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Quando
Chanan completou cinco anos seu pai, o famoso Dr. Yitschak Greenberg,
advogado de destaque em Lodz, e filho do igualmente famoso Rabi Aaron
Greenberg, deu a ele seu primeiro violino, no mesmo dia em que começou
a estudar o Chumash. Para alegria do seu pai, Chanan provou-se aplicado
tantos nos estudos judaicos quanto em sua música. Na verdade, seu
talento no violino era tão impressionante, que o pai comprou-lhe
um instrumento muito precioso, a obra prima de um famoso italiano de Cremona.
Porém a satisfação do Dr. Greenberg com o progresso
do filho nos estudos teve curta duração. Quando Chanan contava
pouco mais de dez anos os nazistas invadiram a Polônia. Colegas
invejosos trataram de assegurar que o advogado judeu fosse um dos primeiros
a serem presos. Ele morreu como um mártir pela fé. Chanan
e sua mãe conseguiram esconder-se em Lodz durante um ano depois
disso, quando então os alemães começaram uma caçada
intensa por todos os lares judeus. Numa noite escura, a Sra. Greenberg
e seu filho empreenderam uma fuga do terror e da fome. Quase perderam
tudo que possuíam. Mas quando chegaram a Varsóvia, Chanan
ainda se agarrava ao seu violino de madeira escura. Numa manhã
gelada a caixa de madeira fora sacrificada para mantê-los aquecidos.
Mas, quanto pior a situação, mais suaves eram as melodias
que fluíam das cordas desprotegidas do violino. Elas forneciam
consolo nos momentos de profundo desespero e pavor.
O Gueto de Varsóvia estava lotado além da sua capacidade,
e a situação se tornava pior a cada dia. Fome, doenças
e terror assolavam os assustados judeus na armadilha da qual não
podiam escapar vivos. Chanan e a mãe moravam com o pai do Dr. Greenberg,
no aposento único que os antigos seguidores do Rabino tinham arrumado
para ele. O ancião parecia ser capaz de sobreviver sem comida,
pois tudo que seus chassidim lhe levavam, ele dava à nora e ao
neto. Apesar disso, a mãe de Chanan não conseguiu suportar
a provação. Uma noite o idoso Rabino acordou o menino do
seu sono inquieto. "Acorde, Chanan, pegue o violino e toque para
sua mãe. Isso a ajudará a morrer mais facilmente."
Chanan mal tinha tocado o violino durante os meses de sofrimento no Gueto,
mas entendeu o desejo de avô e da mãe. Sua música
era a única nota de beleza na situação em que viviam.
Enquanto o Rabino recitava Tehilim, Chanan ficou ao lado da mãe
e tocou como jamais tocara antes. Sua alma jovem, desesperada, fez surgir
uma melodia de fé que tinha embelezado os últimos instantes
das centenas de judeus que morreram com as palavras de "Ani Maamim"
(Eu creio) nos lábios e no coração. Enquanto as notas
da singela melodia cortavam o silêncio do Gueto naquela noite de
terror, a mãe de Chanan devolveu sua alma ao Criador, levando a
mensagem da fé infinita dos moradores do Gueto perante Seu sagrado
trono.
Chanan estava órfão. Durante um ano inteiro ele não
tocou seu violino, embora cuidasse dele com carinho. Quando não
estava estudando com o avô, contemplava as cordas silenciosas, e
suas mãos jovens percorriam o gracioso desenho da madeira, com
uma ternura e um amor que estavam além do seu entendimento.
O Levante do Gueto tinha começado, e a sensação de
armadilha mudou subitamente de medo e tristeza para inspiração
e coragem.
Certo dia ao amanhecer, quando os habitantes do Gueto estavam se aprontando
para marcharem para a morte, o idoso Rabino disse a Chanan: "Agora
não é hora de tristeza, meu filho. Pegue seu violino e toque
para os judeus que vão morrer pela glória de D'us e de Seu
povo. Estou velho demais para lutar. Mas você não é
jovem demais para ajudá-los com a inspiração da sua
música."
Chanan apanhou o arco e o violino e saiu de casa. Ele teria preferido
levar um revólver, como muitos dos seus companheiros. Mas ele percebeu
que tinha algo melhor a oferecer que os outros meninos e meninas. E de
fato, para os homens e mulheres que caminhavam para o caos sabendo que
não regressariam, a música de Chanan era como um remédio.
