Fundindo o Material com o Espiritual
  Por Benjamin Bresinger  
  Lag BaOmer celebra o falecimento de Rabi Shimon bar Yochai, um dos mais destacados sábios do Talmud e autor do Zohar, o texto fundamental da Cabalá.

O conhecimento de Rabi Shimon ia do âmbito exotérico e legal da Torá até os seus segredos místicos mais profundos. Além disso, ele conseguia perceber estas duas áreas de conhecimento não como disciplinas distintas, auto-contidas, mas como uma só unidade, o aspecto legal sendo o corpo e o elemento místico da alma de uma Torá integrada.1

Esta unidade dentro da Torá que Rabi Shimon reconheceu permitiu-lhe perceber a unidade Divina dentro de nosso mundo material e, além disso, ter essa unidade expressa no fato verdadeiro bem como no abstrato. Ele entendia o estudo de Torá como todo abrangente, capaz de influenciar e controlar cada aspecto de nossas vidas.

Assim o Zohar relata2 que Erets Yisrael certa vez passou por uma terrível seca. Quando os judeus apelaram a Rabi Shimon por ajuda, ele explicou o versículo3: “Como é bom e agradável para os irmãos morarem juntos” – e começou a chover.

No mesmo nível, o Midrash relata4 que um dos alunos de Rabi Shimon retornou a Erets Yisrael após conquistar riquezas em terras estrangeiras. Vendo que alguns dos outros alunos ficaram com inveja, Rabi Shimon os levou a um vale e clamou: “Vale, vale, encha-se de moedas de ouro,” e assim aconteceu. “Quem quiser pode pegar à voontade,” declarou Rabi Shimon, “mas ele deve saber que está tirando de sua porção no Mundo Vindouro.”

Rabi Shimon conseguiu tornar a riqueza espiritual do Mundo Vindouro tão manifesta quanto a riqueza material neste mundo.

Não uma partida, mas uma extensão
Em Lag Baomer, procuramos imitar essa qualidade de Rabi Shimon. Nesse dia, é costume que os jovens alunos da yeshivá deixem as salas de estudo e vão aos campos5. A intenção desse costume é obviamente não marcar o yahrtzeit de Rabi Shimon tirando uma folga do estudo de Torá, mas sim levar a yeshivá até os campos. Rabi Shimon conseguia unir os elementos místicos mais profundos da Torá com os elementos naturais do mundo. Em imitação a ele, as crianças estendem a atmosfera da yeshivá para abranger até o campo, uma área aparentemente além do âmbito da Torá.

Um compromisso todo abrangente
Rabi Shimon ensinou que a unidade subjacente da Torá e a mundanidade devem ser expressas todos os dias, não apenas uma vez ao ano. Tendo isso em mente, podemos entender um clássico debate talmúdico6 sobre o versículo7: “Este Rolo de Torá não deve se separar de sua boca.”

Rabi Yishmael afirma que o versículo não pode ser tomado literalmente; ao contrário, como o máximo de tempo possível deve ser dedicado ao estudo de Torá, mas parte do tempo da pessoa deve ser devotado a ganhar o próprio sustento. Rabi Shimon, no entanto, argumenta que o versículo deve ser levado literalmente. Uma pessoa deve devotar todo seu tempo e esforço ao estudo de Torá, deixando a cargo de D’us assegurar que suas necessidades materiais serão satisfeitas.

Rabi Shimon seguia os próprios ensinamentos. O Talmud diz sobre ele, “Toraso umanuso”, - “Sua profissão era a Torá.” Ele se devotava unicamente ao estudo de Torá, permanecendo completamente afastado dos assuntos mundanos.

Extraindo o melhor dos nossos momentos
A opinião de Rabi Shimon é relevante para nós? Resumindo o debate, o Talmud diz8: “Muitos seguiram a opinião de Rabi Yishmael e foram bem-sucedidos; outros seguiram a opinião de Rabi Shimon e não tiveram sucesso.” Embora o próprio Rabi Shimon conseguisse funcionar neste nível elevado, isso parece estar além do alcance da maioria das pessoas9. De fato, nossos rabinos declaram10 que o conceito de Toraso umanuso como exemplificado por Rabi Shimon não existe mais.

