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  O verdadeiro retorno
   
 

Um retorno à fé de Israel é sempre possível àqueles que se afastaram ou se rebelaram deliberadamente. Não importa se a estrada a ser percorrida por aquele que retorna é longa ou curta, começar a viagem por ela é um dos atos religiosos mais significativos. Esta jornada é conhecida como teshuvá: aquele que a empreende é o báal-teshuvá.

A palavra teshuvá é muitas vezes traduzida como arrependimento. O radical da palavra, porém, significa simplesmente retorno. "Retorna, ó Israel, ao Eterno teu D’us" (Hosea 14:2) é a essência da teshuvá, a chave da expiação. Um retorno a D’us não é apenas um reconhecimento de Sua existência, ou simplesmente dizer "Eu creio n’Ele". O fato de meramente se juntar a uma sinagoga também não constitui um retorno a Ele. Estes são apenas os primeiros passos naquela direção. Teshuvá significa nada menos que se tornar um servo do Senhor, um eved Hashem. Um servo é aquele que não somente reconhece a existência do amo como também se submete à sua lei e jurisdição, que se sujeita aos comandos e pedidos do amo. O relacionamento de Israel com D’us também é assim. Porém ao nos submeter a D’us, proclamamos nossa liberdade da servidão humana. "Vós sereis Meus servos, disse o Eterno, e não servos de Meus servos."


Pois o verdadeiro amor não é feito apenas de declarações de afeição. O verdadeiro amor envolve doação, não recebimento.

Existe ainda um outro relacionamento com D’us que Israel é conclamado a fortalecer: o de amar a D’us. Duas vezes ao dia, no Shemá (Ouve, ó Israel) somos lembrados do mandamento "E amarás ao Senhor teu D’us com todo teu coração…" O relacionamento de Israel com D’us é descrito em termos de um eterno matrimônio também entre amantes: "Eu Te ligarei a Mim para sempre; eu te ligarei a Mim em justiça e integridade, em bondade e misericórdia; eu te ligarei a Mim em fidelidade e tu conhecerás o Eterno."
(Hosea 2:21-22)

Enquanto a reação de um servo é universalmente reconhecida, aquela de alguém comprometido não é, nem mesmo por uma geração que está exposta a mais demonstrações públicas de amor num ano que as gerações anteriores podiam ver durante toda a vida. Pois o verdadeiro amor não é feito apenas de declarações de afeição. O verdadeiro amor envolve doação, não recebimento. A auto-satisfação às custas do ser amado não é verdadeiro amor. O verdadeiro amor não se expressa por uma recusa teimosa em ceder aos prazeres e desejos do outro, mas por uma disposição de se sacrificar para satisfazer o ser amado.

Os casamentos – e todos os relacionamentos baseados no amor – se deterioram quando predomina o egoísmo. Quando uma das partes se comporta como se apenas suas necessidades e prazeres sejam importantes, o verdadeiro amor desaparece. E a religião, que no seu nível mais elevado está baseada no amor a D’us, também se deteriora na presença do egoísmo. Quando as pessoas agem como se apenas suas próprias necessidades e desejos importassem, sem pensar naquilo que poderia agradar ao Todo Poderoso, o amor de D’us também evapora.

Sob um ponto de vista pragmático, não há realmente muita diferença se um relacionamento com D’us está construído sobre uma base de profundo amor ou por uma aceitação do relacionamento amo-servo. Embora sob um ponto de vista filosófico e espiritual não haja dúvida sobre a superioridade deste relacionamento, em termos práticos os resultados são os mesmos. É somente por motivos que entram na psique pessoal que algumas pessoas se sentem mais propensas a enfatizar um em vez do outro destes dois relacionamentos muito legítimos.
Seja qual for a abordagem, nosso relacionamento com D’us envolve mais que a prece. Exige uma transformação pessoal, uma auto-reconstrução que envolve obedecer a Ele onde até então isso não acontecia; satisfazê-Lo onde até então pensávamos apenas em satisfazer a nós mesmos.

