por Dr. Blair P. Grubb - Medical College de Toledo, Ohio  
  Que haja luz, uma vez mais
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Há muitos anos, um médico do sul da França contactou-me. Sua neta tinha contraído uma doença que frustrava os médicos de lá. Ele chamara após ler vários de meus artigos sobre disfunções do sistema nervoso autômono. Os sintomas da neta pareciam combinar com aqueles que eu descrevera, e ele perguntou-me se eu podia ajudar. Concordei prontamente, e por vários meses, colaborei com os médicos franceses da menina, por telefone e fax, orientando seus testes para descobrir o problema. Finalmente chegamos a um diagnóstico, e prescrevi um rumo para a terapia. Durante várias semanas que se seguiram, a criança teve uma recuperação aparentemente milagrosa. Os avós expressaram seus calorosos agradecimentos e disseram-me para avisá-los se algum dia fosse em visita à França.

No verão de 1996, fui convidado a palestrar em um grande encontro científico internacional que teria lugar em Nice, na França. Avisei o médico que eu tinha ajudado anos antes. Quando cheguei ao hotel, recebi um recado para entrar em contato com ele. Chamei-o, e combinamos um encontro para o jantar.

No dia aprazado, encontramo-nos e então fomos de automóvel para sua casa, no belíssimo interior do sul da França. Durante a viagem, ele me disse que a esposa tinha câncer da mama, metastático, e que não estava bem, porém insistia em conhecer-me. Quando fui apresentado a ela, vi que apesar de sua grave doença, ainda era uma bela mulher, de porte nobre.

Ofereceram-me então uma das mais esplêndidas refeições que eu jamais tivera, complementada pelo mais fino dos vinhos. Após o jantar, sentamo-nos em uma salão do século dezessete, bebericando conhaque e batendo papo. Nossa conversa deve ter parecido estranha ao jovem e à moça que nos serviram, porque era uma mistura fluente de inglês, francês e espanhol.

Após certo tempo, a mulher perguntou: "Meu marido contou-me que é judeu, é verdade?"

"Sim," disse eu, "sou judeu." Então ela pediu-me para falar-lhe sobre o judaísmo, principalmente sobre os dias festivos. Fiz o melhor que pude para explicar, e fiquei surpreso pelo pouco que sabiam sobre o judaísmo. Parecia estar especialmente interessada em Chanucá. Quando terminei de responder a suas perguntas, ela de repente olhou-me nos olhos e disse: "Tenho algo que desejo lhe dar."

Desapareceu e voltou momentos depois, com um pacote embrulhado em tecido. Sentou-se, os olhos cansados fitando os meus, e começou a falar lentamente.

"Quando eu era uma garotinha de 8 anos, durante a Segunda Guerra Mundial, as autoridades chegaram à nossa aldeia para arrebanhar todos os judeus. Minha melhor amiga naquela época era uma menina de minha idade, Jeanette. Certa manhã, quando saí para brincar, vi sua família sendo forçada sob a mira de uma arma, a entrar em um caminhão. Corri para casa e disse à minha mãe o que tinha acontecido, e perguntei aonde Jeanette estava indo. 'Não se preocupe,' disse ela. Jeanette em breve estará de volta.'

"Corri à casa de Jeanette, apenas para descobrir que ela se fora e que os outros aldeãos estavam saqueando a casa e tirando tudo que tivesse algum valor, exceto os objetos judaicos, que eram atirados à rua. Ao me aproximar, vi um item da casa jogado na poeira. Apanhei-o e o reconheci como um objeto que Jeanette e sua família costumavam acender perto da época do Natal. Em minha mente infantil, eu disse: 'Levarei isto para casa e guardá-lo-ei para Jeanette, até que ela volte,' porém ela e a família jamais retornaram."

Fez uma pausa e lentamente sorveu um gole de conhaque. "Desde aquele tempo, guardei-o comigo. Eu o escondi de meus pais e nunca falei a ninguém de sua existência. Na verdade, durante estes cinqüenta anos, a única pessoa que soube disso foi meu marido. Quando descobri o que acontecera aos judeus, e quantas das pessoas que eu conhecia tinham colaborado com os nazistas, não podia suportar a visão do objeto. Mesmo assim, guardei-o, escondido, esperando por alguma coisa, embora não soubesse bem o quê. Agora sei o que estava esperando. Era você, um judeu, que ajudou a curar nossa neta, e é a você que confio isto."

Suas mãos trêmulas colocaram o pacote em meu colo. Lentamente, desenrolei o tecido que o cobria. Era uma menorá, porém era diferente de qualquer outra que eu já tinha visto. Feita de sólido bronze, tinha oito copos para azeite e pavios, e um nono copo centralizado sobre os outros. Tinha um gancho preso ao topo, e a mulher mencionou lembrar-se que a família de Jeanette costumava pendurá-lo no hall de entrada da casa.

Pareceu-me bem antigo; várias pessoas disseram-me depois que provavelmente tinha 100 anos. Enquanto eu o segurava e refletia sobre aquilo que a peça representava, comecei a chorar. Tudo que consegui dizer foi um truncado "merci." Quando saí, as últimas palavras que ela me disse foram: "Il faudra voir la lumière encore une fois" - A luz deve ser vista ainda uma vez.

Depois eu soube que ela morreu menos de um mês após nosso encontro. Neste Chanucá, a menorá verá a luz novamente. Conforme eu e minha família a acendemos, fizemos uma prece especial em honra daqueles cuja memória ela representa. Não deixaremos suas luzes desaparecerem outra vez.

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