Primeiras Providências

 
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Logo após a morte, uma série de assuntos práticos e religiosos entram em efeito.
Os principais são:

a) Respeito pela dignidade e santidade do corpo.
b) O rápido retorno do corpo à terra.
c) Ajudar e fortalecer a alma em sua contínua jornada espiritual.

Quando ocorre a morte, a família enlutada enfrenta uma época muito difícil; mas também é difícil para o falecido. Segundo as tradições espirituais do Judaísmo articuladas no Talmud e Cabalá, a alma não deixa completamente este mundo até mesmo após o enterro. O período entre a morte e o enterro é bastante confuso para a alma, pois esta se encontra num estado de transição, desconectada do passado quanto do futuro.

A presença de outros que, através de seu respeito e preces, demonstram que se importam, é bastante confortadora para a alma, pois as almas dos vivos fornecem uma estrutura de referência para a alma recém-partida. Fazer as coisas de forma confortadora para o falecido é portanto confortar aqueles que se importam com ele ou ela.

Seguem-se orientações práticas sobre cuidados com os falecidos do livro
“Os últimos Momentos” – Por Rabino Shamai Ende

Após o falecimento

1. Pelo judaísmo, o falecimento se dá após a total parada cardíaca e cerebral. Mesmo após isto, não se deve tocar no falecido até aproximadamente 15 minutos após a morte para garantir que realmente faleceu. Quando não há médicos ou peritos no local, deve-se colocar uma pluma próxima das narinas, e esperar até esta ficar algum tempo sem se mover, fixando desta forma seu falecimento.

2. Logo após o falecimento deve-se cobrir a face do morto com um pano ou lençol, para não olhar na sua face, pois isto prejudica tanto aquele que olha como o próprio morto.. Existem alguns motivos para isto: 1) Quem olha a face de um morto terá dificuldades para estudar; 2) Isto prejudica a visão;

3) Consiste numa vergonha para o falecido.

3. Em seguida, deve-se retirar todas suas roupas e cobri-lo com um lençol. Com cuidado carrega-se o corpo até o chão, tomando o cuidado para não descobri-lo, colocando-o no chão sobre um lençol, deitado de costas, com os braços e pernas esticados ao longo do corpo, olhos e bocas fechados, (caso não for possível fechar sua boca, deve-se amarrá-la com uma fita) e a cabeça ligeiramente levantada sobre um apoio. Não se deve colocar travesseiros ou cobertores, para não esquentar o corpo. Deve-se posicioná-lo de forma tal que seus pés ficam voltados para a porta. Muitos costumam deixá-lo em posição diagonal, com os pés direcionados para a porta. Ao descê-lo ao chão deve-se pedir-lhe perdão pelo desrespeito, citando seu nome e nome de seu pai. Como também existe uma prece especial que é recitada neste momento e alguns capítulos de Salmos (23 e 91, há quem recite também o 51).

4. Deve-se colocar próxima a sua cabeça velas acesas, de preferência 5 velas. Cobrem-se todos os espelhos e fotos humanas do local. As mulheres que não foram ao micvê após o período menstrual, devem evitar tocar no corpo. Como também os homens que manuseiam o corpo costumam ir ao micvê.

5. [O texto dentro destes colchetes pertence à: Chevra Kadisha: É costume cobrir os espelhos e demais superfícies polidas (como quadros, fotos de pessoas envidraçados e televisão) na casa do enlutado, pois é proibido rezar na frente de espelhos. Alem disso, segundo a cabala, a alma do falecido visita a casa durantes estes dias e faz aparecer a sua forma através do espelho.]

6. É costume judaico entornar toda a água que se encontra em qualquer utensílio da casa onde ocorreu o falecimento. Também entorna-se a água dos utensílios da vizinhança, ou seja, das duas casas próximas à do falecido, tanto as casas da direita, da esquerda, e no caso de prédios, se for apenas um apartamento por andar, dos dois andares superiores e inferiores. Esta água não deve ser bebida, mas pode ser usada para lavar. Água fervida, congelada, gaseificada ou que contém alguma mistura não entram neste costume.

