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  Um longo dia para Morgenstern
  Por Mike Indgin  
 

Originalmente publicado na
Farbrengen Magazine


"Nem pense em tentar, seu velho palhaço!" A mulher no Cadilac conversível acelerou, frustrando a tentativa de Morgenstern de entrar na corrente de tráfego.

"Isso não foi bem educado", resmungou Morgenstern. Ele estava tentando entrar na fila de carros durante dez minutos, mas ninguém queria deixar um velho de 80 anos num Dodge Dart também velho passar na frente deles. Por fim um semáforo vermelho deteve o desfile de carros por um tempo suficiente para ele entrar no S. Vicente Boulevard. "Todo mundo está com tanta pressa" disse ele enquanto outros motoristas passavam por ele buzinando e praguejando como se ele estivesse parado.

Morgenstern não estava tendo uma manhã muito agradável. Eram apenas dez horas, mas duas pessoas já tinham gritado com ele: um produtor de filmes que não gostara do tempo que Morgenstern levou no balcão para pedir um copo de leite desnatado e quase tinha sido atropelado por uma jovem mãe com um carrinho de bebê.

Agora ele estava cuidadosamente entrando no estacionamento da biblioteca. Avistou uma vaga bem à frente. No segundo que levou para ligar a seta avisando que ia entrar à esquerda, um carro passou voando e pegou a vaga. O jovem saiu do seu BMW e correu na direção da porta, sem sequer um olhar para o cavalheiro de cabelos brancos que tinha acabado de deixar na mão.

Lá dentro, Morgenstern reuniu sua coragem e foi confrontar o homem. "Aquela vaga era minha", disse ele. "E daí?" disse o homem. Antes que Morgenstern pudesse responder, o homem se fora. Morgenstern balançou a cabeça.

Obviamente, Morgenstern não tinha realmente 80 anos de idade. Nem sequer era um homem. Era um Aklusiano. E não apenas um Aklusiano qualquer. Um Aklusiano de alto coturno, enviado à Terra para determinar se este planeta era uma ameaça à colônia aklusiana em Marte. Até agora todos os sinais diziam "Sim".

Aklus era uma pequeno planeta no outro lado da Via Láctea. No decorrer dos séculos, os aklusianos tinham resolvido colonizar corpos celestiais desabitados na outra ponta da galáxia. Uma das colônias mais espetaculares era Le Chateau Du Glaztinshpiel em Marte. Somente os jardins já podiam deixar a pessoa sem fôlego. Porém ninguém podia ver estes jardins, porque a colônia é invisível ao olho humano.

Porém uma colônia invisível não consegue ficar escondida por muito tempo. Atacantes com as armas adequadas poderiam expor Le Chateau em toda a sua glória. Os Aklusianos sabiam que era apenas uma questão de tempo antes que a Terra enviasse outro batedor a Marte e descobrisse uma de suas piscinas olímpicas ou suas roseiras premiadas. Se os terráqueos fossem um povo guerreiro, eles logo estariam apontando seus mísseis para o céu. A melhor defesa é o ataque, portanto o Alto Conselho Aklusiano convocou Morgenstern. Se ele fosse da opinião que os terráqueos agiam agressivamente, ele simplesmente daria um espirro sem cobrir o nariz. O vírus nesse espirro era tão letal e concentrado que a população inteira do mundo morreria em questão de horas. Os jardins de Le Chateau Du Glaztinshpiel estariam a salvo para que a futura geração pudesse conhecê-lo.

Morgenstern subiu as escadas para o segundo andar da biblioteca. Ele era o melhor naquilo que fazia. Conhecia todos os sinais de advertência que mostravam um planeta furioso. Mesmo assim, jamais se apressava em julgar. A aniquilação de uma população global não era coisa à toa. Ele esperaria até o fim do dia para tomar uma decisão.

