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Poucas leituras semanais
da Torá recebem o nome de uma pessoa; portanto, sempre que esta
associação é feita, ela demanda especial atenção.
E se isto for verdade em relação às outras leituras
da Torá, certamente se aplica à Parashá Yitró,
a história da entrega da Torá. Chamar a porção
de Yitró indica uma conexão entre ele e os acontecimentos.
Quem foi Yitró1? A Torá o descreve como o kohen
de Midian. Nossos Sábios oferecem duas definições
para a palavra kohen2:
a) “Governante”. Yitró governava a terra de Midian.
b) ”Sacerdote”. Ele liderava os midianitas em sua devoção.
De fato, nossos Sábios relatam3 que Yitró tinha
reconhecido todas as falsas divindades no mundo.
A conexão entre a primeira interpretação e a entrega
da Torá é óbvia, pois ela reflete a extensão
do compromisso de Yitró. Apesar de ele ter vivido com riqueza e
conforto, ele estava preparado para viajar para o deserto para ouvir as
palavras da Torá4. Mas a segunda interpretação
é problemática. Nossos Sábios nos ensinam5
que é proibido dizer a um convertido: “Lembre de teus atos
anteriores”.
Identificando as Divindades, Reconhecendo D’us
Para resolver esta questão, é necessário entender
a origem da idolatria. O Rambam escreve6:
Durante a época de Enosh, a humanidade cometeu um grande erro...
Eles disseram que D’us criou as estrelas e esferas para, com elas,
controlar o mundo. Ele as colocou no alto e as tratou com honra... Consequentemente,
é adequado [ao homem] louvar e glorificar [estas entidades] e tratá-las
com honra.
Assim, a adoração de falsas divindades tem suas raízes
em um mal-entendido – a de que D'us influencia este mundo por meio
de intermediários.
Nossos Sábios comentam7: “Não há
nenhuma folha de grama neste plano [material] que não tenha uma
força espiritual compelindo-a a crescer”. Adoradores de ídolos,
entretanto, atribuem autoridade independente a esses intermediários,
achando que eles têm controle sobre a influência que espalham.
Na verdade, esses “deuses” são meramente “um
machado na mão de um lenhador”8, sem nenhuma importância
ou vontade própria e, portanto, é errado e proibido adorá-los9.
Ao dizer que Yitró tinha reconhecido todas as falsas divindades
no mundo, nossos Sábios indicam que ele tinha consciência
de todos os diferentes meios pelos quais D’us canaliza a energia
para o mundo. Apesar de seu conhecimento desses poderes espirituais, ele
rejeitou sua idolatria declarando10: “Abençoado
seja D'us... Agora eu sei que D’us é maior que todas as divindades”.
O Microcosmo Encorajando o Macrocosmo
O reconhecimento de D’us por Yitró não foi meramente
uma questão pessoal. Suas palavras de louvor produziram “a
revelação de D'us em Sua Glória nos mundos superiores
e inferiores. Depois disso, Ele entregou a Torá, em perfeita [confirmação
de] Seu domínio sobre toda a existência” 11.
O reconhecimento individual de D’us por Yitró expressou o
propósito da entrega da Torá. Isto preparou o macrocosmo,
o mundo em geral, para uma revelação como esta.
Explicando: O Rambam declara12 que “a Torá foi
dada somente para criar paz dentro do mundo”. Entretanto, a paz
não é o objetivo da existência da Torá; a Torá
existia antes da criação do mundo13. Ela é
a sabedoria de D’us14, unida com Ele15.
Portanto, assim como D’us transcende o conceito de propósito,
também assim faz a Torá. O Rambam, entretanto, focaliza
não sobre o objetivo da própria Torá, mas sobre a
entrega da Torá – porque a Torá foi concedida aos
mortais. Ele explica que a Torá foi dada não somente para
espalhar a Luz Divina, mas para cultivar a paz.
Quando os Pares se Encontram
A paz se refere à harmonia entre opostos. Em um certo sentido,
ela se refere à solução da divisão entre o
físico e o espiritual, o movimento adiante que torna possível
um mundo no qual a presença de D’us não está
visivelmente evidente para reconhecer e ser permeado pela verdade de Sua
Existência.
Sobre o versículo16 “Os céus são
os céus de D'us, mas a terra Ele deu aos filhos do homem”,
nossos Sábios explicam17 que, originalmente, havia um
decreto Divino separando o físico do espiritual, isto é,
a natureza da existência material nos afastava da verdadeira apreciação
da realidade espiritual18. No momento da entrega da Torá,
entretanto, D’us “anulou esse decreto” e permitiu que
a união fosse estabelecida entre as duas.
Além disso, a verdadeira paz envolve mais do que a mera negação
da oposição. A intenção é que as forças
que existiam previamente ao acaso devem reconhecer algo em comum e se
unirem em atividades positivas. Da mesma forma, a paz que a Torá
estimula não envolve meramente uma revelação da Divindade
tão grande que o mundo material seja forçado a reconhecê-la.