Efetuar tal transformação exige um esforço duplo. Um deles envolve o tipo de estudo do qual deveria emergir o conhecimento em largura e profundidade de todo o legado de Israel. "Não é mais religião que é necessária em educação mais elevada, mas educação mais elevada que é necessária em religião." O outro envolve experiências, a experiência de viver como judeu, de comportar-se como judeu.

O conhecimento exige entendimento, e o maior entendimento deriva do envolvimento pessoal e não meramente do estudo de livros. Conhecer interiormente com certeza é superior a apenas observar do lado de fora. Um reconhecimento intelectual da importância de ser um judeu não pode se comparar com a valorização intuitiva de seu valor, que vem do ato de fazer. Embora o intelecto possa estar lá para reforçá-lo, especialmente em nossa época, a sensação direta daquilo que realmente é vem do fazer, não apenas de saber. Se uma avaliação intuitiva ou emocional dos valores e idéias judaicos em si não é mais suficientemente forte para enfrentar a luz do exame crítico no mercado de idéias e exige um sólido apoio intelectual e acadêmico, este por si mesmo não trará engajamento ao modo de vida judaico.

O primeiro artigo em cada credo é a crença… Mas é difícil ver como uma simples idéia pode ter esta eficácia… Não é suficiente que pensemos nelas (as idéias), é também indispensável que nos coloquemos em sua esfera de ação e que nos coloquemos onde possamos melhor sentir sua influência; numa palavra, é necessário agir…


Nossos Sábios disseram: no lugar onde está um báal-teshuvá, nem mesmo o perfeito justo pode ficar. Em outras palavras, seu nível espiritual é ainda mais elevado que o daqueles que nunca pecaram..

Vamos enfrentar o assunto friamente. A sobrevivência dos judeus em si não é suficiente para justificar lealdade ao Judaísmo ou algo no qual se basear para permanecer judeu. Se o fato de ser judeu não tem significado, então a sobrevivência de Israel como um povo distinto ou fé é de menor importância. E se alguém acredita profundamente que tem importância, então isto deve também ter significado e implicações num nível pessoal.

"Retorna, ó Israel ao Eterno teu D’us" é o grito dos profetas hebreus que tem ecoado através das gerações sempre que nosso povo se afastou d’Ele. O centro de nossa fé é a noção de que nunca é tarde demais para um retorno. Se a pessoa tem seis ou sessenta anos, dez ou cem, é convocado a purificar seu coração e seus pensamentos e a direcionar-se ou redirecionar-se ao Todo Poderoso.

Que nenhum báal teshuvá imagine que está muito distante do nível dos justos por causa de seus pecados e transgressões passados. Não é assim. Ele é amado e querido perante o Criador como se jamais tivesse pecado… Não somente isso, mas sua recompensa é ainda maior, pois ele experimentou a transgressão e se afastou dela, dominando sua má inclinação. Nossos Sábios disseram: no lugar onde está um báal-teshuvá, nem mesmo o perfeito justo pode ficar. Em outras palavras, seu nível espiritual é ainda mais elevado que o daqueles que nunca pecaram. Todos os Profetas conclamaram ao arrependimento, e a redenção final de Israel somente virá por meio do arrependimento…(Hil. Teshuvá 7:4,5)

Podemos também registrar a conclusão do sábio Cohêlet, que após toda sua procura pelo significado da vida e após toda sua busca por ela, do ascetismo ao hedonismo, concluiu que: "Após todas as coisas terem sido ouvidas… reverencia o Eterno e guarda Seus mandamentos. Pois esta é a íntegra do homem" (Cohêlet 12:13).

Se alguém que salva uma vida recebe, segundo nossa tradição, o mérito de ter salvado o mundo inteiro, então aquele que destrói uma vida é culpado de destruir um mundo. Se aquele que sufoca espiritualmente uma vida judaica, seja a sua ou a de seus próprios filhos, é imputável pela sufocação espiritual de todo um mundo judaico, também aquele que revive espiritualmente uma vida judaica – seja a sua própria – é como se espiritualmente revivesse um mundo judaico.

       
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