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Um detalhe importante, porém
muitas vezes esquecido, do famoso sonho do Faraó, é o fato
de que as sete vacas magras ficaram lado a lado com as sete vacas gordas
na margem do rio. Em outras palavras, todas as catorze vacas existiram
simultaneamente no sonho do faraó – ao contrário da
realidade, na qual os sete anos de escassez vieram depois que os sete
anos de fartura se escoaram.
Eis por que os sábios do Faraó, que elucubraram todos os
tipos de interpretações exóticas para seu sonho (por
exemplo, "sete filhas nascerão ao senhor, e sete filhas suas
morrerão"), não aceitaram a solução que
estava clara à sua frente.
Quando as vacas ficam gordas? Quando há uma colheita farta!
E quando estão magras? Quando há escassez.
O mesmo vale para as espigas de milho cheias e as mirradas.
O que poderia ser mais óbvio?
Mas o Faraó viu as vacas gordas e as magras pastando juntas. Não
se tem anos de fartura e anos de escassez ao mesmo tempo, disseram os
sábios. Os sonhos devem ter um significado menos óbvio,
algo metafórico.
O mais genial foi que Yossef entendeu que os sonhos do Faraó não
apenas previam acontecimentos futuros, mas também ensinavam como
lidar com eles: estavam dizendo ao Faraó como fazer os sete anos
de fartura coexistirem com os sete anos de escassez.
Quando Yossef começou a dizer ao Faraó como se preparar
para a fome que se avizinhava, não estava oferecendo conselhos
que não foram solicitados; aqueles conselhos eram parte da interpretação
do sonho. Se você armazenar o cereal excedente dos anos de abastança,
dizia Yossef, então as sete vacas ainda estarão por perto
quando as sete vacas magras emergirem do rio - e as vacas magras terão
o que comer.
Os mestres chassídicos notam que o primeiro exílio
do povo judeu aconteceu em uma névoa de sonhos. Os sonhos de Yossef,
os sonhos do padeiro e do mordomo e os sonhos do Faraó levaram
Yossef, e toda sua família ao exílio, no Egito, à
escravidão e perseguição, até que fossem libertados
por Moshê, mais de dois séculos depois. Da mesma forma, o
próprio exílio anterior de Yaacov a Charan começou
e terminou com sonhos.
O exílio é um sonho: um estado da existência pleno
de metáforas disfarçadas, e impossibilidades lógicas.
Um estado no qual vacas gordas e magras podem coexistir simultaneamente,
no qual uma vaca pode até mesmo ser gorda e magra ao mesmo tempo.
Exílio é um local onde uma economia próspera é
tanto uma bênção quanto uma maldição,
onde a onda crescente de liberdade solta aquilo que de pior existe no
ser humano, onde somos saturados com espiritualidade e a espiritualidade
é exaurida ao mesmo tempo. Porém, há uma forma de
lidar com essa bagunça cósmica. Escute Yossef falar (até
o Faraó reconhece um bom conselho quando o vê). Não
fuja dos sonhos, diz Yossef, não procure algum outro significado.
Use-o.
Se o exílio lhe mostra o paradoxo da vaca gorda e da vaca magra
pastando juntas à beira do rio, use a vaca gorda para alimentar
a vaca magra. Transforme o sonho na solução.
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