24.000 Mais Um
  Por Simon Jacobson – Em MeaningfulLife.com  
 

Baseado nos Ensinamentos do Rebe
Houve certa vez um homem que tinha vinte e quatro mil discípulos. Ele os ensinou a amar, mas o amor deles foi absoluto demais, verdadeiro demais, para ser amoroso. Eles morreram, e sua morte abrangeu um período de luto que obscurece nosso calendário até os dias de hoje.

Este homem tinha um discípulo que devotou toda sua vida – literalmente cada minuto dela – à busca da verdade. Porém sua verdade era verdadeira o suficiente para amar. Ele, também, deixou este mundo, e o aniversário de seu falecimento é celebrado como um dia de júbilo e festividade até hoje.

Esta, em poucas palavras, é a história de Lag BaOmer – a história de Rabi Akiva e seu discípulo mais notável, Rabi Shimon bar Yochai.

Uma Morte Celebrada
Dia 18 de Iyar é Lag BaOmer – O 33º dia da Contagem do Omer que abrange as sete semanas de Pêssach a Shavuot. Duas ocasiões festivas estão associadas com este dia. Durante o período do Omer pranteamos a morte dos 24.000 alunos de Rabi Akiva que morreram numa peste porque, conforme nos informa o Talmud, “Eles não se conduziram com respeito uns pelos outros. Lag BaOmer é o dia em que a peste terminou e a mortandade cessou. Lag BaOmer é também o aniversário de falecimento do discípulo mais importante de Rabi Akiva, Rabi Shimon bar Yochai. Antes de sua morte (muitos anos depois, sem conexão com a peste), Rabi Shimon referiu-se ao dia de sua morte como “o dia da minha felicidade” e instruiu seus discípulos que deveria ser observado como um dia de celebração festiva.

Por que o falecimento dos outros discípulos de Rabi Akiva é pranteado como uma tragédia nacional, enquanto a morte de Rabi Shimon bar Yochai é lembrada com celebração e júbilo? Na verdade, o mesmo dia que celebra o fim da mortandade dos discípulos de Rabi Akiva celebra a morte de seu discípulo mais notável. Para desvendar o paradoxo de Lag BaOmer, devemos primeiro examinar a raiz do desrespeito que ocasionou a peste entre os discípulos de Rabi Akiva.

Rabi Akiva ensinou que “Amar teu próximo como a ti mesmo é um princípio cardinal na Torá”; de fato, este é o mais famoso de seus ensinamentos. Portanto, seria razoável esperar que os discípulos de Rabi Akiva fossem os maiores exemplos deste princípio. Como foi então que eles, dentre todas as pessoas, fossem deficientes nessa área?

Porém a própria diligência deles em cumprir o preceito “Ama teu próximo como a ti mesmo” foi seu erro. Nossos Sábios disseram que “Assim como a face de cada pessoa difere da face de seus companheiros, assim também a mente de cada pessoa difere das mentes dos outros.” Quando os vinte e quatro mil discípulos de Rabi Akiva estudaram os ensinamentos de seu mestre, o resultado foram vinte e quatro mil nuances de entendimento, pois os mesmos conceitos foram assimilados por vinte e quatro mil mentes – cada qual única e distinta das outras 23.999. Se os alunos de Rabi Akiva tivessem se amado menos, esta teria sido uma preocupação menor; mas porque cada discípulo amou seus companheiros como amava a si mesmo, ele se sentiu compelido a corrigir seu raciocínio e comportamento errôneos, e esclarecê-los sobre o verdadeiro significado das palavras de seu mestre. Pelo mesmo motivo, eles se viram incapazes de expressar um respeito hipócrita pelas opiniões uns dos outros quando acreditavam sinceramente que a compreensão dos outros era equivocada, mesmo que em pequeno grau.

Quanto maior é a pessoa, mais elevados são os padrões pelos quais é julgada; nas palavras de nossos Sábios: “Com os justos, D'us é exato até ao ponto de um fio de cabelo.” Assim, aquilo que para pessoas de nosso calibre seria considerado uma falha pequena, sobre os discípulos de Rabi Akiva teve um efeito devastador.

