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O
rabino e seu motorista
Um famoso rabino, brilhante filósofo, era altamente respeitado
pelo seu motorista, que escutava com respeito cada discurso, quando seu
chefe respondia com facilidade questões sobre moralidade, ética
e filosofia.
Então um dia o motorista aproximou-se do rabino e
perguntou se ele estaria disposto a trocar os papeis para a palestra daquela
noite. O rabino concordou e, durante algum tempo, o motorista se saiu
notavelmente bem. Quando chegou a hora das perguntas feitas pelos convidados,
um homem lá do fundo perguntou: “A visão epistemológica
do universo ainda é válida num mundo existencialista?
“Essa é uma pergunta extremamente simples,” respondeu
ele. “Tão simples, na verdade, que até meu motorista
poderia respondê-la, e é exatamente isso que ele vai fazer.”
O professor desligado
O professor estava sempre tão envolvido no texto que estava ensinando
que nunca olhava para seus alunos.
Ele costumava chamar um aluno para tradução e explicação
e – sem perceber – com frequência chamava o mesmo aluno
dia após dia.
Por respeito, os alunos não falavam sobre isso com ele. Após
ser chamado por quatro dias seguidos, um aluno chamado Goldberg pediu
conselho aos seus amigos.
No dia seguinte, quando o rabino disse “Goldberg, traduza e explique,”
Goldberg respondeu: “Goldberg faltou hoje.”
“Tudo bem,” disse o rabino, “então você
traduz e explica.”
A Lição Final
Há uma antiga tradição midráshica1, de que
a última lição de Yaacov com seu amado filho Yossef
horas antes de ele ser sequestrado e vendido como escravo, era sobre uma
lei a respeito de um assassinato não solucionado na porção
de Shofetim.
Todos estamos familiarizados com a narrativa. Yossef que tinha 17 anos
na época, foi solicitado pelo pai a visitar seus irmãos
que estavam pastoreando o rebanho da família perto da cidade de
Shechem. Quando o rapaz chegou a Shechem, os irmãos o sequestraram
e o jogaram num fosso; em seguida o venderam como escravo a mercadores
egípcios.
Yossef terminou trabalhando para um dignitário egípcio,
depois passou 12 anos numa masmorra egípcia e finalmente se tornou
vice-rei daquele país.2
Vinte e dois anos após Yossef ser arrancado de seu pai, a Torá
relata3 que Yaacov soube que ele estava vivo, mas não pôde
acreditar. O Midrash relata que como Yossef suspeitava que isso pudesse
acontecer, ele deu aos emissários um sinal para demonstrar ao pai
a autenticidade da mensagem: “Digam ao meu pai,” Yossef sugeriu,
“que quando eu o deixei há 22 anos, tínhamos acabado
de completar o estudo das leis do bezerro que foi levado como expiação
para um assassinato não resolvido.”
Este, explica o Midrash, é o significado do versículo bíblico
que diz: “Eles contaram a ele, ‘Yossef ainda está vivo
e ele é o governador de todo o Egito,’ mas seu coração
rejeitou isso, pois ele não podia acreditar neles. Porém,
quando relataram a ele todas as palavras que Yossef lhes tinha dito, e
ele viu as carroças que Yossef tinha enviado para transportá-lo,
então o espírito de Yaacov foi revivido.”
O termo hebraico usado para carroças (“agalos”) também
pode ser traduzido como bezerros. “quando Yaacov ‘viu’
os bezerros que Yaacov enviou,” i.e., quando ele entendeu que este
líder egípcio sabia o conteúdo da última lição
de Torá que Yaacov ensinara a Yossef, Yaacov percebeu que este
homem era de fato seu filho perdido, Yossef.
Um assassinato não solucionado
Qual é exatamente a natureza dessa lei que Yaacov ensinou a Yossef?
Ela é discutida no Livro de Devarim:
“Quando um cadáver é encontrado caído no campo
na terra que D'us dá para você,” a Torá instrui4,
“não se sabe quem é o assassino, seus anciãos
e juízes devem sair e medir a distância até a cidade
mais próxima,” onde presumimos que a vítima estava
antes de seu assassinato. O Talmud explica que uma delegação
de cinco membros do Supremo Tribunal Judaico em Jerusalém (conhecido
como o Grande Sanhedrin) ia ao campo onde a vítima foi encontrada
e fazia as medidas até a cidade mais próxima5.
Em seguida, os anciãos daquela cidade situada mais próximo
ao cadaver eram obrigados a sair e levar um novilho como expiação
pelo sangue do homem assassinado. Os anciãos da cidade então
declaravam: “Nossas mãos não derramaram este sangue
e nossos olhos não testemunharam isso6.”
Então os sacerdotes que acompanhavam os anciãos no ritual
imploravam a D'us, dizendo: “Perdoa Teu povo… não permite
que a culpa pelo sangue inocente permaneça com Teu povo Israel7.”
