A Lei Judaica ordena que um judeu adquira
um etrog antes do feriado de Sucot, e recite uma bênção
sobre ele a cada dia da Festa (exceto no Shabat).
Agnon relata que pouco antes de Sucot , no bairro de Talpiot em Jerusalém,
onde mora, ele encontrou um dos seus vizinhos, um rabino idoso originário
da Rússia, numa loja que vendia etroguim. O rabino disse a Agnon
que como a Lei Judaica considera algo muito especial a aquisição
de um etrog perfeito, esteticamente belo, ele estava disposto a gastar
uma grande quantia para comprar este objeto ritual, apesar dos seus
meios limitados.
Um judeu jamais pode ser indiferente às
necessidades dos outros.Agnon ficou surpreso um dia depois, quando
começou o feriado e o rabino não tirou seu etrog durante
o serviço na sinagoga. Perplexo, ele perguntou ao homem onde
estava o lindo etrog. O rabino contou-lhe a seguinte história:
Acordei cedo, como de costume, e preparei-me para recitar a bênção
sobre o etrog na sucá em meu terraço. Como você
sabe, tenho um vizinho com família grande, e nossos terraços
são adjacentes. Como você também sabe muito bem,
nosso vizinho, pai de todas aquelas crianças na casa ao lado,
infelizmente é um homem de pavio curto. Muitas vezes, ele grita
com os filhos; já falei com ele sobre a sua severidade, mas isso
de nada adiantou.
Enquanto eu estava na sucá no meu terraço, preparando-me
para recitar a bênção sobre o etrog, ouvi uma criança
chorar. Era uma menininha, uma das filhas do nosso vizinho. Fui até
lá para ver o que estava acontecendo. Ela contou-me que também
tinha acordado cedo e saído ao terraço para examinar o
etrog do pai, cuja aparência estética e deliciosa fragrância
a tinham encantado. Desobedecendo às instruções
do pai, ela tinha tirado o etrog do estojo para olhá-lo. Infelizmente,
deixou-o cair no piso de pedra, danificando-o irremediavelmente, tornando-o
inaceitável para uso ritual. Ela sabia que o pai ficaria furioso,
e talvez a punisse severamente. Daí as lágrimas assustadas
e os gemidos de apreensão.
Eu a consolei, e depois coloquei meu etrog no estojo do pai dela, levando
o etrog danificado para minha casa. Disse a ela para contar ao pai que
o vizinho insistia para ele aceitar o presente do etrog, e que ele estaria
honrando a mim e ao feriado se o fizesse.
Agnon conclui: "O etrog do meu vizinho, mesmo danificado, ritualmente
inútil, era o mais lindo etrog que eu jamais vira."
Gosto dessa história porque, ao seu modo suave, nos lembra de
como um judeu deve comportar-se. Somos convocados a construir uma sociedade
de vidas sagradas e atos generosos. A sensibilidade, juntamente com
a bondade, é o próprio centro dos valores judaicos. O
Judaísmo não é uma fé de momentos sagrados
separados da vida diária. É uma religião que infunde
a textura da vida diária, das ações cotidianas,
palavras e relacionamentos.
No ardente primeiro capítulo de Yeshayáhu, o profeta denuncia
aqueles que são escrupulosos ao oferecer sacrifícios,
porém negligenciam os pobres, ou abusam dos fracos. O Judaísmo
não é Judaísmo se desconectamos nossos deveres
a D'us das nossas obrigações para com nossos semelhantes,
os seres humanos. Ser judeu é estar alerta ao sofrimento dos
outros. Isto é lindamente expresso numa famosa linha nos Salmos:1
"Eu era jovem e agora sou velho, porém não vi o justo
abandonado ou seus filhos mendigando pão."
A pergunta é óbvia: Certamente no decorrer da história,
houve vezes em que os justos foram abandonados?
Uma linda explicação pode ser encontrada nas palavras-chave
do versículo: lo ra'iti, normalmente traduzidas como "Eu
não vi." O verbo ra'iti, porém ocorre duas vezes
no Livro de Esther com um significado bem diferente. "Como posso
suportar assistir (eichachah uchal vera'iti) ao desastre que cairá
sobre meu povo?" E "como posso suportar assistir à
destruição da minha família?"2 O verbo aqui
não significa meramente "ver". Significa "ficar
ali assistindo, ser uma testemunha passiva, um espectador desengajado."
