Autópsia e Embalsamamento

 
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  Por Maurice Lamm
 

Os exames post-mortem com freqüência incluem autópsias, O propósito dessa dissecação do corpo é estabelecer a causa da morte e os processos patológicos envolvidos. O patologista se esforça para adquirir informações confiáveis sobre a natureza e causa da doença, e talvez para investigar os procedimentos médicos usados no paciente. A incisão inicial da autópsia abre o corpo inteiro em formato de Y. Começa em baixo do ombro, continua sob o peito e se estende até o ponto correspondente sob o outro ombro. Esta incisão é então ligada a outra feita na linha central que vai até o púbis, para completar o Y. A incisão do escalpo começa sob uma orelha, estende-se ao topo do escalpo e termina por trás da outra orelha. Os órgãos são removidos e estudados segundo as exigências de cada autópsia individual. Deve-se notar que a autópsia padrão permitida segundo o Manual da Autópsia publicado pelo United Hospital Fund, de Nova York inclui, obviamente, autorização para "a retenção de partes e tecidos que a equipe hospitalar considera necessários para o diagnóstico".

É exigido o consentimento do parente mais próximo para a autópsia. Este consentimento pode ser dado pelo guardião legal do corpo que é responsável pelo enterro, geralmente o marido ou a esposa. Se houver mais de um "parente mais próximo" (e a interpretação dessa expressão é flexível) e surgir alguma controvérsia, o hospital pode proceder a autópsia ou eleger o parente mais receptivo como "o" parente mais próximo.

Na verdade, porém, pode-se presumir que a causa da morte é conhecida na maioria dos casos, e apenas raramente é um mistério médico. Pela experiência com os modernos procedimentos médicos, é evidente que as autópsias são recomendadas com mais freqüência para permitir que estudantes e residentes estudem e pratiquem pela dissecação e observação do cadáver. Muitos artigos em jornais médicos têm declarado que o progresso recente na ciência da patologia e fisiologia tornaram possível a determinação confiável da causa da morte sem uma autópsia. Muitas autoridades afirmam que, com algumas exceções, as autópsias não são mais consideradas tão vitais como já foram.

Mesmo assim, parece que a porcentagem de autópsias ainda é considerado um dos melhores índices do padrão da prática médica nos hospitais. Por este motivo A Comissão Conjunta de Aprovação de Hospitais exige a manutenção de uma porcentagem satisfatória de autópsias. O manual padrão do United Hospital Fund insiste em que seja obtido o consentimento sempre que possível. "Na verdade", diz o Manual da Autópsia, "quando a permissão não é obtida, os médicos devem prestar contas por tal falha."

As equipes administrativas dos hospitais aperfeiçoaram técnicas de extrair o consentimento. São oferecidos argumentos para objetar às típicas negações da família, alguns não verdadeiros, muito abaixo da elevada ética que o público espera da profissão médica. Um desses argumentos é: "Estão registradas declarações autorizadas de líderes religiosos de todas as fés, indicando que em parte alguma há qualquer justificativa para oposição a autópsias com bases religiosas." É lamentável que a sensibilidade religiosa dos judeus tradicionais seja tão cavalheirescamente rejeitada por declarações tão equivocadas. Embora haja notáveis exceções a essa regra, existe uma objeção religiosa definida à autópsia.

Embora o motivo para o estudo médico seja importante, a tradição judaica forçosamente rejeita as autópsias realizadas para ensinar estudantes de Medicina, porque isso viola um princípio mais elevado: a mutilação do corpo do falecido. A Lei Judaica é governada por diversos princípios básicos;

Primeiro, o homem foi criado à imagem de D'us, e na morte o corpo ainda conserva a unidade daquela imagem. Não se pode cometer violência à forma humana nem mesmo quando o sopro de vida expirou. O Judaísmo exige respeito pelo homem total, corpo e alma. O valor da integridade do homem não pode ser comprometido, nem na morte.

Em segundo lugar, a dissecação do corpo, por motivos que não sejam urgentes e diretamente aplicáveis a casos médicos específicos, é considerada vergonha e desonra ao falecido. Assim como ele nasceu, merece ser colocado para repousar: amorosamente, não cientificamente, como se fosse um objeto impessoal de algum experimento. A santidade do ser humano exige que não desrespeitemos a sua pessoa.