A Torá conclui dizendo que “O sangue assim deve ser expiado.
Vocês devem se livrar da culpa do sangue inocente em seu meio, pois
fizeram aquilo que é moralmente certo aos olhos de D'us8.”
Porém a questão interessante é: foi apenas uma coincidência
que o último pedaço de sabedoria que Yossef recebeu de seu
pai antes da separação de 22 anos estivesse concentrada
na resposta judaica a um homem inocente morto no campo? Ou havia algo
mais profundo sobre essa conversa final entre pai e filho9?
Uma crise nacional
Para responder a essa pergunta, devemos examinar o propósito do
enigmático ritual que se seguia à descoberta de uma vítima
assassinada no campo – onde membros da Suprema Corte, o grupo mais
exaltado e distinto no estado judeu, era requisitado a ir e tomar medidas;
os anciãos da cidade eram obrigados a oferecer um bezerro como
expiação e os sacerdotes precisavam rezar pelo perdão.
Os comentaristas bíblicos explicam que o ritual conseguia vários
benefícios10:
1 – O ritual servia como um meio para divulgar o evento. A publicidade
aumentava as chances de apreender o assassino e levá-lo à
justiça. Seria também um aviso a todos os potenciais futuros
assassinos para que eles não saíssem impunes do assassinato
de um homem inocente.
2 – A Torá considerava cada membro da cidade próxima
e até cada membro da nação inteira indiretamente
responsável pelo assassinato. Como proclamavam os sacerdotes durante
o ritual: “Perdoa Teu povo; não permite que a culpa pelo
sangue inocente permaneça com Teu povo Israel.”
“Poderia ocorrer a alguém que os anciãos do tribunal
são assassinos,” pergunta o Talmud11?” O que eles queriam
dizer era que “talvez nós não o vimos saindo e e mandamos
embora sem comida e sem escolta.” Claramente, se tivéssemos
olhado por este homem, ele poderia não ter sido assassinado. Se
ele tivesse recebido abrigo, comida e companhia, poderia ter escapado
desse horrível destino. O que ele estava fazendo sozinho na terra
de ninguém? Por que ninguém cuidou dele?
Por isso a comunidade inteira de Israel, começando com os membros
da Suprema Corte, precisavam fazer duras perguntas a si mesmos. Eram obrigados
a tomar resoluções para o futuro. O ritual servia como uma
ferramenta para arrependimento e expiação.
Os excluídos
Toda mitsvá e lei na Torá contém, além de sua
interpretação literal, uma dimensão psicológica
e espiritual.
Qual é o significado de “um cadáver caído no
campo” num nível psicológico? A Torá descreve
o grande lutador Esaú (irmãos gêmeo de Yaacov) como
“um homem do campo12.” Nos ensinamentos da Cabalá13,
um campo – oposto à cidade – com frequência somboliza
um ambiente que não tem cerca protetora, um local aberto e vulnerável
a forças destrutivas da imoralidade, abuso e vício.
Toda comunidade produz um certo número daquilo que gostamos de chamar
“excluídos”, que a certa altura da vida, em especial
durante a adolescência, abandonam a “cidade” protegida
e entram no “campo” abandonado para experimentar aquilo que
está disponível ali. Muitos deles perdem a alma no processo
e terminam caindo no abismo, emocionalmente assassinados nos campos da morte
do vício, desespero e indiferença moral.
A Torá nos ensina que cada uma dessas almas que terminaram no “campo”
e encontraram uma forma de morte emocional – morte da inocência,
da esperança, da dignidade e do significado – é a preocupação
e responsabilidade de todo membro da nação de Israel, incluindo
os gigantes espirituais da Suprema Corte de Jerusalém!
Quando um ser humano vaga pelos campos assustadores da desesperança,
todo indivíduo da comunidade, especialmente seus mestres e líderes
espirituais devem sacudir os céus. Cada um de nós deve se
perguntar: “Talvez não tenhamos percebido ele saindo e o enviamos
para fora sem comida e sem escolta.” Este adolescente precisou de
alguém para conversar sobre suas frustrações e dúvidas
mas não pôde encontrar ninguém? Este jovem estava ansiando
por amor, encorajamento, inspiração, sem conseguir?
Cada um de nós deve ser perguntar: “Não somos responsáveis
de alguma maneira pela deterioração mental e psicológica
desse jovem?”
Diretores, educadores e líderes de comunidades com frequência
falam sobre estatísticas. “As estatisticas mostram,”
eles nos informam, “que uma certa porcentagem de alunos do ensino
médio terminam…” Quando o futuro de uma criança
em particular é colocado em questão, temos a resposta pronta:
“O que você espera? Ele ou ela é parte da estatística.”
Não pretendo ser rigoroso, mas devemos nos lembrar que foi Yossef
Stalin que disse: “Uma única morte é uma tragédia;
um milhão de mortes é estatística.” Quando começamos
a ver as pessoas como estatísticas, sabemos que nossa sociedade está
desmoronando. Vidas humanas não são meios; são fins
em si mesmas. O valor e santidade do destino de um indivíduo é
infinito, absoluto e eterno.
