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Escrito
com a bondosa assistência do famoso psiquiatra, Dr. Naftali Eskreis
Está se tornando uma prática comum em funerais de todas
as fés religiosas, exibir o corpo do falecido como parte do ritual
ou serviço de funeral. Este costume é de origem recente,
não tendo raízes em cultura antiga ou uso contemporâneo
europeu, com a exceção do "corpo exposto" de reis
e imperadores.
O corpo sem vida é removido do hospital ou casa e levado ao estabelecimento
funerário. Ali é embalsamado e "restaurado" através
de manipulação, injetando produtos químicos, cobrindo-o
com cosméticos, vestindo-o e apoiando-o com artefatos mecânicos.
Então é exibido numa "sala de repouso" ou numa
capela, antes de começar o serviço religioso. Os religiosos
geralmente insistem para que o caixão seja fechado durante o serviço
em si. Exibir o corpo é um dos fundamentos da economia da indústria
funerária. Antes que o corpo seja apresentado aos parentes e amigos,
deve ser perfumado, restaurado a uma aparência de saúde perfeita,
vestido com roupas dispendiosas, e colocado num caixão de aparência
respeitável. Estas exigências de exibição geralmente
constituem a maior parte dos custos do funeral.
Esta cerimônia é justificada ao público por duas expressões
de alto impacto. Uma é que ver o corpo é "prestar os
seus últimos respeitos". Esta forma de despedida ao falecido
é feita para parecer a mínima cortesia que se pode prestar
ao ente querido; tornou-se a coisa lógica e natural para os enlutados
fazerem. O segundo é que este é um aspecto necessário
da "terapia do sofrimento", ajudando o enlutado a lembrar-se
de um rosto doce, contente, em vez da expressão vazia e sofrida
de um cadáver.
Para o leigo, os dois argumentos parecem plausíveis, não
exigindo maior investigação – certamente não
por ocasião da morte. A prática de ver os restos mortais,
portanto, tornou-se padrão e uma parte "tradicional"
do funeral, Observar o corpo é questionável, teológica
e psicologicamente. Demonstra falta de respeito pelo falecido, e duvidosa
terapia para o enlutado. Pelo contrário, acreditamos que enquanto
olhar o corpo possa parecer desejável superficialmente, uma consideração
mais profunda mostrará que carece de verdadeiro significado sendo,
na verdade, pejorativo tanto em religião como em saúde mental.
Religiosamente, expressa desrespeito pelos direitos do falecido e uma
perversão do significado religioso de vida e morte. Psicologicamente,
pode servir de encurtar a lenta terapia do processo natural que começa
a partir do momento em que se sabe da morte.
O Judaísmo tradicional considera os procedimentos do enterro, na
maior parte, como yekara d'schichva, devotado ao respeito, honra e carinho
ao falecido. Os Sábios notaram sabiamente que a pessoa não
deve e não pode "confortar os enlutados enquanto o falecido
jaz diante deles". O conforto e o alívio vêm depois
que os arranjos para o funeral e o enterro foram completados e os mortos
enterrados. Até então, o falecido permanece sendo o centro
da atenção. Sua honra e sua integridade são de primordial
importância.
Se, na verdade, o respeito pelo falecido é primordial, ou o conforto
dos enlutados é a meta principal, é difícil justificar
esta nova prática de visita aos restos mortais como um aspecto
padrão do serviço funerário.
Em primeiro lugar, se aquele sublime conceito em Bereshit de que "D'us
criou o homem à Sua própria imagem" é correto
– e todas as principais religiões são baseadas nele
– então todo o processo de preparar o corpo e restaurá-lo,
um pré-requisito para a exibição, é ofensivo
e abominável. Se o homem foi criado à imagem do seu Criador,
como podemos permitir que seja besuntado, maquiado, sombreado, moldado,
literalmente "trabalhado pelo homem", aquilo que foi criado
à imagem de D'us?
É uma experiência horripilante assistir ao processo de restauração
daqueles que morreram após prolongada doença ou sofrimento
intenso, ou como resultado de acidente, ou todos exceto aqueles que morreram
no auge da saúde. Esta manipulação do falecido pode
ser considerado um tributo à criação de D'us e ao
homem como a imagem de D'us?