Sentou-se a um computador e digitou a palavra "paz" num endereço de busca. A pesquisa resultou em 1587 sites para paz. Então digitou a palavra "guerra" e encontrou 4221 sites. Este não era um bom sinal. Uma voz atrás dele o fez saltar. "Ei, senhor, pretende ficar aí o dia todo?" Voltou-se e deu de cara com um adolescente com piercings nas sobrancelhas. "Você aí, velho." Observar as ações das crianças era uma das maneiras favoritas de Morgenstern prever o futuro de um planeta. De repente sentiu coceira no nariz.

Morgenstern colocou os dedos no volante e levou o veículo na direção do oceano. O céu estava raiado de laranja e amarelo. "Aqui com certeza é um bom lugar", suspirou ele. Em sua mente viu um hotel aklusiano invisível com quadra de tênis espalhando-se pelas Montanhas Sta. Mônica.

O crepúsculo se aproximava. Morgenstern dirigiu lentamente, procurando o bairro suburbano. À noite as verdadeiras cores de uma criatura se revelavam. Se eles fossem de uma espécie predatória, estes humanos usariam o manto da escuridão para fazerem as piores coisas.

De repente uma luz trêmula atingiu seu olho. Morgenstern virou a cabeça. Alguém tinha colocado duas velas acesas na janela da frente. Algumas portas mais além, outro par de velas brilhava perto de uma porta aberta.

Ele parou na esquina. Aquilo não era informado no relatório de pesquisa. Ele caminhou até a porta, olhando em volta à procura de pitbuls, assaltantes e mães empurrando carrinhos. Chegou à porta em segurança e tocou a campainha.

Uma menina apareceu e perguntou: "Pois não?"

"Vi as velas na janela. São uma espécie de decoração?"

"É nossa menorá. É a primeira noite de Chanucá."

"Chanucá?"

"A Festa das Luzes. Comemora a vitória dos Macabeus sobre os gregos."

"Vitória, eh?"

Uma voz veio de dentro da casa. "Quem está aí, Sarah?"

"Um homem simpático", disse Sarah sorrindo. Era o primeiro sorriso que Morgenstern tinha recebido durante todo o dia.

A mãe veio até a porta. "Oh, alô. Gostaria de nos fazer companhia?"

Duas horas e uma dúzia de latkes depois, Morgenstern tinha ouvido a história inteira de Yehuda e dos Macabeus. Porém o que mais lhe causara interesse foi a menorá. "Então vocês a colocam perto da porta para divulgar o Milagre de Chanucá?"

O pai de Sarah respondeu. "E também para que todos que passsam vejam a luz que vem da liberdade, e da verdade."
"Que verdade?"

"Que o bem sempre triunfa sobre o mal. Que a luz sempre vence as trevas."
A voz de Morgenstern ficou mais baixa. "Mas há tanta escuridão aqui."
O pai de Sarah sorriu. "Sim, há muita escuridão no mundo, mas sem a escuridão não haveria nada para iluminar. Creio que as trevas existem somente para serem transformadas em luz."


Morgenstern voltou-se para a pequena Sarah. "O que você acha, Sarah?"
Ela respondeu: "As velas são bonitas. São como pequenas luzes de amor."
Um espirro soou do outro lado da mesa. Era a mãe de Sarah.


"Saúde", disse Morgenstern. Ele levantou-se para sair, agradecendo aos anfitriões.
Pouco antes da meia-noite, um Morgenstern de pés descalços estava em frente ao mar. Uma pelota de anti-matéria em sua mão encontraria um espaço cálido na espuma do mar e se expandiria até o tamanho suficiente para levá-lo de volta a Aklus. Ele lançou um último olhar aos céus estrelados do planeta Terra e mergulhou na água fria.

Dez milissegundos depois, ele estava de pé perante o Alto Conselho Aklusiano. A corajosa líder, Glória, dirigiu-se ao seu Avaliador de Planetas favorito.

"Então, qual o veredicto sobre aquele povo da Terra? Guerreiros ou pacíficos?"
"São mais que pacíficos. São acendedores de luzes."

Morgenstern removeu sua pele humana, cumprimentou e saiu. Tinha um encontro para levar os filhos até o zoológico invisível.

   
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