Terceiro, não temos permissão de usar seu corpo sem seu desejo expresso de que seja usado, e mesmo então é questionável se a própria pessoa pode desejar que mutilem a imagem na qual foi criada. Certamente, se o falecido durante sua vida não deu permissão expressa, nem mesmo seus filhos têm os direitos de posse sobre seu corpo. Assim, não temos o direito moral, exceto nos casos que serão mencionados, de usar o corpo oferecendo-o como objeto de estudo.

As autópsias são de fato válidas em determinados casos incomuns, e estes são exceções à proibição em geral. Embora as possibilidades de autópsias religiosamente permitidas estejam listadas abaixo, uma autoridade rabínica competente deve ser consultada em todos os casos.

A – Casos que estão sob a jurisdição de autoridades governamentais. Aqui a decisão deve ser tomada pelo Examinador Médico. Para conveniência e clareza, estes casos devem ser divididos em dois grupos:

Grupo 1: Casos com implicações legais forçosas, nas quais uma autópsia geralmente é realizada pelo Examinador Médico, e na qual a permissão para a autópsia nunca é exigida pelo médico do hospital.

Exemplos de casos assim:

a - Morte por homicídio ou suspeita de homicídio.
b – Morte por suicídio ou suspeita de suicídio.
c – Morte devida a ferimento acidental.
d – Morte resultante de aborto.
e – Morte por envenenamento ou suspeita de envenenamento, incluindo por bactérias alimentares.

Grupo 2: Casos nos quais o Examinador Médico pode decidir que não é necessário para ele fazer a autópsia como parte de sua investigação post-mortem.

Exemplos de tais casos:

a – Morte ocorrida durante ou imediatamente após diagnóstico, procedimentos cirúrgico ou anestésico, ou devido a reações à medicação.

b – Morte ocorrida de maneira incomum ou peculiar, ou quando o paciente não estava sendo atendido por um médico, ou após coma ou convulsões com causas não evidentes.

c – Morte resultante de alcoolismo crônico, sem manifestação de trauma.

d – Morte na qual um ferimento traumático foi apenas fator contribuinte, e na qual o trauma não foi causado por negligência, ataque ou incêndio criminoso, como fratura do pescoço resultante de uma queda em casa e contribuindo para a morte de uma pessoa idosa, ou queimaduras acidentais ocorridas em casa.

B – Casos de doenças hereditárias, quando a autópsia pode servir para salvaguardar a saúde dos sobreviventes.

C – Se outra pessoa conhecida está sofrendo de doença letal semelhante, e uma autópsia é considerada pela autoridade médica competente como passível de fornecer informação vital à sua saúde.

D – Nos casos em que o falecido estipulou especificamente que uma autópsia seja realizada, há muita discordância rabínica. As circunstâncias devem ser investigadas numa base individual, e somente uma autoridade religiosa bem informada, altamente competente pode decidir.

Mesmo nos casos em que os rabinos permitem o post-mortem, eles devem sempre insistir que:

• Qualquer parte do corpo que seja removida deve ser enterrada com o corpo, e que seja devolvida à Chevra Kadisha para este fim o mais rápido possível.

• A dissecação médica deve ser realizada com o maior respeito pelo falecido, e não tratada levianamente por pessoas insensíveis.

Como estes assuntos são objeto de grande preocupação religiosa, questões sobre exames post-mortem devem ser respondidas por um rabino competente que conheça tanto as exigências médicas como as da tradição. Além disso, algumas formas de autópsia, como a remoção somente de sangue ou fluidos, ou a inserção de uma agulha elétrica, pode ser considerada permissível em muitos casos.

A decisão de realizar uma autópsia não deveria ser tomada pelo médico, não importa o quanto ele seja chegado à família e quão boa seja sua reputação. A proibição é de natureza moral-religiosa, e a permissão deve ser obtida de uma autoridade em lei religiosa após uma consulta com autoridades médicas.

 

 

 
   
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