A descrição de Yeshayáhu dos justos falecidos (57:2):
"Que venha a paz, que eles repousem em seu local de descanso",
torna-se absurdo com o desenvolvimento do processo de restauração.
Não há repouso para aqueles que deveriam descansar em paz
(nem mesmo, podemos acrescentar, se a cerimônia ocorre naquilo que
é chamado de "sala de repouso". A imagem nasceu, foi
amada, respeitada e honrada, a dignidade inerente no homem como uma criação
à imagem de D'us, é agora profanada. O último direito
da pessoa deveria ser o direito à total privacidade, o privilégio
de permanecer inviolado após a morte. É espantoso que este
processo de perturbar o descanso do falecido seja chamado "prestar
nossos últimos respeitos".
Em segundo lugar, o Judaísmo postula que a dignidade do homem deriva
de duas fontes básicas. Uma, mencionada acima, é que o homem
é a criação de um D'us todo bondade. Isso o dota
com uma centelha de Divindade, e é a Divina imagem do homem que
lhe garante valor inato. A outra deriva não do fato de o homem
ser uma criatura, mas de seu desenvolvimento pessoal e social como ser
humano vivendo entre outros seres humanos. O mais importante aqui é
o homem, à medida que exerce a liberdade de sua vontade, a pessoa
que desenvolve sua própria contemplação, como maneja
as crises existenciais que se abatem sobre ele, o que faz com as qualidades
que lhe são inatas, sua individualidade única. A soma total
de suas experiências pessoais e suas reações a elas
lhe conferem "valor" em adição àquela dignidade
inata que possui por ser uma criação de D'us.
O Talmud registra uma disputa entre Rabi Akiva e Ben Azzai como a frase
mais significativa na Torá. Eles discordaram sobre qual das qualidades
dota o homem com maior valor. Rabi Akiva declara que é o justo
exercício da liberdade de sua vontade, o amor ao próximo,
os valores sociais que são fundamentais. Ben Azzai insiste na criação
do homem à imagem de D'us como a fonte principal de sua dignidade.
Se rejeitamos a manipulação do cadáver em preparação
para ser exibido como uma violação da imagem de D'us, devemos
também rejeitar apoio a exibir os restos mortais do ser humano
que adquiriram dignidade com a soma de suas experiências de vida,
seus amores e seus interesses, o entusiasmo vital que foi a característica
desse homem.
Na Literatura e Lei Judaicas, o ser humano é comparado ao Rolo
de Torá. A morte de um homem, por exemplo, é equivalente
à queima de uma Torá e, em ambos os casos, o observador
é obrigado a rasgar suas roupas. Como a Torá, usada para
fins sagrados, conserva sua santidade mesmo quando se torna religiosamente
desqualificada, também o homem, tendo vivido para um nobre propósito,
conserva a dignidade até na morte. Os restos mortais possuem a
santidade que caracteriza a própria Torá. Assim, também,
não se pode desrespeitar um cadáver, como não se
pode profanar o sagrado Rolo. No Judaísmo tradicional, desonrar
os mortos inclui não apenas fazer declarações pejorativas,
ou piadas e brincadeiras, como também comer, beber e fumar –
até mesmo estudar Torá na presença do falecido –
qualquer indulgência a prazeres e necessidades dos vivos na companhia
do cadáver indefeso e não participante.
Não se pode lidar com os mortos como se eles fossem vivos, como
se estivessem apenas dormindo. Para aqueles que assim ridicularizam os
mortos, os Sábios aplicam a expressão de Mishlê 17:5:
"Aqueles que zombam dos pobres, blasfemam contra o Criador."
Quando colocamos em exibição os restos de uma pessoa que
amamos, podemos, na verdade, trazer algum conforto temporário a
nós mesmos, mas isso, certamente, não constitui respeito
pelos mortos. O que estamos fazendo, essencialmente, é nos apegarmos
a uma massa de carne e osso sem vida, sem sangue, sem mente. A "cor"
do falecido estava em seu espírito, caráter e personalidade
– ou falta dessas qualidades – não no rouge e baton
colocados pelo embalsamador. O que deve ser lembrado é a impressão
indelével causada em nós por uma pessoa viva, não
a expressão nos lábios forçada por aparelhos mecânicos.
