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  Como se remotiva pessoas desanimadas?
 
Por Rabino Jonathan Sacks
  Como se remotiva pessoas desanimadas? Como se juntam novamente as peças de uma nação alquebrada? Esse foi o desafio de Moshê na Parashá desta semana.

A palavra chave aqui é vayakhel, “[Moshê] reuniu.” Kehilá significa comunidade. Uma Kehilá ou kahal é um grupo de pessoas reunidas para um determinado objetivo. Aquele propósito pode ser positivo ou negativo, construtivo ou destrutivo. A mesma palavra que aparece no início da Parashá desta semana como o início da solução, apareceu na Parashá da semana passada como o início do problema: “Quando o povo viu que Moshê estava demorando tanto para descer da montanha, se reuniu ao redor de Aaron e disse: ‘Faça para nós um deus para nos liderar. Quanto a esse homem, Moshê, que nos tirou do Egito, não sabemos o que aconteceu com ele.’”

A diferença entre os dois tipos de comunidades é que uma resulta em ordem, a outra em caos. Ao descer a montanha para ver o bezerro de ouro, lemos que “Moshê viu que as pessoas estavam ficando loucas, e que Aaron as tinha deixado perder o controle e assim se tornarem motivo de riso para seus inimigos.” O verbo significa “perder, descontrolar, irrestrito.”

Há uma assembleia que é disciplinada, orientada e com sentido. E há uma assembleia que é uma multidão. Tem vontade própria. Pessoas em meio a multidões perdem seu senso de autocontrole. São levadas por uma onda de emoção. Os processos normais de pensamento deliberativo são ultrapassados pelas sensações mais primitivas ou pelo grupo. Ou seja, os neurocientistas chamaram de “sequestro da amídala”. As paixões saem do controle.

Há famosos estudos sobre isso: Extraordinários Delírios Populares e a Loucura das Multidões (1841, de Charles Mackay: A Multidão: Um Estudo da Mente Popular, (1895) de Gustave Le Bon; e Instintos do Rebanho na Paz e Na Guerra (1914) de Wilfred Trotter. Uma das obras mais assombrosas sobre o tema é do vencedor do Prêmio Nobel Judaico Elias Canetti, Multidões e Poder (1960, traduzido para o inglês em 1962).

Vayakhel é a reação1 de Moshê ao selvagem abandono da multidão que se reuniu ao redor de Aaron e fez o bezerro de ouro. Ele faz algo fascinante. Não se opõe ao povo, como fez inicialmente quando viu o bezerro de ouro. Em vez disso, usa a mesma motivação que os moveu. Eles queriam criar algo que fosse um sinal de que D'us estava entre eles, não nas alturas de uma montanha mas no meio de um acampamento. Ele apela ao mesmo senso de generosidade que os fez oferecer seus ornamentos de ouro. A diferença é que agora eles estão agindo segundo a ordem de D'us, não pelos seus sentimentos espontâneos.

Ele pede aos israelitas para fazerem contribuições voluntárias para a construção do Tabernáculo, o Santuário, o Mishcan. Eles o fazem com tanta generosidade que Moshê tem de ordenar que parem. Se você quiser inclinar seres humanos para que ajam pelo bem comum, faça com que construam algo juntos. Faça com que assumam uma tarefa que possam fazer somente em conjunto, que ninguém possa fazer sozinho.

O poder desse princípio foi demonstrado num famoso exercício de pesquisa sócio-científica feito em 1954 por Muzafer Sherif e outros da Universidade de Oklahoma, conhecido como o experimento “Ladrões da caverna”. Sherif queria entender a dinâmica de grupo de conflito e preconceito. Para isso, ele e outros pesquisadores selecionaram um grupo de 22 meninos brancos de 11 anos, que não conheciam uns aos outros. Foram levados a um longínquo acampamento de verão em Robbers Cave State Park, Oklahoma. Foram separados aleatoriamente em dois grupos.