7. A Chevra Kadisha local deve ser contatada imediatamente para as devidas providências, iniciando sem demora os preparativos necessários para o enterro [cuidados do corpo, sua lavagem- Tahará- e preparação para o enterro, aquisição do devido caixão, documentação, e procedimentos legais, velório e o próprio enterro. Existem situações em que deve-se chamar a Chevra kadisha com urgência para evitar, por exemplo, que o corpo seja levado contra a vontade ao IML.]

8. [O corpo não deve ficar sozinho em hipótese nenhuma, de dia ou de noite, e ninguém deve comer, beber ou fumar no recinto em que ele se encontrar. Se o corpo estiver em uma geladeira, basta ficar próxima dela. Em hospitais, deve-se ficar atento aos diferentes procedimentos e exigir o devido respeito com relação ao corpo e às crenças e práticas religiosas do falecido.]

2. Falecimento no Shabat

Caso o falecimento ocorreu no Shabat, não se deve tocar no corpo desnecessariamente, porém costuma-se assim mesmo, despi-lo e coloca-lo no chão conforme dito acima, porém não se fecha-lhe os olhos nem se estica seus membros. Se for possível deve-se colocá-lo no chão ainda com roupa e somente depois despi-lo, ou colocar sobre ele algum objeto que possa ser manuseado no Shabat, ou até mesmo um pão ou qualquer comida. Não se fecha sua boca, porém pode-se amarrar uma fita (com um laço mas não com um nó) para a boca não abrir mais do que está. Não há necessidade de jogar fora a água da casa ou da vizinhança quando o falecimento ocorreu no shabat. Não se deve contatar a Chevra Kadisha nem transportar o corpo no dia de Shabat.

3. Falecimento no Yom Tov

1. Quando ocorre o falecimento no primeiro dia de Yom Tov, deve-se tomar todas as providências possíveis para o enterro somente por intermédio de um não judeu. Porem a lavagem do corpo e a Tahará, pode ser feita através de um judeu, se este não profanará o Yom Tov para tanto. Pela lei, o transporte do corpo, o enterro e todas as preparações poderiam ser feitos através de um não judeu, sendo que nenhum judeu pode profanar o Yom Tov para tanto. Já no segundo dia de Yom Tov as leis são um pouco diferente. Tudo que pode ser feito através de um não judeu, como cavar a cova, preparar o caixão e as mortalhas, cobrir com terra, deve ser feito através de um não judeu. No entanto, se não dá para fazer por um não judeu, pode ser feito por um judeu, todo trabalho extremamente necessário. Porem é proibido ir ao cemitério de carro para acompanhar o enterro, como exceção dos que são necessários para o enterro (membros da Chevra Kadisha, coveiros, etc.)

2. No entanto, para evitar Chilul (profanação do) Yom Tov, como também para não faltar na honra do falecido (já que muitas poucas pessoas chegariam ao cemitério sem profanar o Yom Tov), não costumamos atualmente realizar enterros no Yom Tov. Somente num caso que tem se certeza que não haverá chilul Yom Tov, e quando o corpo está em estado de putrefação avançado, permite-se fazê-lo no segundo dia de Yom Tov conforme as leis acima.

Honra ao morto

1. O corpo judaico tem em si uma santidade especial devendo ser tratado com respeito.

2. É proibido comer ou beber qualquer alimento no ambiente onde se encontra um morto, salvo se houver entre a pessoa e o morto um anteparo de pelo menos 80cm de altura. Como também não se recita no local nenhuma berachá. Em caso de grande necessidade, pode se comer no local, contanto que se vire de costas para o morto e se afaste pelo menos 2m do morto antes de recitar uma bênção.

3. É proibido fumar ou cheirar rapé perante o morto.

4. Não se deve estudar Torá, colocar Tefilin ou Talit perante o morto, salvo se afastar do mesmo 2m. Porem pode recitar Tehilim e trechos sagrados na hora da lavagem, já que isto é feito em honra ao mesmo. Como também, pode se falar trechos da Torá e do Talmud nos discursos fúnebres (hespedim), já que isto é feito em honra do falecido.