Em vez disso, a intenção da Torá é produzir
uma consciência de D’us dentro do contexto do próprio
mundo.
Existe Divindade em todo elemento da existência. A todo o momento,
a Criação está sendo renovada; se a energia criativa
de D'us faltasse, o mundo voltaria ao nada absoluto19. A Torá
nos permite apreciar essa Divindade interior e nos capacita a viver em
harmonia com ela.
Em um sentido pessoal, o reconhecimento por Yitró da supremacia
de D’us cumpriu esse objetivo. De seu envolvimento com “todas
as falsas divindades do mundo”, ele chegou a um profundo reconhecimento
da soberania de D'us20. A transformação de Yitró
tornou possível a entrega da Torá que, por sua vez, transforma
o mundo.
Da Escuridão à Luz
O Zohar21 associa a transformação da existência
material com o versículo22 “Eu vi uma vantagem
da luz sobre a escuridão”. A palavra Yisaron (compartilhando
a mesma raiz que o nome Yitró), traduzida como “vantagem”,
também pode ser entendida como “qualidade superior”.
Assim, o versículo pode ser interpretado como indicando que a luz
que vem da transformação da escuridão possui uma
qualidade superior.
Há duas implicações disto. Primeiramente, que a transformação
da escuridão resulta em uma maior qualidade da luz do que a que
seria revelada e, em segundo, que essa luz superior não se opõe
ao mundo material. Ao contrário, a escuridão do mundo é
sua fonte.
O Caminho para a Redenção
O Tanya23 descreve a entrega da Torá como um prelúdio
da Era da Redenção. Quando a Torá foi dada, toda
a existência ficou em um estado de absoluta unidade com D’us.
No momento da entrega da Torá, entretanto, a revelação
dependeu da iniciativa de D’us. Já que o mundo ainda não
tinha sido refinado, sua natureza se opôs à manifestação
da Divindade e, assim, a revelação milagrosa não
permaneceu. Nos séculos que se seguiram, entretanto, a observância
da Torá e às suas mitzvot pela humanidade tem lentamente
costurado a Divindade no tecido do mundo. Na Era da Redenção,
a separação será permanentemente dissolvida e nós
perceberemos que nosso mundo é a moradia de D’us24.
NOTAS
1. Shemot 18:1.
2. Ver o Mechilta sobre este versículo.
3. Mechilta sobre Shemot 18:11; Zohar, Vol. II, p. 69a; Rashi, Shemot 18:9.
4. Rashi, Shemot 18:5.
5. Ver Bava Metzia 58:13, citado em Mishneh Torah, Hilchos Mechirah 14:13.
6. Mishneh Torah, Hilchos Avodas Kochavim 1:1.
7. Bereishis Rabbah 10:6, Zohar, Vol. I, p. 251a.
8. Cf. Yeshayahu 10:15. Ver o maamar VeYadaata 565 7 onde este conceito
é explicado detalhadamente.
9. Ver o 5º dos Treze Princípios da Fé do Rambam (Comentário
sobre a Mishnah, Introdução ao Décimos Capítulo
do Sanhedrin).
10. Shemot 18:10-11.
11. Zohar, Vol. II, p. 67b.
12. Rambam, Mishneh Torah, a conclusão de Hilchos Chanukah. A fonte
de Rambam é uma questão de discussão. O Tzemach Tzedek
(Or HaTorah, Mishlei, p. 553) cita Gittin 59b. Ver Likkutei Sichos, Vol.
VIII, p. 349ff.
13. Midrash Tehillim 90:4, Bereishis Rabbah 88:2.
14. Tanya, cap. 3.
15. Zohar, Vol. I, p. 24a.
16. Salmos 115:16.
17. Shmos Rabbah 12:3. Ver o ensaio intitulado “O Quê Aconteceu
Com O Sinai” (Timeless Patterns in Time, Vol. II, p. 91ff, Kehot,
1994) que explica este conceito.
18. De fato, a palavra hebraica para “mundo” (Likkutei Torah,
Bamidbar 37d) ????, compartilha a mesma raiz que a palavra ????, significando
“ocultação”.
19. Tanya, Shaar HaYichud VehaEmunah, cap. 1.
20. 20. Yitró reconheceu, de boa vontade, a presença de D’us
e se esforçou para modificar sua vida para se adaptar com sua apreciação.
Outros povos também ficaram temerosos pelos milagres do Mar Vermelho
e reconheceram o poder de D’us, como está escrito (Shemot 15:14-16):
“Povos ouviram e tremeram... Os [habitantes de] Canaã fundiram-se.
Medo e apreensão caíram sobre eles”. Diferentemente
de Yitró, entretanto, eles não refletiram esta apreciação
de D’us em sua conduta.
21. Zohar, Vol. III, p. 47b.
22. Ecclesiastes 2:17.
23. Cap. 36.
24. Cap. 36. |