Os Julgamentos de Nuremberg
Em “Julgamento em Nuremberg”, o juiz americano Dan Haywood
condena Ernst Janning, uma importante figura legal na Alemanha antes até
do surgimento de Hitler, à prisão perpétua por condenar
um médico judeu inocente à morte em 1935. Janning suplica
a Haywood que não sabia da magnitude do horror nazista e que jamais
teria ajudado Hitler se soubesse o que aquele monstro estava planejando.
“Aquelas pessoas, aqueles milhões de pessoas,” Janing
implorou pela sua liberdade, “eu nunca soube que chegaria àquilo.
Você precisa acreditar nisso.”
Ao que o juiz Haywood respondeu: “O ponto é que da primeira
vez que você condenou um homem à morte você sabia que
ele era inocente.”
No momento em que uma única vida perde o valor absoluto, mil vidas,
até um milhão de vidas, não têm valor; são
meramente números mais chocantes.
Esta é a mensagem essencial por trás da mitsvá de
transformar o assassinato de um homem sem teto encontrado num campo isolado
num evento nacional. A Torá está tentando nos ensinar que
se o inferno não se agita com a morte injusta de um único
indivíduo, estamos a caminho da absoluta decomposição
moral; conseguimos abandonar a parte mais importante da humanidade –
ver cada e toda vida como um reflexo de D'us.
Você é importante!
Acima de tudo, este ritual sobre um ser humano sendo assassinado no campo
dá um mensagem para aquelas crianças ou adultos que se encontram
no “campo” da confusão e da depressão.
A mensagem é que sob a perspectiva de D'us, sua vida individual e
seu destino contêm valor e significado. Se você “morrer”,
D'us espera que todos sintam a dor, para tomar parte no caminho da introspeccão.
Sua jornada, sua luta, seu futuro são da maior importância
para D'us, para o mundo, para a história. Saiba que toda ação
conta, que cada palavra tem poder infinito. Construa cada dia da sua vida
como se fosse uma obra de arte. Agora entenderemos por que a providência
fez Yaacov ensinar essa lição a Yossef horas antes de ele
ser atirado a uma nova realidade infernal. Pois esta foi a mensagem que
salvou um Yossef vulnerável de cair no abismo, após ser brutalmente
separado de uma cidade abrigada e sagrada e ser jogado no “campo”
mais depravado da terra.
A última lição que Yossef ouviu do pai imbuiu-o com
a convicção inabalável de que sua vida, cada momento
dela, era eternamente importante; que suas escolhas tinham significado divino.
Vinte e dois anos depois, quando Yaacov soube que Yossef não esquecera
aquela última lição, a alma de um pai foi trazida de
volta à vida. Yaacov reconheceu que apesar de todo o sofrimento e
abuso que Yossef passou, não perdera a centelha interior que dá
à nossa vida nobreza e significado intermináveis.
Este ensaio é baseado numa palestra do Rebe em agosto de 1981
Notas
1. Midrash Rabah Vayigash 94:3; Tanchumah Vayigash seção 11;
Rashi sobre Bereshit 45:27-2
2. Bereshit 37:12-41:45.
3. Bereshit 45:26-27
4. Devarim 21:1-2
5. Soteh 44b. Citado por Rashi sobre Devarim ibid.
6. O heifer foi decapitado. Há uma tradição midráshica
divergente de que o heifer foi meramente atingido no pescoço e portanto
pôde fugir e encontrar a casa do assassino (Midrash Agadah; Bechaya).
7. Devarim 21:3-8
8. Ibid. Versículos 8-9
9. Outro ponto em questão: Pelo Midrash parece que o espírito
de Yaacov foi revivido primeiramente por causa da informação
que ele recebeu de que Yossef lembrava tão bem da lição
final. Porém isso parece incompleto: a notícia de que Yossef
estava vivo era insuficiente para restaurar a vida e a alegria de Yaacov?
(Veja Likutei Sichot vol. 30 pág. 222).
10. Veja Rambam, Guia para os Perplexos 3:40, citado em Ramban e Bechaya
sobre Devarim 21:1. Cf. Sefer HaChenuch Mitsvá 530 e Abarbenel sobre
a Parsah. Veja também Kesef Mishnah sobre Hilchot Rotzach 10:6, Behaya
sobre Devarim 21:1. Ramban ibid. Cf Likutei Sichot vol. 24 págs.
126-8 e na nota #59 e referências ali anotadas.
11. Soteh 45 b. Citado em Rashi ibid. 21:7.
12. Bereshit 25:27
13. Or Hatorah sobre Bereshit ibid (pág. 142b); Likutei Torah Reah
pág. 32b; referências notadas em Likutei Sichot vol. 30 pág.
223 nota nš 17. |