O Décimo Terceiro Ano
Houve porém um discípulo de Rabi Akiva que aprendeu a superar os abismos do amor intransigente e verdade inflexível, como exemplificado pelo seguinte incidente na vida de Rabi Shimon bar Yochai:

O Talmud relata que quando os governantes romanos da Terra Santa estabeleceram um preço para as cabeças de Rabi Shimon e seu filho Rabi Elazar, eles se esconderam numa gruta por doze anos. Durante este tempo, passavam cada minuto do dia estudando Torá. Quando saíram da caverna, ficaram chocados ao descobrir pessoas arando e semeando; como pessoas podiam deixar de lado a vida eterna que é a Torá e ocupar seus dias com a vida transitória das coisas materiais? Tão intensa foi sua fúria perante tamanha tolice que tudo aquilo que eles contemplavam com seu olhar ardente era tomado pelas chamas. Uma voz vinda do céu proclamou: “Vocês saíram para destruir Meu mundo? Voltem para sua gruta!” O décimo terceiro ano de estudo de Rabi Shimon, embora aumentando seu conhecimento e apreciação da verdade da Torá, também lhe ensinou o valor dos esforços além do seu próprio. A partir de então, onde quer que ele fosse, seu olhar curava em vez de destruir.

Os 4.000 anos de história do estudo judaico conheceram muitos estudantes de Torá notáveis e diligentes; porém nenhum exemplificou a absoluta devoção à busca da verdade Divina ao ponto mostrado por Rabi Shimon bar Yochai. Nos escritos de nossos Sábios, seu exemplo é citado como o supremo caso de torato um’nato, “aquele cujo estudo de Torá é sua única vocação.”

Certamente, então, o comprometimento de Rabi Shimon com a verdade não foi menos absoluto que aquele dos outros discípulos de Rabi Akiva. Porém sua verdade era suficientemente verdadeira para amar. Em seu décimo terceiro ano na gruta, ele atingiu uma dimensão da verdade Divina que tolera, na verdade abraça, as muitas e diversas trilhas de conexão com D'us que o Criador deu à uma humanidade cujas mentes, caracteres e temperamentos são tão diversos quanto seu número. Em seu décimo terceiro ano na gruta, Rabi Shimon atingiu um nível de verdade no qual ele pôde se devotar totalmente à vida eterna que é a Torá, e advogar tal devoção para todos os outros, e ao mesmo tempo apreciar e respeitar o caminho daqueles que servem a D'us através da vida temporal dos trabalhos materiais.

Portanto, o mesmo dia que comemora o fim da peste entre os discípulos de Rabi Akiva também celebra o falecimento de Rabi Shimon bar Yochai. Os mestres chassídicos explicam que o falecimento de um justo assinala o ponto no qual “todos os seus atos, ensinamentos e obras” atingem o pináculo da conquista e realização, e o ponto de sua influência mais poderosa sobre as nossas vidas. E as ações, ensinamentos e obras de Rabi Shimon bar Yochai são a suprema retificação da trágica falha dos discípulos de Rabi Akiva em atingir a correta síntese de amor e verdade que tornaria o amor deles verdadeiro e sua verdade amorosa.

Como a Ti Mesmo
Como foi dito acima, é apenas entre homens do calibre dos discípulos de Rabi Akiva que um erro desses poderia trazer resultados tão devastadores. Porém nossos Sábios preferiram registrar essa história para a posteridade e fixá-la em nossas vidas com uma série de leis que governam nosso comportamento nas semanas entre Pêssach e Shavuot todos os anos. Obviamente nós, também, temos algo a aprender com aquilo que aconteceu com os discípulos de Rabi Akiva.

A lição é dupla: devemos aprender com as suas virtudes bem como a partir de seus erros. Devemos aprender a nos preocuparmos com nosso próximo de forma a não sermos indulgentes com seus erros e desculpar suas falhas. Essa poderia ser a maneira mais fácil e mais socialmente aceitável de se comportar, mas, em vez de tolerância, mostra uma indiferença para com seu bem-estar. Por outro lado, jamais devemos permitir que nosso comprometimento com sua melhoria diminua nosso respeito e estima para com ele, não importa o quanto ele possa ser irresponsável e equivocado.

Se isto parece paradoxal, é. Porém a capacidade de abraçar este paradoxo está no coração do mandamento da Torá de “Ama teu próximo como a ti mesmo.” Pois no que diz respeito a nós mesmos, é um paradoxo com o qual estamos bem à vontade – toda pessoa psicologicamente saudável ama a si mesma incondicionalmente e, ao mesmo tempo, luta incessantemente para aperfeiçoar-se. Esse paradoxo devemos cultivar também em nosso relacionamento com os outros; por um lado, jamais devemos comprometer nossos esforços para melhorar nosso próximo por respeito às suas opiniões e seus sentimentos; por outro lado, jamais devemos permitir que esses esforços comprometam nosso amor e respeito por ele.

Pois sucumbir a um ou outro seria deixar de amá-lo como amamos a nós mesmos – um princípio que Rabi Akiva considerava fundamental ao projeto de D'us para a vida e sobre o qual Hilel declarou: “Esta é a Torá inteira; o resto é comentário.”

   
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