Como, então, entendemos este ensinamento?

Nossos Sábios dizem11 que a Torá foi dada apenas àqueles – i.e., os judeus no deserto – que comeram o maná. Esta declaração não visa a limitar o número de pessoas que têm acesso ao estudo de Torá; pretende, em vez disso, ensinar-nos como devemos abordá-lo.

Enquanto nossos ancestrais recebiam seu alimento do céu, não tiveram de se preocupar em ganhar seu sustento. Com todas as suas necessidades miraculosamente providas, eles puderam concentrar suas energias somente no crescimento espiritual. Nós, em contraste, não recebemos milagres abertos, e portanto devemos passar uma certa quantidade de tempo envolvidos com assuntos mundanos. Apesar disso, durante o tempo em que estudamos Torá, todas as nossas preocupações e cuidados, toda nossa preocupação com os assuntos materiais, devem ser deixados de lado. Dessa maneira, durante o tempo que designamos para estudo de Torá, podemos atingir o nível “daqueles que comeram maná”, e imitar o estado de Toraso umanuso de Rabi Shimon.

O Alter Rebe12 explica que cumprir uma mitsvá estabelece uma união eterna com o Divino. Assim, estudar Torá, mesmo que brevemente com a atenção “daqueles que comeram maná”, sedimenta um vínculo eterno com D’us ao nível de Rabi Shimon bar Yochai. Mesmo depois desse estudo, quando uma pessoa volta sua atenção às preocupações materiais, esta conexão interior é mantida.

Em preparação para a suprema unidade
Na Era da Redenção, a fusão entre o material e o espiritual exemplificada por Rabi Shimon se refletirá em todo o mundo. E através da divulgação dos ensinamentos de Rabi Shimon, a vinda da Redenção pode ser apressada. Como declara o Raaya Mehemna13: “Porque ao final o povo judeu vai saborear a Árvore da Vida, que é o Livro do Zohar, eles sairão do exílio com ele, em misericórdia.” Que isso possa ocorrer brevemente em nossos dias.
 

Notas

1 – Veja o ensaio (vol. I pag, 101 ff) intitulado “Preenchendo a lacuna entre o Intelecto e a Auto-Transcendência,” onde este conceito é explicado à luz da Chassidut de Chabad.

2 – Vol. III, pág. 59 b. O Talmud registra vários casos nos quais numerosos Sábios tinham atendidas suas preces por chuva (veja Taanit 23 a, 25 b). O que é singular sobre o exemplo acima citado é que a chuva vinha não como uma resposta à prece, mas como uma expressão física das energias espirituaos despertadas através do estudo de Torá.

3 – Tehilim 133:1.

4 – Shemot Rabbah 52:3.

5 – Sefer haSichot 5704, pág. 119; HaYom Yom, item para Lag BaOmer; Sefer Bein Pêssach leShavuot (Israel, 5744), caps. 18:33-34 e 19:8-9.

6 – Berachot 35 b.

7 – Yeshoshua 1:8.

8– Berachot, loc. cit.

9– Parece que o próprio Rabi Shimon Bar Yochaii avaliava que este nível de devoção estava além do potencial da maioria dos homens. Assim, Shabat 33 relata que quando Rabi Shimon e seu filho Rabi Elazar emergiram de sua provação de 13 anos na gruta, eles encontraram as pessoas envolvidas nos seus assuntos mundanos do dia-a-dia.

Rabi Elazar foi incapaz de entender: “Como podem as pessoas abandonar a vida eterna (i.e., o estudo de Torá) e se ocupar com preocupações temporais?” Rabi Shimon o aplacou, dizendo: “Você e eu somos suficientes para o mundo.”

10– Shulchan Aruch HaRav, Hilchot Tefilah 106:4; Hilchot Talmud Torah 4:4-5.

11– Mechilta, Shemot 16:4.

12– Tanya, cap. 25.

13– Zohar III, pág. 124 b; veja Igueret HaKodesh, Epístola 26.

     
   
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