Inicialmente, nenhum grupo sabia da existência do outro. Ficaram em cabines distantes. A primeira semana foi dedicada a construir a equipe. Os meninos andavam e nadavam juntos. Cada grupo escolheu um nome - tornaram-se As Águias e as Cascavéis. Pintaram os nomes nas camisas e bandeiras.

Durante quatro dias foram apresentados uns aos outros por meio de uma série de competições. Houve troféus, medalhas e prêmios para os vencedores, e nada para os perdedores. Quase de imediato houve tensão entre eles: xingamentos, provocação e canções depreciativas. Então ficou pior. Um grupo queimava a bandeira do outro e desmantelavam suas barracas. Não queriam comer junto com os outros no mesmo recinto.

O Estágio 3 foi chamado de “fase de integração”. Foram arranjadas reuniões. Os dois grupos assistiram a filmes juntos. A esperança era que esses encontros face a face diminuíssem a tensão e levassem à reconciliação. Não deu certo. Vários deles brigaram, atirando comida uns nos outros.

No Estágio 4, os pesquisadores forjaram situações nas quais surgia um problema que ameaçava ambos os grupos simultaneamente. A primeira era um corte no fornecimento de água no acampamento. Os dois grupos identificaram o problema separadamente e se reuniram no ponto onde o corte tinha ocorrido. Trabalharam juntos para removê-lo e celebraram juntos quando conseguiram.

Em outro, os dois grupos votaram para assistir alguns filmes. Os pesquisadores explicaram que os filmes custariam dinheiro para alugar, e que não havia fundos suficientes para isso. Os dois grupos concordaram em contribuir com uma parcela igual.

Num terceiro, o ônibus no qual viajavam parou, e os meninos tiveram de trabalhar juntos para empurrá-lo. Quando os testes terminaram, os meninos tinham parado de ter imagens negativas do outro grupo. No ônibus de volta para casa, os membros de uma equipe usaram o dinheiro do prêmio para comprar bebidas para todos.

Resultados semelhantes surgiram de outros estudos. A conclusão é revolucionária. Você pode transformar até facções hostis num único grupo coeso desde que eles enfrentem um desafio partilhado que todos possam conseguir juntos, mas nenhum sozinho.

Rabi Norman Lamm, ex-presidente da Yeshiva University, disse certa vez que conhecia uma piada na Mishná: a declaração de que “eruditos aumentam a paz no mundo.”2 Os rabinos são conhecidos por discordarem. Como, então, pode-se dizer que eles aumentam a paz no mundo?

A passagem não é uma piada mas sim uma verdade calibrada. Para entendê-la, devemos ler a continuação: “Eruditos aumentam a paz no mundo, como está escrito: ‘Todos os seus filhos serão instruídos sobre o Eterno, e grande será a paz de seus filhos.’3 Não leia “seus filhos” [banayich], mas “seus construtores” [bonayich].” Quando os eruditos se tornam construtores, criam a paz. Se você procurar criar uma comunidade com pessoas fortemente individualistas, terá de transformá-las em construtores. Foi isso que Moshê fez em Vayakhel.

Construção de equipe, mesmo após o desastre do bezerro de ouro, não é um mistério nem um milagre. É feito dando-se uma tarefa ao grupo, que fale às suas paixões e que nenhuma parte possa fazer sozinha, Deve ser construtiva. Cada membro do grupo deve ser capaz de fazer uma contribuição única, e então sentir que foi valorizado. Cada qual deve ser capaz de dizer, com orgulho: Ajudei a fazer isso.

Foi isso que Moshê entendeu e fez. Ele sabia que se você quer construir uma equipe, crie uma equipe que construa.


Notas

1. Eu quis dizer isso apenas no sentido figurado. A construção do Tabernáculo foi, é claro, ordem de D'us, não de Moshê. O fato de que é mostrado como um divino comando na Parashá Terumá, antes da história do bezerro de ouro, é para ilustrar o princípio de que “D'us cria a cura antes da doença” (Talmud, Meguilá 13b).

2. Talmud, Berachot 64a

3. Isaias 54:13
     
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