Eles sentiam o coração mais leve com os acordes do violino
e os sons da Canção da Fé, à medida que Chanan
seguia com eles e os acompanhava à cena da sua batalha sem esperanças.
Com freqüência, o menino se aproximava da cena de batalha,
e as balas passavam perto dele e do seu precioso violino. Porém,
como se estivesse imune àquilo tudo, ele caminhava despreocupado
pela saraivada de balas, vivendo apenas para aqueles que iam para a morte.
Os judeus do Gueto começaram a pensar nele como um talismã.
Enquanto sua música tocasse, eles se defendiam, com unhas e dentes,
do inimigo que era mil vezes superior a eles em número, treinamento
e armas. Os alemães às vezes vislumbravam o menino com o
violino a distância, e suas melodias os assombravam em seu sono.
Começaram a temê-lo como um mau presságio, e foi prometida
uma recompensa especial pela sua captura. Eles perceberam que para os
galantes defensores do Gueto, o menino com o violino valia mais que uma
centena de combatentes.
No quadragésimo dia da heróica resistência no Gueto
de Varsóvia, os nazistas apanharam Chanan e seu violino. Tinham
capturado uma casa fortemente defendida. Quando entraram no porão,
viram o menino sentado no chão, com um velho de barba e cabelo
brancos que jazia morto sobre o seu colo. Chanan não se deu mais
ao trabalho de fugir. Ficou ali sentado, contemplando o rosto amado do
avô morto, sem mais vontade de lutar pela vida. Os nazistas o trataram
como uma sensação, e não como a um inimigo. Muitos
adolescentes, meninos e meninas, tinham lutado lado a lado com os homens
e mulheres do Gueto, e os brutais alemães não tinham mostrado
mais misericórdia com eles do que aos judeus adultos. Porém
Chanan tinha se tornado uma espécie de lenda entre os soldados
armados que abriam caminho para o interior do Gueto, e eles estavam ansiosos
por conhecê-lo.
Não menos ansioso que seus homens estava o Coronel Von Bibra, seu
impiedoso comandante, que esmagara a rebelião sem dó. Ele
pediu ao menino que tocasse o violino. Porém Chanan recusou-se
a obedecer a ordem dos seus captores. Eles o espancaram e chutaram, mas
ele apenas respondeu: "Jamais tocarei para vocês, seus açougueiros."
Antes que o Coronel Von Bibra entrasse para a carreira militar, ele tinha
sido o primeiro violino num Quarteto de Música de Câmara,
como a maioria dos seus ancestrais. Amava a música e por isso hesitava
em matar o garoto, ou destruir seu violino. Mas quando percebeu que nem
a bondade, nem a brutalidade, o induziriam a tocar, ele o enviou para
Treblinka, o campo de extermínio, onde milhares de judeus morreram
nas mãos do nazistas.
"Toque para nós, Chanan" – imploravam seus companheiros
nas barracas frias e imundas. Mas Chanan não atendia os pedidos.
Seus olhos estavam distantes, muito distantes, onde nenhuma voz humana
conseguia alcançá-lo. Tudo aquilo que tinha vivido e sonhado
parecia errado agora. "Não posso, não posso tocar"
– repetia ele consigo mesmo, os olhos pregados no arco e nas cordas
do violino. Ele não precisava de uma desculpa para apresentar aos
companheiros. Eles entendiam aquilo que estava se passando dentro dele,
e não exigiam o impossível, embora ansiassem pelo conforto
da música de Chanan, sobre a qual tinham ouvido comentários
feitos pelos poucos sobreviventes do Levante do Gueto de Varsóvia.
Certa noite Chanan estava dormindo num catre a um canto, e em seu sonho
o velho Rabino, seu querido avô, apareceu a ele: "Você
está aqui, frio e insensível às almas dos seus irmãos.
Sabe que por causa da sua recusa em tocar, eles têm medo da morte?"