O que vemos é o fantasma de um homem, não o homem. É
pura zombaria desfilar durante este fantasma para dizer "Adeus",
ou para lançar um último olhar pelo qual ele será
lembrado. Esta não é a pessoa, mas uma máscara mortuária,
mesmo que tenha sido embelezada artificialmente. Quando exibimos nossos
mortos, exibimos não seus amores, medos e esperanças, caráter
e preocupações, mas sua forma física na condição
mais prostrada. Por mais estranho que pareça, entendemos prontamente
as pessoas doentes que, desgastadas pela dor e emaciadas pelo sofrimento,
não desejam ser vistas nessa condição deteriorada.
Porém, embora avaliemos bem a vaidade dos vivos, somos insensíveis
ao horror de exibir um fantasma indefeso, pintado e ajeitado, num exibicionismo
mórbido.
A mística judaica refere-se a olhar o falecido como mar'eh letusha,
"uma imagem martelada". De fato, o observador, após a
provação do funeral, emerge com uma nova e sórdida
dimensão acrescentada a suas memórias e sentimentos. Esta
não é a pessoa que ele conheceu em vida, nem é o
cadáver dominado pela morte; é um faz-de-conta, uma figura
saída de um museu de cera, um ser nem vivo nem morto.
Em terceiro lugar, tanto o Judaísmo como a psicoterapia expressam
em seus próprios idiomas a opinião de que mascarar a realidade
não possibilitará que o ser humano enfrente a realidade.
A verdade é que o fim chegou. O falecido não mais caminhará
pela terra compartilhando ocasiões felizes com seus parentes. Expandir
na hora da morte o semblante de uma vida alegre é disfarçar
o fim, introduzir por meio de um subterfúgio a possibilidade de
uma existência continuada, embora passiva, e arriscar-se a causar
graves danos ao estado mental dos enlutados.
O Judaísmo declara explicitamente que o funeral deve ser um final.
O serviço, as preces e os rituais não tentam ocultar a morte,
muito menos negá-la. Eles a confirmam e reconhecem sem hesitação.
É somente a aceitação da realidade da morte que permite
ao homem superar o trauma da morte.
Durante a limpeza e purificação do falecido em preparação
para o enterro, uma prece muito antiga – mais de mil anos –
é recitada. A prece é, por assim dizer, uma apresentação
do morto perante D'us, pedindo Sua misericórdia e perdão
para o falecido. A prece à beira do túmulo também
é uma justificativa do D'us da verdade; o Senhor que deu e o Senhor
que tirou. Não há máscara da morte no ritual judaico.
O falecido é enterrado na própria terra, do pó ao
pó, e o túmulo é enchido na presença dos parentes
e amigos. De fato, é o amigo mais chegado e o erudito mais notável
que são convidados como os primeiros e preencher o tumulo com terra.
O som da terra caindo sobre o caixão assinala o final de uma vida
preciosa.
É uma perversão do verdadeiro significado do funeral disfarçar
a realidade da morte. Exibir o falecido com a aparência mais semelhante
à vida possível por meio de cosméticos, vesti-los
com smokings ou vestidos de festa, usar travesseiros para levantar a cabeça,
para dar a impressão de uma pessoa feliz adormecida, é contrário
ao espírito que a religião procura engendrar. O homem não
foi "dormir com seus antepassados", como indica a frase alegre.
O homem morre e apodrece, e sua existência física acaba.
Suas boas obras vivem depois dele, mas seu corpo retorna à terra
de onde veio. Sua personalidade e bondade prosseguem numa dimensão
maior de existência; os elementos químicos se decompõem
e retornam ao seu estado original.
Terapia ou patologia?
Sob o ponto de vista da psicoterapia, a idéia de ver o corpo como
um procedimento padrão no funeral devido ao valor terapêutico
inerente à prática não foi provada clinicamente e,
de fato, parece contradizer a própria força de seu método.
A "terapia do sofrimento" funciona, alegam, para amortecer o
choque da morte. Alivia aquela súbita separação e,
momentaneamente, devolve a nós aquele que foi perdido.