Ra'iti nesse sentido significa ver e não fazer nada para ajudar.
Isso, para Esther, como para o Salmista, é uma impossibilidade
moral. Um judeu jamais pode ser indiferente às necessidades dos
outros.
Ser judeu é ser sensível à
pobreza, ao sofrimento e à solidão dos outros.Lido
dessa maneira, o versículo declara: "Eu era jovem e agora
sou velho, e não fiquei simplesmente parado olhando quando os
justos foram abandonados e seus filhos forçados a mendigar pão."
Eu estendi uma mão amiga e um coração amoroso à
pessoa em necessidade.
O mundo é tremendamente rico. A imaginação humana
é incapaz de prestar atenção a todas as suas facetas.
O artista vê o mundo em cores, o escultor em formas, o músico
percebe o mundo em sons, e o industrial em ações. O Salmista
vê o mundo inteiro em termos de uma arena para a bondade, compaixão
e justiça.
Ser judeu é ser sensível à pobreza, ao sofrimento
e à solidão dos outros.
Uma história: O famoso filósofo, Bertrand Russel, tinha
o hábito de pontuar suas palestras com comentários sarcásticos
e irônicos. Esta prática ofendeu um aluno em sua aula sobre
ética, que quis saber como um professor de ética podia
ser tão cínico.
Russel perguntou ao estudante: "O que mais você está
estudando?" O aluno respondeu: "Estudo matemática."
Disse Russel: "Então por que não pergunta ao seu
professor de matemática por que ele não é um triângulo
ou um trapézio?"
O Talmud pergunta o que é maior,
talmud ou maassê, o estudo ou a ação? E responde:
o estudo é notável porque leva à ação.O
professor astutamente ilustrou que se a ética obriga o professor
de ética a ser uma pessoa ética, a matemática deveria
obrigar o matemático a ser uma figura geométrica.
Em contraste, o pensamento judaico insiste que as verdades Divinas estão
incorporadas exatamente no tipo de pessoa que nos tornamos. O Talmud
pergunta o que é maior, talmud ou maassê, o estudo ou a
ação? E responde: o estudo é notável porque
leva à ação.3 O conhecimento, então, não
é um fim em si mesmo, mas um caminho para a transformação
do caráter. Judaicamente, estudar não é testado
passando nos exames, mas sim pela maneira como se vive. Se eu me tornar
um notável erudito mas não viver moralmente, então
minha educação pode ter sido um sucesso acadêmico,
mas uma falha em termos de Judaísmo.
Quando a Torá fala sobre educação, faz isso de
uma maneira admirável. Ela não fala – como fazem
os grandes pensadores gregos, Platão e Aristóteles –
da busca pelo conhecimento e da procura da verdade. Fala de ensinar
às crianças como se comportarem ética e espiritualmente.
Avraham é escolhido "para que ele instrua seus filhos e
sua família para manterem o caminho de D'us, promovendo paz e
justiça." A educação judaica não é
sobre a contemplação abstrata da verdade, é sobre
moral e vida sagrada.
Na verdade, Maimônides explica que viver de maneira sagrada é
um tema geral no Judaísmo. Assim, em seu comentário ao
versículo "ande nos caminhos de D'us"4 ele declara:
Somos ordenados a desenvolver alguns traços de caráter
– sermos bondosos, misericordiosos e sagrados, pois D'us é
bom, misericordioso e sagrado. Isso significa que além de prescrever
ou proibir determinadas ações, o Judaísmo exige
que desenvolvamos algumas virtudes do coração. O Judaísmo
é mais que uma coreografia de comportamento. A Torá está
preocupada não apenas com a conduta, mas também com o
caráter; não somente com mitsvot que cumprimos, mas também
com o tipo de pessoa que somos5.
Há pessoas bem-sucedidas, inteligentes ou influentes, mas também
há pessoas que a Torá transformou, e você pode dizer
isso pelo seu comportamento, sua maneira de relacionar-se com as pessoas.
Eles trazem orgulho e honra ao Judaísmo. Como o rabino que deu
seu etrog a uma criança. Pois a meta do Judaísmo é
que o homem seja uma incorporação da Torá, para
a Torá estar no homem, em sua alma e em seus atos.
Notas:
1 - 37:25
2 - Esther 8:6
3 - Kidushin 40b
4 - Devarim 28:9
5 - Hilchot De'ot cap.1.