A guarda do corpo (Shmirá)

1. A partir do momento do falecimento, até o enterro, é proibido deixar o corpo desacompanhado. Mesmo que até o enterro irá demorar vários dias, e mesmo que não há nenhuma suspeita que algo de mal possa ocorrer com o corpo, este deve estar sempre acompanhado por um Shomer (responsável pela guarda), (Consta no Maavar Yabok (1, 24) que o motivo disto é que ao encontrar um corpo desacompanhado, os espíritos de impureza se apoderam dele e o impurificam, já que estes foram criados sem corpo, e desejam se apossar de um, principalmente quando este tiver a santidade judaica) tanto durante o dia como durante a noite.

2. Este shomer deve constantemente recitar Salmos e outras preces próximo do falecido, sendo proibido conversar perto do morto assuntos que não diz respeito ao enterro e suas preparações. Como também, é proibido cumprimentar alguém, ou responder a um cumprimento perante o morto e comer ou fumar no local. Este shomer está isento de recitar o Shemá e de rezar e de qualquer outra obrigação da Torá (como colocar Tefilin por ex.) enquanto está ocupado com a guarda do corpo (logicamente que é proibido transgredir qualquer proibição). Porem se duas pessoas estão fazendo a shemirá, devem se intercalar sendo que enquanto um fica cuidando o outro sai para recitar o Shemá, rezar e colocar o Tefilin. Quando o período de guarda é longo, ou quando se passa uma noite, aconselha-se a designar dois shomrim para que enquanto um cuida o outro possa descansar e dar uma saída se for necessário, evitando que o falecido fique desacompanhado sequer um minuto.

Mesmo se o corpo pernoita numa câmara fria, deve-se ter um shomer próximo.

Se o morto se encontra em um local que pode ser desprezado ou destruído, por ex. próximo de um incêndio ou num local onde existem ratos, ou em praça pública, deve-se retira-lo de lá, levando-o para um local seguro e protegido.

Mesmo durante o Shabat há necessidade desta shmirá, caso o falecimento tenha ocorrido no shabat, ou se passou um Shabat antes do enterro. No entanto é proibido manusear [O corpo é considerado no shabat muktsê, ou seja, algo proibido por nossos sábios de manusear no shabat. Só é permitido manusear no shabat, pessoas, alimentos e utensílios de uso permitido. As leis de Muktsê são muito extensas, não sendo aqui o local para descrevê-las] ou transportar o corpo no Shabat mesmo se for necessário por causa dos cohanim que se encontram no local, devendo estes saírem do local.

No caso que os parentes desejam transportá-lo para outro local por alguma necessidade, devem fazê-lo por intermédio de um não judeu. Porém, se o morto se encontra em um local de desprezo ou não seguro, ou se desejam colocá-lo na câmara fria para que não cheire mal, e não há condição de fazê-lo por intermédio de um não judeu, pode ser transportado por um judeu por intermédio de suas roupas, que não são muktsê, ou colocando sobre sua cama algum objeto ou comida não muktsê. Mas mesmo neste caso, não pode transportá-lo passando por uma rua, ou qualquer praça pública que não se pode carregar nela no shabat pela Torá, somente por intermédio de um não judeu se for necessário. Como também no Shabat é permitido colocar gelo sobre o corpo e até mesmo pedir a um não judeu comprar ou trazer gelo para este fim.

Durante todo o tempo do velamento do corpo, desde o falecimento até a lavagem, o corpo e a cabeça devem estar totalmente cobertos. As pessoas que se encontram no local estão totalmente proibidas de conversar, cumprimentar, comer, fumar ou fazer qualquer estudo ou mitsvá perante o corpo, a não ser recitar Tehilim e preces em prol do falecido. Quem não tem certeza que se portará no recinto da forma devida, não deverá permanecer no local.

 

 

 
   
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