No dia seguinte, quando o costumeiro grupo de prisioneiros foi levado
para a morte pelos guardas do campo, Chanan endireitou seu arco e afinou
as cordas do violino. Quando o grupo saiu marchando, ele tocou a Canção
da fé, que tocara pela primeira vez quando sua mãe estava
morrendo devido aos horrores da vida no Gueto. Sorrisos de felicidade
surgiram no rosto dos condenados enquanto caminhavam para a morte. Eles
olhavam através dos rostos sorridentes dos seus carrascos, como
se estivessem vendo o mundo melhor e mais elevado que os esperava, além
dos muros silenciosos dos matadouros e da brutalidade de uma morte horrível.
Capitão Bauer, o comandante do campo, estava de plantão
o tempo todo. Certa noite, quando passava pelas barracas para conferir
o trabalho dos guardas, ouviu música. As lindas melodias fluíam
das cordas de um violino e ecoavam nas vozes profundas e melancólicas
do coro de prisioneiros. Havia um espírito de desafio; havia esperança
e felicidade no meio da sua tristeza. Não era isso que o Capitão
Bauer esperava das suas vítimas. Portanto, ficou perplexo ao ouvir
a revolta espiritual que ecoava nas vozes dos prisioneiros. Tocou seu
apito, e à frente de um grupo de guardas da SS, ele entrou nos
barracões de onde tinha vindo a música. Viu o menino de
pé no meio da sala grande, cercado pelos internos do campo, cujos
rostos pálidos empalideceram ainda mais quando os potentes fachos
das lanternas passaram por eles. Pararam de cantar, mas Chanan continuou
a tocar seu violino, alheio a tudo que se passava ao redor. Permaneceu
no escuro, os olhos cerrados, melodia após melodia fluindo pelo
seu corpo. Foi agarrado rudemente por um homem da SS, que o sacudiu do
seu transe. Foi levado até o Comandante. Ali, o Capitão
Bauer ordenou-lhe que tocasse. E novamente Chanan respondeu: "Meu
violino não toca para vocês, açougueiros." Foi
espancado e chutado, mas em vão.
O Capitão Bauer não era tão sentimental quanto o
Coronel Von Bibra. Seus antepassados tinham sido camponeses rudes, não
cavalheiros que cultivavam as finas artes quando não estavam extorquindo
viajantes ricos. Portanto, não estava disposto a brincar com um
obstinado garoto judeu. Puxou o revólver e disse a Chanan para
tocar ou morrer. O menino tinha olhado de perto, mais de uma vez, o cano
de revólveres, e tinha perdido todo o medo da morte. Esperou pelo
fim, abraçado ao violino. O Capitão Hans Bauer estava a
ponto de apertar o gatilho quando uma idéia brilhante passou pela
sua mente perversa: "Leve o garoto para as câmaras de gás,
e faça-o tocar ali. Ele diz que toca apenas para os judeus."
O guarda bateu os calcanhares, fez uma continência e apressou-se
a cumprir a ordem do seu comandante. Antecipando a diversão, ele
empurrou Chanan na manhã seguinte até as casas de tijolos
com as câmaras de aço.
Chanan tinha ouvido falar da morte pelo gás, e tinha visto o tipo
de tratamento que os alemães tinham dado aos judeus no Gueto de
Varsóvia. Porém não estava suficientemente calejado
para os gritos dos moribundos por trás das enormes portas seladas.
Chanan olhou para seu amado instrumento que tinha nas mãos. Sua
cor castanho escuro parecia ter se transformado em vermelho sangue, e
em vez das doces melodias havia apenas aqueles gritos assustadores e gemidos
de agonia.
Não havia esperança por trás daquelas portas, e não
havia sentido em continuar vivendo. Chanan agarrou o pescoço esbelto
do violino com as duas mãos, ergueu o instrumento acima da cabeça
e esmagou-o no rosto do SS mais próximo. Um minuto depois, seu
corpo jazia ao lado do instrumento destruído. Capitão Bauer
ordenou que Chanan fosse enterrado junto com os pedaços do violino.
Ele tinha um senso para o dramático, e seus amigos, quando voltasse
para casa, apreciariam a narrativa desta parte de suas histórias
de guerra.
Aos poucos afortunados que escaparam do horror de Varsóvia e Treblinka,
Chanan nunca morreu. Eles sempre verão o menino quando este caminhava
em meio à rajada de balas, inspirado, e inspirando desafio e fé,
com as melodias do seu violino de madeira escura.
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