Mas, se a terapia é concebida como uma forma de auto-esclarecimento
e auto-conhecimento, que função válida pode aquela
visão desempenhar? Devemos acreditar que o homem exige uma distorção
neurótica da verdade para proteger-se do trauma da verdade? Parece
muito mais sensato confiar na fé de que o homem pode arregimentar
a força para confrontar a crua e amarga verdade sem a ajuda de
distorções fabricadas. Exibir o cadáver é
uma "terapia do sofrimento" tanto quanto pintar uma cela com
cores alegres é "terapia para ladrão".
Pode-se considerar que a exibição não somente não
é terapêutica, como, de fato, ofensiva para o observador.
O primeiro estágio do luto é caracterizado por raiva e desespero,
e pela negação da morte. Fixar-se em uma dessas reações
representa, sob o ponto de vista psicológico, uma reação
patológica. É totalmente concebível que exibir pode
levar a uma fixação da negação da morte. A
recusa em abrir mão do objeto de amor é perpetuada pela
ilusão de vida que os embalsamadores se esforçaram tanto
por criar. O ritual religioso do funeral força a pessoa a reconhecer
a finalidade da perda física, e assim permite que "trabalhe"
o processo de sofrimento. Fixar a mente naquilo que poderia ser uma reação
efêmera é possivelmente estragar toda a eficácia do
processo de sofrimento.
Para especular ainda mais, não é possível que observar
o corpo possa satisfazer as necessidades bizarras de certos indivíduos
e precipitar desvios substitutos das reações comuns ao sofrimento?
De fato, é possível que numa pessoa predisposta isso pode
dar início a fantasias excessivas ou ilusões. Isso não
significa, obviamente, que o resultado deva ser patológico, mas
certamente cria uma reação variante ao luto.
Existe, infelizmente, poucos dados estatísticos disponíveis
sobre o tema, mas a especulação nos força a considerar
esta "terapia do sofrimento" auto-criada com a maior suspeita.
4 – Além do exposto acima, é interessante notar que
esta nova cerimônia de olhar os restos mortais é apenas um
reflexo de nosso sistema geral de valores. Ao exibir a carne sem a mente
estamos, na verdade, demonstrando nossa eterna ênfase na aparência
acima dos valores, em coisas externas e posses acima da vida interior
e crescimento do ser humano sensível.
Assim, a exibição é uma extensão para dentro
da morte do tipo de atitudes que taxam a vida: para usar os termos de
Buber, o atrito do "tu" em favor do "isso". Quando
aceitamos um ser humano com quem já nos relacionamos como uma pessoa,
um igual, como um "tu", e o manipulamos como alguém faria
com uma mercadoria qualquer, nós o reduzimos a um objeto, um mero
"isso".
A tendência daqueles que comparecem a funerais é notar que
"ele parece bem" em vez de "ele era bom", e as conversas
tendem a se fixar na pessoa como um homem de meios, em vez de um homem
de fins. Porém a pessoa em si, em sua própria intimação
de imortalidade, espera não que o formato de seu nariz e maxilar
seja lembrado, mas sim seus atos, seus ensinamentos, suas atitudes, seus
esforços, suas boas intenções, e as realizações
de seus filhos de alguma forma lhe trarão a imortalidade que anseia.
Não podemos concordar que a alma do homem é tão pobre
que não possa lembrar a imagem viva do falecido; que seja tão
neurótica que não se permita confrontar a suprema verdade;
que seja tão auto-indulgente que vá perturbar deliberadamente
o falecido em prol de sua própria paz de espírito; que esteja
tão temeroso do fato que deva criar para si mesmo uma ficção.
Sob ambos os pontos de vista, a do Judaísmo tradicional e da psicoterapia,
não há um motivo válido para a exibição
de restos mortais. Pelo contrário, o homem, criado à imagem
de D'us, participando na dignidade da vida humana, merece descansar em
paz. E o enlutado merece, nesse momento traumático de intenso sofrimento,
permitir-se passar por isso naturalmente e em seu próprio passo,
reconhecendo e aceitando a sua perda.
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