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A noite cai rapidamente, inundando
as ruas com escuridão. Uma a uma, as velas são acesas. Entre
o clarão elétrico dos halógenos e néons, um
brilho mais caloroso e puro se afirma: é a última semana
de Kislêv e, dos portões e janelas dos lares judeus, as velas
de Chanucá iluminam a noite. Chanucá comemora o milagroso
reacendimento das luzes no Bet Hamicdash em Jerusalém, depois de
sua queda no segundo século pelos greco-sírios que, na época,
governavam a Terra Santa.
O Bet Hamicdash representava o epi¬cen¬tro da Presença
Divina na vida do homem, o ponto “do qual a luz emanou para o mundo
todo”; as sete luzes acesas, a cada dia, na Menorá do Templo
eram a expressão física da luz espiritual que emanava da
Casa de D’us sobre a Terra.
Em seu empenho por substituir a espiritualidade do povo de Israel, pelo
paganismo helênico, os gregos proibiram a prática da fé
judaica, invadiram o Bet Hamicdash, profanando-o com suas imagens e ritos
decadentes e contaminaram o azeite destinado ao acendimento da Menorá.
Porém, Matityáhu, o Chashmonaí e seus filhos,1 reuniram
um pequeno mas determinado grupo de guerreiros e expulsaram os gregos
da Terra Santa. Depois de libertar o Bet Hamicdash e rededicá-lo
ao Serviço Divino, procuraram azeite ritualmente puro para acender
as velas da Menorá. Milagrosamente, a única ânfora
de azeite ardeu por oito dias, até que azeite puro e novo pudesse
ser preparado.
Em todos os mais de dois mil anos desde então, lembramos e revivemos
o triunfo da luz através das oito chamas da chanukiyá.
Existem, entretanto, diferenças marcantes entre a chanukiyá
e a Menorá do Bet Hamicdash:
a)A Menorá do Bet Hamicdash foi acesa durante o dia (1h15 antes
do pôr-do-sol)2 e ardeu por toda a noite, e o número de pavios
era constante, enquanto as velas de Chanucá são acesas à
noite;3 acrescenta-se novo pavio ou vela a cada anoitecer.
b) A Menorá original permaneceu portas a dentro, no santuário
interno do Bet Hamicdash, enquanto a chanukiyá é colocada
do lado de fora da entrada do lar ou em uma janela, com vista para a rua;
c) Sete chamas arderam na Menorá do Bet Hamicdash, enquanto a chanukiyá
possui oito luzes, todas as quais estarão acesas na oitava e culminante
noite da festa.4
Por que essas divergências? Por que, ao instituir a prática
do acendimento das luzes de Chanucá, nossos sábios diferenciaram
entre essas velas e aquelas que elas comemoram?5
Ciclo e Circunferência
Este é também o significado mais profundo da diferença
numérica entre a Menorá do Bet Hamicdash e a chanukiyá.
Sete é o número da Criação. D’us criou
o mundo em sete dias, empregando os sete atributos Divinos (midot elyonot
ou sefirot) os quais Ele fez emanar de Si próprio, para atuarem
como as sete “estacas de construção” da realidade
criada.
Sete é o algarismo dominante em todos os ciclos e processos naturais.
Assim, o “procedimento operacional tra¬dicional” de levar
luz ao canto mais obscuro da Criação, é relacionado
à Menorá de sete braços do Bet Hamicdash.
Se “sete” é o ciclo da natureza, “oito”
é a “circunferência” (shomer hahekêf) que
a define e a contém, a realidade pré-Criação
que transcende e penetra a realidade criada. Se as sete luzes da Menorá
do Beit Hamicdash incorporam o processo norma¬ti¬vo de superar
a escuridão por meio da luz, as oito luzes da chanukiyá
representam o empenho em alcançar uma realidade mais elevada –
onde a escuridão é mais um raio da verdade Divina.
Na época do Templo havia paz e fartura. Os judeus não eram
combatidos, mas homenageados. Livre de anseios materiais, dedicavam-se
ao estudo de Torá e a cumprir mitsvot. Por isso, bastava acender
o mesmo número de velas todos os dias. O milagre de Chanucá,
porém, ocorreu numa época dura, com Israel sob o jugo dos
greco-sírios. Para nos mostrar o caminho a seguir sob condições
difíceis, D’us nos outorgou a mitsvá das luzes de
Chanucá.
Em época de trevas espirituais é requerido um intenso auto-sacrifício.
Não basta iluminar o interior da casa, pois as trevas podem invadir
nosso abrigo. Assim, acendemos as luzes quando surge a escuridão,
levando luz ao mundo exterior e reforçando a luz a cada dia, até
merecermos acender novamente a Menorá no Bet Hamicdash –
possa ele ser reconstruído em breve.
Notas:
1 Também conhecidos como “macabeus” . Depois de derrotar
os gregos, a família dos Chashmonaím governou Israel independente,
por 103 anos.
2 Conforme o Talmud, Pesachim 59b, o acendimento da Menorá seguiu
imediatamente o queimar de ketôret (incenso), concluído 1h15m
antes do pôr-do-sol.
3 Incontinenti após o pôr-do-sol, de acordo com o costume de
algumas comunidades, ou após o aparecimento de três estrelas,
de acordo com outras.
4Uma vela é acesa na primeira noite de Chanucá, duas na segunda,
três na terceira, etc.
5Especialmente devido ao fato de que “todas as instituições
rabínicas seguem o exemplo dos protótipos bíblicos”
(Talmud, Pesachim 30b). |
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