazê-los candidatos para a Outorga da Torá. Isso era algo que deveriam adquirir por seu próprio mérito, nas trevas de suas deficiências e frieza de sua alienação. Mas foi esta visão inicial da luz Divina que os inspirou, encorajou e liderou-os em sua jornada.

A contagem anual

A cada ano, na primeira noite de Pêssach, comemoramos os eventos da noite do Êxodo. Pelo cumprimento do Sêder, revivemos a visão libertadora que dirige nossa emergência anual de nosso "Egito" pessoal e nossa liberação interna "da escravidão à liberdade, das trevas a uma grandiosa luz". Mas a revelação do Êxodo é apenas um lampejo breve e momentâneo. No dia seguinte começamos nossa trilha de quarenta e nove dias até o Sinai, reencenada a cada ano com a "Contagem do Ômer".

Iniciando-se com a segunda noite de Pêssach, contamos os dias percorridos desde o Êxodo, registrando os marcos e as estações de nosso auto-refinamento. O quinquagésimo dia é Shavuot, nossa experiência anual da Outorga da Torá, quando novamente ficamos ao pé do Sinai para receber a comunicação de D'us e ser consagrado como um "reino de sacerdotes e uma nação sagrada".

 
top